Nota do editor: se você (como eu) segue sua vida alienado de qualquer questão política internacional, então preste atenção.
No dia 22 de julho passado, o presidente venezuelano Hugo Chávez declarou o rompimento das relações diplomáticas com a Colômbia. O motivo foi a denúncia feita pelos colombianos, junto a Organização dos Estados Americanos (OEA), de que a Venezuela estaria abrigando guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (FARC) e do Exército de Libertação Nacional (ELN).
Dotado de um oportunismo político peculiar, Chávez aproveitou a visita de Diego Maradona ao Palácio de Miraflores para anunciar o rompimento. Irônico e retórico, o presidente disse que fazia o anúncio “com uma lágrima no coração” e argumentou que a decisão ocorreu “por uma questão de dignidade”.
Ao se defender da denúncia, Chávez alegou perseguição e conspiração por parte do governo de Álvaro Uribe. Por sua vez, os colombianos afirmam que existem cerca de 1.500 guerrilheiros acampados em território venezuelano e propuseram à OEA a criação de uma comissão internacional para verificação da existência desses acampamentos.
Uma reunião extraordinária da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) ocorreu no dia 29 de Julho na cidade de Quito, no Equador, para discutir e mediar a crise. No entanto, os resultados não foram satisfatórios. Após quatro horas de debates, a Venezuela não ratificou o documento oficial, encabeçado pelo chanceler colombiano Jaime Bermúdez, que definia mecanismos de cooperação para combate de grupos criminosos no continente.
Com o fim do mandato de Uribe, Chávez adotou uma postura mais conciliadora. Nesse sentido, o novo presidente colombiano Juan Manuel Santos se reuniu com o líder bolivariano no último dia 10 de agosto a fim de selar a paz entre os países vizinhos: “Eu e Chávez nos identificamos com a necessidade básica de garantir o bem-estar de nossos povos, e por isso vamos construir uma relação que seja durável”, disse Santos ao fim do encontro.
Quem é quem nesse rolo todo?
O continente sul-americano ainda é um terreno fértil para as ideologias do século XX. As sequelas dos mais diversos regimes militares cultivaram um rol de líderes populares com alto poder de persuasão e carisma. Entre eles, Evo Morales da Bolívia, Hugo Chávez na Venezuela e Lula aqui pelo Brasil.
A Venezuela é o último bastião socialista do continente. No estilo mais polêmico possível, Hugo Chávez vem construindo o que chama de República Bolivariana. Uma alusão à visão política do líder Simon Bolívar, um dos libertadores da América, que consiste basicamente na gestão popular do poder. No entanto, o grande trunfo de Chávez para se manter no poder não é o povo, mas sim as reservas de petróleo da Venezuela.
A Colômbia é um país contaminado pelo tráfico de drogas. Para se ter uma ideia, a participação da cocaína no Produto Interno Brunto (PIB) varia entre 1 e 3% do total, o que representa cerca de US$ 6,25 bilhões por ano. Com todo esse dinheiro circulando, movimentos revolucionários encontraram crédito junto aos traficantes. Assim, as FARC conseguiram se apropriar de parte do território colombiano.
A mistura de tráfico, política e violência levou a uma reação conservadora que aproximou o país dos Estados Unidos. Tanto que o ex-presidente Álvaro Uribe funcionava como uma espécie de garoto de recados da Casa Branca para a América do Sul.
O que o Brasil tem a ver com isso?
O Brasil vem assumindo com mais veemência o papel de líder do continente. Seja pelo seu poderio econômico, seja pela sua influência política, nosso país tem desempenhado um papel fundamental na integração da América do Sul, iniciada na década de 1990.
No entanto, um das barreiras dessa integração é justamente a questão política dos nossos vizinhos. A onda nacionalista encabeçada por Chávez e Morales causou alguns incômodos econômicos para nossos tentáculos imperialistas, como a nacionalização das plantas de gás da Petrobras na Bolívia (2006) e a interdição das operações da Odebrecht no Equador (2008).
A instabilidade entre Venezuela e Colômbia pode significar prejuízo aos objetivos de política externa do Brasil. Se o Itamaraty não conseguir atuar de maneira eficiente na mediação dessa crise, o país pode perder a confiança dos players internacionais no tabuleiro geopolítico. Dessa forma, uma má conduta diplomática pode, por exemplo, deslegitimar a atuação brasileira na questão nuclear iraniana.
O que esperar de tudo isso?
No curto prazo, só bravatas. As declarações de Lula suavizando o rompimento foram propícias nesse sentido. O que ocorreu, de fato, foi só um confronto verbal.
O caso Uribe e Chávez é um romance antigo. O presidente colombiano estava encerrando seu mandato e buscou um desfecho fatal para a questão que não soube conduzir durante seu governo. Já Chávez utilizou-se da velha técnica de desviar a atenção dos problemas domésticos (inflação, desemprego) com a possibilidade de uma guerra. Com o desfecho e a retomada das relações, esse rompimento foi uma grande vingança de Chávez sobre Uribe.
O ex-presidente argentino Nestor Kichner tomou a frente das negociações diplomáticas e roubou a cena na intermediação do conflito. Atitude essa que rendeu elogios da chefe de estado americana Hillary Clinton. Por meio da Unasul, Kichner costurou reuniões bilaterais com os dois países e amenizou as consequências do rompimento.
Nesse sentido, por omissão, o Itamaraty perdeu uma grande oportunidade de galgar importantes degraus rumo ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.
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