Todos os anos, no segundo domingo de agosto, é comemorado o dia dos Pais. Isso nunca muda, todo ano é assim. Porém, uma coisa está mudando: os próprios pais.

Se “ser pai” antigamente era sinônimo de autoridade, rigidez e dureza, hoje não é bem assim. Cada ano que passa, mais pais se dão conta que “ser pai” é algo muito plural. Educar é bem mais complexo que simplesmente repassar vários métodos, valores e crenças recebidas das gerações de homens anteriores. Educar consiste em construir junto, se permitir transformar e aprender através do relacionamento com os filhos.

Se nesta data a internet fica lotada de listas de sugestões de presentes, nós pensamos em fazer uma lista diferente.

Para este Dia dos Pais, selecionamos alguns relatos de pais que mudaram seus pontos de vista em relação à vida e à paternidade. Pais que, a partir do relacionamento com seus filhos, repensaram a forma como criaram os filhos e como foram criados por seus pais.

“Pensava ‘não quero que uma criança negra passe pelas coisas que eu passei’” – Márcio Black

“Durante muito tempo, considerei não ter filhos. Eu era muito novo e pensava ‘não quero que uma criança negra passe pelas coisas que eu passei’. Desde o nascimento da minha filha, que hoje tem 4 anos, venho passando por processos e entendido o quanto de machismo tem em mim.  

Não acredito muito bem nessa palavra desconstrução, mas sim num movimento que nós homens temos que fazer de silenciar o nosso machismo. É como diz no Macbeth, de Shakespeare, quando perguntaram para ele ‘por que você não muda?’, ele disse ‘seria necessário o mesmo percurso para que eu conseguisse mudar’. Ou seja, tenho 40 anos e não sei se conseguiria viver mais 40 anos para mudar tudo isso. Então acredito que conseguir silenciar esse monstro do machismo dentro de mim é o caminho viável, muito mais que desconstruí-lo.  

Voltando a falar sobre a Estela, a primeira percepção machista que tive após querer ter filho foi aquela ideia ‘quero ter uma filha porque menina é mais tranquila’. Isso foi desmontado após o nascimento da Estela porque ela é uma criança igual a qualquer outra criança, e faz bagunça igual a qualquer outra criança. Então, não tem isso de “meninas são mais calmas e meninos mais bagunceiros”.  

Hoje, o que mais me pega em relação a Estela é o que disse no início sobre a questão racial. Eu decido ter filho, nasce a Estela e entendo que o racismo como estrutura começa a ser abalado de algumas maneiras através de várias formas, mas agora passamos por uma mega polarização política que tem também como alvo as pautas identitárias, enquanto política pública e também como manifestação social. Eu me vejo numa sinuca de bico com a Estela, o primeiro ponto é que a Estela é fruto de um relacionamento interracial. Isso é, em alguns lugares, ela é lida como branca.

Hoje, o que mais me pega é o quanto a minha experiência como homem negro, morador de Perdizes, não pode afetar os processos de sociabilidade da Estela. Se os pais das amigas da Estela são racistas, isso não pode afetar de maneira nenhuma a forma que a Estela e os amiguinhos dela se relacionam.”

“Quando me vi despertando para a paternidade, ela tinha 1 ano.” – Eduardo Tambasco

“A Naomi nasceu em 2008. Nesta época, pensa num cara machista… Era eu. Não que eu não seja machista hoje, mas eu era o extremo do machismo. Então, eu tinha coisas como ‘eu não vou trocar fraldas porque eu tenho nojo’, como se a mulher não pudesse ter nojo também.  

Nessa lógica, eu me esquivava de algumas coisas porque eu pensava ‘eu sou homem, sou mantenedor da casa, tenho que só manter a casa’. Consequentemente, a minha ex mulher foi se sobrecarregando de tarefas e psicologicamente também. Isso culminou no nosso término.

Porém, antes que a gente terminasse, a água tinha batido na bunda com muita força quando a Naomi completou 1 ano de idade. Hoje eu vejo que eu tinha uma relação fria com ela, a gente não era muito próximo. Eu tratava minha filha, e cuidava dela, assim como o meu pai tinha me criado. Eu simplesmente reproduzia essa lógica. Só que quando ela fez 1 ano, acordei para as responsabilidades sobre paternidade.

