Verão. Sol. Sensualidade. Libido. Corpos esculturais. Clima de sedução. Você usando uma sunga que você não lembrava de ser tão desconfortável e todo empapado de filtro solar por conta do trauma daquela vez em que sua ex-namorada disse “passa filtro” e você disse “não precisa”. E ela falou: “passa filtro, sério”. E você: “não precisa, me solta”. E aí estava de mochila e, na manhã seguinte, tinha uma marca de queimadura no corpo que seu irmão batizou de “Dora, a exploradora”. Como eu vinha dizendo: verão, sol, sensualidade.

Mas mesmo com sua natural propensão a transpirar demais, se assustar com qualquer coisa que encoste no seu corpo quando está dentro do mar — “TUBARÃO, TUBAok é uma alga, gente, eu tô bem, era só uma alga” — e a tendência a formar marcas desabonadoras de bronzeado, você não escapa daquele que é o principal perigo da estação mais quente do ano: a paixão de verão.

Hesitação

Você olhava pra ela todo dia com uma intensidade que poderia abrir um buraco em algumas superfícies menos resistentes. Tatiana era a garota mais linda de toda a colônia de férias — o que hoje parece um grupo restrito de pessoas mas naquele mês de janeiro compreendia todas as garotas do mundo pra você. O jeito como ela sorria, a maneira como ela prendia o cabelo atrás da orelha, a forma como ela venceu a brincadeira de morto-vivo, demonstrando ao mesmo tempo agilidade e atenção, tudo aquilo gerou no seu coração de 14 anos emoções que você ainda não sabia serem possíveis.

Após dias tomando coragem, horas ensaiando na frente do espelho, alguns minutos corrigindo sua postura corporal — “por que meninas precisam ser tão absurdamente mais altas?”— você decidiu que aquele ia ser o dia. Tatiana tinha, é claro, saído de Águas de Lindóia na véspera porque as férias estavam no final. Você acha que passou por ela uma vez, num show em São Paulo, mas a frase “lembra de mim da colônia de férias do Hotel Pinheirinho em 1998?” não te pareceu uma abordagem viável.

Hesitação 2

Do outro lado do bar ela olhava pra você. Ela era linda. O cabelo cacheado, o sorriso aberto, o copo de caipirinha que ela bebia sensualmente. Ou talvez ela bebesse apenas normalmente e, como você tinha 19, então tudo que qualquer pessoa fazia soava sensual pra você (“nota como ela passa sensualmente os itens pela leitora do caixa, Heitor”).

O som alto, o axé rolando, você olhava, desviava o olhar, olhava de novo, buscando confirmações de que era pra você mesmo que ela olhava. E era — você pediu confirmação externa de dois amigos e se moveu em direções de maneira tão clara que fez ela rir. Ela olhava pra você, você olhava pra ela. E aí aconteceu. Sim, aconteceu. Um cara chegou, falou uma coisa no ouvido dela, eles se beijaram. Porque né, baita lance de mané seu ficar apenas olhando pra mina durante uns 20 minutos.

Sem hesitação

Vocês se beijaram na volta do banheiro. Era a última noite da viagem, a tensão sexual entre vocês era tão sólida que podia ser cortada com um maçarico, as pessoas na mesa já estavam notando, o garçom já tinha começado a dar indiretas. Ela te apertou contra a parede, você colocou a mão por dentro da blusa, ela tirou a sua camiseta, a senhora da limpeza estava horrorizada porque vocês ainda tavam dentro do restaurante.

Quando chegaram no quarto vocês já estava tecnicamente nus e na manhã seguinte vocês acordaram agarrados — não apenas um no outro mas também agarrados numa imensa ressaca. Se adicionaram no Facebook, falaram algo sobre se ver, nunca mais se viram, mas ela sorri sempre que seu rosto aparece na lista de amigos e você dá uma risadinha boba quando ela curte alguma postagem sua. A tia do restaurante tem lembranças menos positivas de vocês dois, mas é da vida.

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Romancinho

Na rodoviária vocês atrasaram o ônibus porque parecia tecnicamente impossível soltar a mão dela. Entre juras de que iriam se falar todo dia, promessas de que as férias já tavam chegando e garantias de que doze horas de viagem não é isso tudo — tem distâncias bem maiores, ônibus hoje em dia tem até wifi — vocês se despediram mas a ideia era que não acabasse ali.

Mas aí terminou o verão, vieram os dias úteis, veio o trabalho, você foi naquele fim de semana, no outro ela não podia, aí ela foi em um, mas depois teve aquela viagem e aquele plantão e tinha que visitar a tia no interior e no fim a última despedida na rodoviária foi um beijo corrido enquanto ela segurava um pão de queijo numa mão e um celular na outra e as mãos se soltaram bem mais fácil e tudo que sobrou foi um “vamos combinar sim, a gente ainda se vê”.

Romancinho 2

Tal qual um Lion do carnaval carioca, seu olho bateu no dela através da visão além do alcance — que apenas aquela quantidade de cerveja sob aquele sol escaldante causava. Você não sabia precisar se ela estava fantasiada de “versão sexy da Welma do Scooby Doo” ou apenas ainda usando as roupas da noite anterior, mas ela estava ali, estava linda, estava tomando dois sacolés de cachaça ao mesmo tempo e você soube que era amor.

Ajeitou a sua tiara, firmou o CR-ROM que tava preso na camisa — você tava fantasiado de Nero Burning, o que te pareceu engraçado mas apenas 5% das pessoas que te viam entendiam — caminhou na direção dela. Ela te viu, sorriu, aquela expressão de diversão e vergonha de quem entendeu uma piada horrível. Você prometeu pra si mesmo que se beijasse aquela garota ia querer namorar.

Ainda que o verão seja uma sensação profundamente térmica — como a camisa social molhada de suor que você está vestindo não deixa esquecer — ele também é um monte de outras sensações. A alegria de sair do trabalho e ainda ter sol lá fora, a satisfação da garota que tirou o vestidinho florido do armário, o conflito óbvio entre ser o período em que menos se precisaria de calor humano e mais se procura por isso.

Então ainda que você reclame do verão, xingue no Facebook e todo contato visual com um termômetro te mate um pouco por dentro, um lado seu ainda lembra da menina da colônia de férias, da garota do carnaval, do beijo naquela viagem e pensa que bem, ok, tá calor, mas não está tão ruim assim.

E ainda tem mais verão!

Estamos gostando do calor. Tanto que preparamos este especial com artigos quentes pra deixar o verão do jeitinho que ele merece.

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Só chegar.

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João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (<a>www.justwrapped.me/</a>) e discute diariamente os grandes temas - pagode