Seguindo uma onda liberalista que cede ao indivíduo o maior grau de liberdade possível, confia na força da razão, entende a natureza humana e procura reduzir ao mínimo os inevitáveis conflitos sociais, recentemente promulgou-se a Emenda Constitucional nº 66, coloquial e erroneamente conhecida como a Nova Lei do Divórcio.

Com ela, acaba a exigência legal para que o divórcio seja precedido de dois anos de separação de fato ou um ano de separação de direito (homologada pela Justiça ou celebrada em cartório de notas), concedendo assim maior autonomia a casais que desejam dar fim ao seu matrimônio.

O propósito da referida Emenda foi extinguir ou reduzir a indevida interferência do Estado na vida privada e na intimidade das pessoas, facilitando-as serem felizes ao lado de quem realmente amam ou pelo menos acelerando o processo de afastamento de quem não amam – ou até mesmo odeiam – e o abreviamento de uma situação de infelicidade.

“Já voltou do divórcio? Ele ficou muito surpreso ou vem comer com a gente?”

Otimista essa tendência de menor intervenção do Estado na vida do cidadão, já que duas pessoas unidas civilmente por vontade própria podem e devem ter o direito de dissolver esse contrato da mesma forma que o contraíram. No momento da celebração do casamento não é necessário o consentimento do Estado para sua ocorrência no sentido de se perguntar há quanto tempo o casal está junto, logo não há que se falar em tal exigência para o divórcio. É bem verdade que a responsabilidade é transferida para as pessoas, para que façam suas escolhas e respondam por elas sem o apajeamento estatal.

A separação é um instituto retrógrado baseado em um discurso religioso também ultrapassado. Não há que se falar na manutenção do casamento obrigando os cônjuges a ficarem juntos ou simplesmente postergando o seu afastamento definitivo, mantendo-os a permanecerem no limbo de não estarem nem casados em paz e nem livres para buscarem sua felicidade.

Ao longo dos anos, percebeu-se que a parcela de casais que retomam o matrimônio após a separação é mínima e que aquele momento de reflexão se mostrou inócuo, provando-se assim que dificultar o divórcio é protecionismo descabido, já que não respalda a família enquanto instituição.

Filho de pais divorciados que sou, sei bem que passar por um processo de separação para posteriormente dar andamento a um processo de divórcio é uma via crucis, e mais do que um sofrimento dobrado, é um sofrimento ao quadrado. Passar por esse doloroso caminho jurídico e psicológico e ser obrigado, após um ano de separação, a cutucar as feridas para conversão da separação em divórcio, é um infortúnio desnecessário.

Logo, vejo essa mudança como positiva por tornar o processo mais rápido, representando assim incomensurável avanço, já que se eliminou com essa Emenda todo e qualquer pré-requisito anteriormente estabelecido para o divórcio, exigindo para tanto somente a existência do casamento. Além da dor emocional de ter que se deparar novamente com o cenário de destruição de um lar, poupa-se o bolso do casal, pois evita a contratação de novos advogados e o pagamento de novas custas na ação de divórcio, que é autônoma. Ainda temos, ao menos em parte, o desafogamento do Judiciário.

Qualquer ajuda é bem-vinda.

Apesar de conseguir encontrar alguns poucos contras nessa nova regra, ser totalmente contrário a sua aprovação seria adotar um discurso moralista no mínimo temeroso. Fato é que a norma apresenta certa obscuridade e que a redação da Emenda à Constituição deveria ser mais completa, evitando assim discussões, variadas interpretações e consequentemente insegurança jurídica.

Leia também  Pessoas criativas em apartamentos minúsculos

A dúvida predominante gira em torno da subsistência ou não da figura da culpa no atual instituto do divórcio. Para o legislador, o casamento é um contrato civil que estabelece deveres para os cônjuges. A quebra desse contrato por uma das partes implicava, obrigatoriamente, a culpa de alguém. Esse alguém, definido pelo juiz, normalmente sofria algumas sanções (como a perda da guarda de um filho, por exemplo) que não existiriam se houvesse estrito cumprimento dos deveres conjugais.

Como a discussão da culpa se dá na etapa de separação (que desaparece com a nova redação da Constituição Federal no que tange ao divórcio), alguns juristas entendem que também a figura da culpa deixará de existir. Outros, contudo, compreendem que a discussão sobre este assunto apenas muda da etapa da separação para o divórcio, entendimento este compartilhado por mim.

Não há que se falar em supressão da culpa, visto que essa somente será transferida para o divórcio e as suas consequências serão as mesmas. Não há como pensar em extinção do contrato do casamento para posterior apuração da culpa naquela relação contratual já extinta, sob o risco de total imoralidade e irresponsabilidade legal.

Neste caminho, entendo ser possível o exame da culpa e todos os demais pontos próprios da separação no divórcio, transformando a ruptura definitiva do casamento e a discussão sobre guarda de filhos, alimentos, divisão de bens, atos desonrosos recíprocos ou não, infidelidade, etc em um só célere momento.

Nada como a vida pós-divórcio…

Há os que dizem que a nova lei fará com que mais casamentos se dissolvam, que a instituição do matrimônio está sendo destruída aos poucos e que o Estado está deixando de proteger a família. Vejo como ínfima qualquer alteração estatística quanto ao número de divórcios, haja vista que, como citado anteriormente, a parcela de casais que voltam atrás de uma decisão de separação é esmagadoramente minoritária.

Curiosamente, é provável que ocorra um número maior de matrimônios, já que muitos dos casais que se separam acabam não se divorciando, ficando impossibilitados, assim, de contrair novo casamento. Logo, qualquer um dos cônjuges poderá reconstruir sua vida afetiva com outra pessoa sem qualquer impedimento, sem precisar valer-se do instituto da união estável, e ainda evitando os casos em que uma das partes posterga ao máximo o divórcio somente para empacar a vida do ex.

Aquele casal que ainda tem dúvidas quanto à ruptura definitiva de um contrato de casamento deverá agir parcimoniosamente para que não reste arrependimento posterior ao divórcio, já que a impulsividade poderá levá-los à amargura de terem tomado uma decisão precipitadamente.

Finalizando, nossas contemplações ainda se mostram preliminares e sujeitas à crítica, porém não há que se negar que estamos presenciando uma espetacular revolução no direito de família brasileiro, e que tal revolução é fruto do dinamismo do mundo globalizado em que vivemos.

Alexandre Nunes

Advogado e jogador de poker. Apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, vindo do interior. Responde por <a>@LeLawyer</a> no Twitter."