Eu lembro muito bem de uma fala de um rapaz que disse sobre a filha dele adolescente: “é, eu pisquei e ela está deste tamanho todo, eu nem percebi”. Quando ouvi isso, pensei que poderia acontecer comigo, pensei que estava propenso a reproduzir essa lógica. Aí eu dei uma acordada e pensei: ‘O que eu tenho que fazer? Vou fazer o que tem que ser feito!’

Então, fui um pai que teve sua paternidade despertada não quando a filha nasceu, mas depois. Quando me vi despertando para a paternidade, ela tinha 1 ano, eu comecei a correr atrás do prejuízo.

Lembro que quando eu estava prestes a terminar, minha filha estava chorosa, muito arredia, ela não queria conversar e não queria papo. Aquilo me fez muito mal porque pensei: ‘vou me divorciar, minha filha não vai morar comigo e vou ter que lidar com uma filha distante que não quer saber do pai’. Aí veio uma voz distante, assim, dentro de mim, e disse ‘senta na altura dela e fala com ela’. Eu fiz isso pela primeira vez e ali ela parou de chorar, foi quando eu senti que a gente se reconectou.

Hoje eu e a Naomi somos grudados e cada dia vivemos mais juntos. A gente é parceiro. Nós somos amigos pra caramba e desde que despertei para a minha paternidade, tenho entendido meu lugar de pai de uma menina dentro de um mundo com muitas transformações, esse processo tem sido muito bom."

 “Quando você se torna pai, você perdoa seus pais” – Osmar Guerra

“A paternidade, para mim, ela me fez passar de nível. Eu fui do nível ‘jovem adulto’ para o nível ‘adulto’, ‘homem’.

Quando você é solteiro, existe um eixo girando ao redor de você. Quando você casa, o eixo gira em torno de você e de outra pessoa. Mas, quando você tem um filho, o eixo se desloca totalmente para uma terceira pessoa, e todo esse foco e essa atenção são direcionados para uma terceira pessoa que, num primeiro momento é indefesa e precisa de você para tudo.

Então, quando isso acontece na sua vida, você aprende a se desprender de algumas coisas que para você eram importantes e depois você vê que, literalmente, não eram importantes.

A primeira coisa com a qual você bate de frente é com o seu egoísmo, a vida já não gira em torno de você. Você não tem a possibilidade de não dar satisfação para ninguém.  

Outra coisa é que o seu filho bate de frente com quem você é. Como assim? Muitas vezes você repreende o seu filho e aquela atitude é apenas um espelho seu. Então, quando eu repreendia minha filha, muitas vezes eu estava repreendendo uma atitude minha, eu me irritava e via ali uma atitude. 

A gente também muda umas crenças mais práticas. Por mais que, enquanto ainda não tem filhos, você possa pensar ‘eu nunca vou dar tablet ou celular pra minha filha antes dos x anos’, você vai descobrir que, às vezes, você não vai resistir à Peppa Pig para poder ter um jantar mais em paz. Ou por exemplo, você pensa ‘minha filha nunca vai fazer birra em público’, mas ela vai, porque ela é uma criança, e você tem que aprender a lidar com isso.

Só que uma coisa é fato: é um amor que quem não é pai nunca sentiu igual. Eu sinto muito pelos homens que não são pais porque o sentimento de amor de uma paternidade é de uma grandeza inigualável.  

A última coisa é que quando você se torna pai, você perdoa seus pais, você passa a entender algumas atitudes que eles fizeram ou não fizeram por você.”

 “Filhos nos atualizam ética e moralmente” – Miguel Thompson

“Quando nasceram minhas filhas, minha visão mudou de uma visão de mundo individualista para uma visão cooperativa, coletiva. A gente passa a ter uma responsabilidade maior, mas isso é comum. Só que no caso das minhas filhas, em específico, uma coisa que foi muito legal é que elas criaram em mim uma consciência ética e estética que é muito interessante.  

