O comentarista fala de blogs, Luxemburgo, jornalismo e, claro, futebol.
Com mais de 35 anos de jornalismo, Juca Kfouri tem uma carreira admirável. Foi diretor de redação das revistas Placar e Playboy, colunista de jornais como O Globo e Lance! e responsável pela matéria que denunciou a chamada “Máfia da Loteria Esportiva” em 1982.
Atualmente Juca é comentarista da ESPN Brasil e responsável por uma coluna na Folha de S. Paulo. Além disso, mantém um blog que já ultrapassou a marca de 40 milhões de acessos. Sabe-se lá como, esse homem arrumou um tempo para conversar com Rodrigo Ferreira. Exibindo a habitual classe, tratou de temas delicados, como ser corinthiano.
Confira.
Rodrigo Ferreira: Quem é hoje Juca Kfouri?
Juca Kfouri: Um blogueiro. Como você bem sabe, o blog acaba exigindo 24 de dedicação. Se você não publica muitas notas, o pessoal reclama, pergunta se está de ferias ou doente, com problemas na família.
Quando eu fui para o UOL, ou seja, quando voltei para a Folha, o contrato exigia que eu escrevesse uma nota por dia, de segunda a sexta. Nada de fins de semana. Fui dormir pensando: se amanhã 10 mil pessoas tiverem acessado, eu vou dormir feliz. Aí, fiz a primeira nota. Entrou no ar as 10 horas da manhã. Às 4 da tarde, tinham 60 mil visitas. E pensei: “não é possível deixar todas essas pessoas com uma nota só. Preciso fazer alguma outra coisa”.
A partir daí, o blog vai fazer 3 anos, não houve um dia em que eu não escrevesse alguma coisa. Inclusive nas férias. Tenho sempre que inventar alguma coisa, como o campeonato de seleções de todos os tempos.
RF: E o que fez para chegar a ser esta pessoa?
JK: Se eu tivesse que definir em uma frase: Eu não curvei a espinha. Como disse o Millor Fernandes, “quem se curva aos poderosos, mostra a bunda aos oprimidos”. Eu não fiz isso.
RF: Você, no começo dos Geraldinos disse: “mas quem sabe se um dia o jornalista não poderá viver apenas do respaldo dos leitores que queiram acompanhar o seu trabalho, realização do velho ideal de fazer, de fato, do leitor o único patrão do homem de imprensa?”. Algo mudou de lá pra cá?
JK: Acho que não. Porque ainda não se resolveu a equação, que não é simples, relativa aos blogs. Que é: como recolher aqueles que de fato querem pagar, ao menos R$2,00 por mês, para ter acesso ao seu blog.
Digamos que no mundo você tenha 30mil pessoas interessadas em pagar. Pronto, você tá com a vida ganha. Mas como resolver a equação em que o depósito desses R$2,00 não seja mais caro do que a operação bancária em si?
Isso talvez tenha uma solução um dia com uma cooperativa de blogueiros, que una uma massa que justifique. Mas eu acho que este caminho ainda está aberto.
RF: Hoje, o que motiva um jornalista que trabalha com opinião e blog?
JK: A quixotesca pretensão de fazer com que as coisas melhorem.
RF: Como é conviver com a fama? Entrevistar pessoas menos conhecidas que você? Isto era esperado?
JK: Eu não tenho esta noção. Felizmente. Eu acho que é uma diferença muito grande entre ser notório e ser famoso. Se tivesse uma lei que obrigasse todo caixa de banco a colocar a cara na tela, o cara entraria em um restaurante e, na hora, alguém gritaria “olha lá o caixa do tal banco!”. Como não tem, as pessoas acabam se apegando a quem aparece na televisão. Isso é notoriedade. Famoso é o Chico Buarque de Holanda.
Eu acho isso. Sigo a risca a coisa de “não ficar bestinha”. Isso até me incomoda. Eu preferia ser mais anônimo do que sou. Até porque o não-anonimato me atrapalha em um monte de coisa. Coisas que eu podia fazer anos atrás e hoje eu não posso, que eu tenho que pedir que façam pra mim.
RF: Ser conhecido pela rigidez de moral e ideais, não cria um preconceito ou um bloqueio à sua imagem?
