Certa vez alguém me disse numa espécie de piada interna da faculdade que a ordem natural das coisas era a seguinte: primeiro, a coisa acontecia no espaço público, na vida real (aborto; drogas; aplicativos de carro;); depois vinha o Estado e tentava proibir ou regulamentar essa coisa; só então aparecia a Academia, sempre atrasada, tentando estudar e explicar esses fenômenos sociais.
Se isso é verdade, dessa vez o estado ficou pra trás. Isso porque as pesquisadoras Giulia Maria Dotti Sani, do Instituto Universitário Europeu, e Judith Treas, da Universidade da Califórnia, cruzaram dados de pesquisas realizadas entre 1965 e 2012 e notaram que o tempo que os pais dedicam aos seus filhos subiu consideravelmente no período. Na média, o dobro.
Entre todos os países pesquisados, o tempo que as mães gastam cuidando de seus filhos continua bem maior do que o que os pais gastam (elas: 104 min/dia; eles: 59 min/dia), mas a dedicação de ambos subiu bastante. Em 1965, as mulheres gastavam 54 minutos por dia com atividades ligadas aos rebentos. Já os homens, apenas 16.
As pesquisadoras ainda analisaram outros fatores como classe social, poder econômico e nível de escolaridade e notaram que em todos os recortes a dedicação aos filhos aumentou o que indica que, apesar do Brasil não estar presente no estudo, o fenômeno pode ser considerado global. Aliás, ele reforça o que nós temos visto (e incentivado!) também na sociedade brasileira.
No Brasil
Para estabelecer um parâmetro de comparação com a realidade nacional, um outro estudo que comparou os dados de 1965 com os de 2003 em 20 países (incluindo o Brasil) apontou um aumento de seis horas por semana, em média, na contribuição de homens casados e empregados com o cuidado com as crianças e as tarefas domésticas. Especificamente no Brasil, o tempo que esses homens dedicam aos filhos e à sua própria casa era de 10h08 por semana em 2011.
Porém, um outro dado levantado recentemente pelo jornal O Globo preocupa: desde que a presidente Dilma Rousseff sancionou uma lei no ano passado estendendo a licença-paternidade de 5 para 20 dias, apenas 12% das 160 mil empresas habilitadas passaram a oferecer esse benefício para seus funcionários.
O número total de empresas no Brasil, é claro, é muito maior, mas apenas àquelas que fazem parte do programa Empresa Cidadã, ou seja, aquelas que declaram impostos sobre o Lucro Real, foram contempladas pela nova legislação.
E se a nova lei "não pegou" entre as empresas, do lado dos empregados a coisa também anda complicada. Os pais que desejam obter o benefício estendido devem fazer um curso sobre paternidade responsável pago pela empresa (que pode abater os custos do Imposto de Renda) e solicitar a licença no prazo de dois dias úteis após o nascimento do filho. Mas mesmo aqueles que têm esse direito, relatam diversos problemas.
O que não era novidade para as mulheres como o medo de perder o emprego ou de nem consegui-lo apenas por estar perto de ter filhos agora acomete os homens também. Alguns dizem que se sentem reprimidos pelos colegas de trabalho que sabem que na ausência de um funcionário, a carga ficará mais pesada para os restantes. Mesmo com o direito assegurado, portanto, optam por não passar mais do que cinco dias longe do escritório.
O problema é que o custo dessa distância não é apenas emocional para pais e filhos. Pesquisas já indicaram que filhos que tem contato próximo com seus pais no início da vida têm menos chances de desenvolver vício em álcool e drogas, além de serem mais felizes e bem-educados. Os pais, por sua vez, também se tornam mais saudáveis física e mentalmente, abusam menos de álcool e drogas, e pasmem, são mais produtivos no trabalho do que os outros homens.
No Mundo
É importante dizer que o período de licença-paternidade no Brasil nem está entre os piores do mundo. Apesar de, como vimos, a legislação nem sempre ser seguida, o direito reservado aos pais trabalhadores brasileiros são razoavelmente generosos se comparado com outros lugares. O problema é que não é exagero dizer que o governo brasileiro pode estar praticando essa generosidade com o dinheiro alheio, no caso, das empresas.
Isso porque na maioria dos outros países, o tempo que o trabalhador fica afastado do trabalho por conta da paternidade é pago pelo Estado e não pela empresa, como acontece no Brasil. Ainda que algumas não vejam nisso um problema e estejam inclusive oferecendo licença-paternidade até maior do que a que a legislação determina (usando isso como forma de captar e reter talentos), outras empresas enxergam nisso mais um empecilho trabalhista e, portanto, um desestímulo governamental.
Outra coisa que podemos observar com os exemplos internacionais é o novo conceito de licença-parental. Voltado para reduzir a diferença abissal entre a licença-paternidade e a licença-maternidade, muitos países têm adotado um regime no qual o casal pode optar por qual dos dois da relação quer tirar seus dias de licença para ficar com o filho e quantos dias cada um deles quer tirar do total do benefício.
Atualmente, existe no Congresso Nacional uma proposta de emenda à constituição (PEC) que prevê exatamente isso. Essa política visa ajudar a derrubar o conceito de que os homens não precisam participar da vida e da criação dos filhos, além de diminuir a vulnerabilidade das mulheres no mercado de trabalho, dividindo de maneira mais igualitária a licença-parental. Porém, essa proposta não está na agenda do governo.
Pelo contrário. Quando publicamos um artigo recente em que analisamos o impacto que a política do Bolsa Família (principal programa social do governo federal) tem na vida de pais e filhos homens, percebemos que a decisão de conceder o benefício integralmente às mulheres, tirando qualquer responsabilidade dos homens em relação a obtenção do recurso, está impactando na vida de milhões de jovens que crescem aprendendo que a presença de seus pais é dispensável. O que vai frontalmente de encontro a proposta de uma divisão mais igualitária das tarefas domésticas e da criação dos filhos. Há, portanto, um longo caminho a ser percorrido.
Mecenas: Natura Homem
Natura Homem acredita que existem tantas maneiras de exercer as masculinidades quanto o número de homens que existem no mundo. Apoiar a participação ativa dos homens na vida e na criação de seus filhos é uma maneira de fortalecer essas relações que transformam nosso jeito de ser e estar no mundo. E isso vai além do discurso: na prática, Natura oferece aos colaboradores 40 dias de licença, o dobro do previsto na legislação brasileira.
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