Uma delas é a questão de que qualquer tipo de brincadeira que não seja legal, que ofenda alguém, elas me dão bronca e me chamam atenção. Isso é muito interessante porque nós viemos de um mundo mais antigo, uma formação de outro tempo e os filhos nos atualizam ética e moralmente. Elas funcionam como um alerta, um farol. Por exemplo: ‘daqui você não pode passar, você mesmo me ensinou isso’.  

Além disso, elas me ajudam hoje a me vestir, me dão essa noção estética. As duas meninas são professoras, eu sou professor e minha esposa também é professora. Então, fomos construindo uma relação de afeto e conhecimento muito jóia.

Se vocês constroem uma relação boa, o filho é como um grilo falante em casa: sempre te aponta elementos da sua coerência com os quais você está rompendo.”

"Elas abrem nossos olhos." – Moizés Bergamaschi

“Eu sou um pai da velha geração e fico muito feliz pelo crescimento de nossos filhos que tanto tem nos ensinado. Me sinto orgulhoso por poder compartilhar alguns ensinamentos com minhas filhas, mas elas não têm noção de quanto elas me têm ensinado. 

No nosso tempo a conversa era mais restrita. Nossos pais não falavam muito, muita coisa tínhamos que adivinhar ou então era meio intuitivo. Com isso achávamos que seria assim com nossos filhos. Doce ilusão. Elas cresceram, estudaram, formaram sua própria opinião, se tornaram pessoas mais capacitadas, mais realistas com tudo que muitos de nós ainda não enxergamos. Elas abrem nossos olhos.

Elas têm amor ao próximo de maneira coerente e se preocupam com o meio ambiente. Além disso, têm horror à injustiça em todas as suas formas, e ao preconceito, que muitas vezes fazia parte de nosso cotidiano, o que hoje acredito que é inadmissível.

Elas me ensinaram de maneira clara e contundente que o respeito é condição ‘sine qua non’ para a vida. Diante disto o que diremos nós? Podemos sim ser pelo bem dos outros, arrancando todo este peso, toda essa intolerância inculcado em nossas mentes, muitas vezes inconscientemente.”

* * *

Não sabemos como serão os pais do futuro, mas de uma coisa sabemos: os pais estão em constante evolução. Os de hoje são muito diferentes dos pais das gerações anteriores, assim como as relações destes com seus filhos não são as mesmas de sempre: ordens verticais e autoritárias estão sendo substituídas por uma forma de relação cada vez mais leves e de aprendizado mútuo entre os filhos e os pais.

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Da nossa parte, fica o convite para que os pais leitores do PdH deixem, aqui nos comentários, relatos contando suas próprias experiências sobre o que aprenderam com seus filhos e com a paternidade.

Mecenas: Johnnie Walker

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Em meio às datas comemorativas, o Dia dos Pais é a quarta data em importância no varejo. O time de comunicação de Johnnie Walker quis entender os motivos dessa “desvalorização paterna” e encontrou dados que ajudam a explicar: mais de 80% das crianças têm como primeiro responsável uma mulher, 5,5 milhões de brasileiros com até 30 anos não têm o nome do pai no registro de nascimento (IBGE/2015).

Mas nem todo pai foge ao seu papel e, quando querem participar, encontram uma estrutura social que não necessariamente ajuda. No Brasil, por exemplo, a licença paternidade é de cinco dias apenas e 20 no caso das empresas cidadãs.

Mas Johnnie Walker acredita que há luz no fim do túnel: a Diageo – multinacional líder no segmento de bebidas alcoólicas Premium e detentora de Johnnie Walker – acaba de anunciar licença paternidade de seis meses em todos os 180 países onde está presente, independentemente das leis locais.

A partir desse contexto, entrevistou 11 diferentes pais sobre suas próprias paternidades em projeto inédito realizado pela marca em todo o mundo.

Vem dar o play e fazer parte desse novo momento da paternidade no Brasil!

Vinícius Lima

Jornalista e co-fundador do SP Invisível, movimento de humanização do olhar da sociedade através de histórias da população em situação de rua. Autor do livro “A Cidade que Ninguém Vê” e diretor do documentário “A Sós, relacionamentos em situação de rua”.