JK: Eu acho que sim. No fundo, é uma burrice o que as pessoas dizem, que eu sou “o paladino da moral”. Que paladino coisa nenhuma! São as pessoas que fazem isso. Você me vê defender posições, meus princípios. Mas nunca me viu bater no peito e dizer “porque eu! porque eu!”. Que nada. Primeiro, porque eu não acho que faça nada além da minha obrigação. Segundo, porque tenho consciência de todas as cagadas que eu já fiz na minha vida. Tentei limpá-las, nunca fiz por querer. Nunca fiz de sacanagem. Mas reconheço as besteiras que cometi. O Raí me disse que eu devia sofrer muito. Não, eu não sofro. Eu só procuro seguir o que eu herdei do meu pai, e ele não sofria.
Eu não sofro, eu faço naturalmente.
Tem o seguinte, quando você tem uma imagem de uma pessoa séria, ninguém chega pra você pra propor uma armação. Porque não vai dar em nada. Eu não preciso dizer para você que tenho medo de um dia cair em tentação, porque a tentação sequer bate à minha porta.
RF: O que você ganha com tamanha rigidez?
JK: Eu ganho uma vida muito melhor do que a que eu imaginei quando comecei minha carreira de jornalista. Tenho um carro, uma casa, tudo melhor do que eu imaginava. Viajo para onde eu quiser.
Se não for por virtude, faça por oportunismo. Eu me dei bem sendo assim.
RF: Ao ser tão duro com algumas pessoas, a falada imparcialidade do jornalista não é afetada? Como lidar com Luxemburgo por exemplo?
JK: Eu tenho muita clareza. O Luxemburgo é um dos melhores técnicos do futebol brasileiro. Mas eu, como torcedor, não quero ele como técnico do meu time. Quando ele foi técnico do Corinthians, eu pedi licença. E olha que eu não fiz isso nem com a MSI.
Porque eu acho que ele, no frigir dos ovos, faz mal aos clubes que ele dirige. Ganham uma coisa aqui e ali, mas deixa o clube exaurido. Ele está mais preocupado com o próprio umbigo do que com os clubes. Eu não gosto do estilo dele.
RF: Como seria, em uma frase, a nota do Blog do Juca em uma suposta final de Copa do Mundo em 2014 no Brasil, com o Brasil campeão, Luxemburgo como técnico e Ricardo Teixeira presidente da CBF?
JK: Brasil hexa (ou hepta) campeão mundial, apesar de tudo.
RF: Qual o maior momento da sua carreira?
JK: Veja bem, tem duas avaliações. A de fora e a pessoal.
Se você perguntar, qual foi a coisa que fiz em jornalismo que mais me orgulha, que mais me agrada, foi descobrir a identidade do Carlos Zéfiro. Até porque demonstra que o jornalismo investigativo não é sinônimo de denúncia, de que alguém precisa se ferrar por causa da matéria. Até o contrário, foi uma matéria que fez bem para o seu Alcides (Aguiar Caminha /1921-1992). Esta é a coisa que mais me orgulha.
Agora, o que me consolidou como jornalista. E que eu apenas comandei, nem fui eu quem fiz, pois quem fez foi o Sérgio Martins, foi a denúncia da máfia da loteria esportiva em 1982 na Revista Placar.
RF: Um momento para esquecer?
JK: A minha aproximação extremada com o Rei Pelé.
RF: É possível ser amigo de um jornalista?
JK: Não pode. O jornalista só pode ter amigo jornalista. Fonte não é amigo. Porque entre a fonte e a notícia, eu não tenho a menor dúvida em publicar a notícia. Jornalista, neste aspecto, é uma das profissões mais solitárias que há.
RF: Quais suas lembranças da época de Geraldino?
JK: As melhores possíveis. Uma delas voltando de Belo Horizonte depois de uma derrota para o Cruzeiro na Final da Taça de Prata em 69, época em que Dirceu Lopes e cia. acabaram com o Corinthians.
Voltando de ônibus, sem nenhuma janela intacta, com todos os vidros apedrejadas pela torcida do Cruzeiro, eu estava dormindo quando um negão que até então não tinha aberto a boca pra falar nada, nem na ida, nem na volta, colocou a mão na minha perna e disse assim: amigo, briguei com as minhas duas mulheres pra vir nesse jogo e o coringão me perde? É foda amigo! É foda! É o coringão! É o coringão!”, me levantou gritando “é o coringão, é o coringão!”.
Todo mundo acompanhou, colocaram as bandeiras pra fora e começaram a cantar. Éramos nós, entrando em São Paulo pela Fernão Dias, com o dia amanhecendo, o ônibus já desgarrado da caravana e as pessoas indo para o trabalho olhando aquilo e pensando o quão malucos eram aqueles caras. Naquele dia o campeão do Brasil era o Palmeiras, que tinha ganhado do Botafogo. Ninguém acreditava naquilo. E era coisa de maluco mesmo.
RF: E Quais as consequências para a sua carreira de admitir ser corintiano?
JK: Olha, no dia-a-dia, traz mais chateação do que benefício. Mas a médio-longo prazo, não tenho dúvida que traz mais credibilidade. As pessoas sabem que você não engana. Mas sou acusado pelos corintianos de não ser corintiano, de ser crítico. E os outros acreditam que eu alivio para o Corinthians.
RF: O Herbert Vianna certa vez disse que o acidente mudou sua forma de ver o público. Que antes ele corria de um lado para o outro, buscando se divertir e entreter os espectadores. Mas hoje, na cadeira de rodas, ele pode olhar nos olhos do público e entender o que eles querem e o que sentem. Vocâ acha que o blog te coloca nesta mesma posição, mais próximo do seu púlbico?
JK: O blog, sem dúvida, te permite mais interação que nenhum outro veículo dá. Você sabe com quem você está falando.
O que o Herbert Viana disse, e está certíssimo, é realmente verdadeiro nas palestras. Onde você olha no olho das pessoas. Você age de acordo com a expressão e a reação das pessoas. Assim, procura evitar alguns temas ou até se alonga em seus argumentos até fazer o público concordar. Por intimidação ou por argumento.
Mas a interação no blog faz uma diferença brutal. Na televisão ou no rádio, você no máximo imagina, fica mais fácil falar. No blog, você pega o retorno, conhece o seu leitor.
RF: O que te dá mais prazer profissionalmente? TV, Rádio, Jornal ou Internet?
JK: Não há nada que me dê mais prazer que o rádio. Aqui eu me divirto uma barbaridade fazendo o programa. Às vezes eu chego aqui com 500 quilos nas costas e saio leve como uma pluma. Sempre brinco que ainda me pagam para fazer isso. Se eu tivesse que pagar para vir para cá, sairia mais barato do que uma terapia. Mas me pagam para fazer isso.
Talvez tenha sido a única coisa que eu me arrependa na minha carreira. Ter demorado tanto para fazer rádio. Comecei em 2000 e eu não tinha idéia do quão gostoso é.
RF: Você ainda espera alguma coisa da sua carreira?
JK: Espero. O que, eu não sei. Eu espero a mesma coisa que eu nunca esperei. Porque as coisas sempre foram acontecendo. Se você me dissesse que eu seria editor da Placar, eu diria que você estava maluco. Da Playboy então? Mas nunca! Trabalhar na Globo? Não há hipótese!
As coisas foram acontecendo. No meio do caminho, alguma pessoa chegou e falou que gostaria que eu fizesse isso ou aquilo e eu fui fazendo. Tenho pra mim que o fato de os imprevistos da vida conduzirem a sua carreira é melhor do que planejar. Porque o cara quando planeja alcançar algo, ele precisa pisar em algum pescoço. Quando as coisas vão acontecendo, aconteceram. Você pode até deixar pessoas que pretendiam aquilo chateadas, mas você não tem nada a ver com isso.
RF: Qual a solução para o futebol brasileiro? Quem seria, hoje, o profissional ideal para conduzir a profissionalização do futebol?
JK: A solução é exatamente a profissionalização. Com os clubes sendo tratados feito empresas, responsabilizados como empresas. E para realizar isso, existem centenas de pessoas capazes, profissionais gabaritados para conduzir este processo.
RF: Alguém dentro do futebol?
JK: Sim! O Tostão, por exemplo, com a cabeça que tem. Até o Parreira poderia, se não fosse tão subserviente como se revelou na Copa de 2006. Mas que tem gente, isso tem!
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