Recentemente o Brasil ficou chocado com a barbárie cometida pelo Sr. Ricardo Neis ao jogar seu carro em cima de vários ciclistas da Massa Crítica, em Porto Alegre. Foram mais de 120 comentários apenas aqui no PdH.

Já passou o momento para discutir se o atropelador estava certo, se os ciclistas foram imprudentes ou se foi um dia de fúria de uma pessoa. A polícia e a justiça já estão tratando do caso. Que ele o cara pague pelo que tem de pagar.

O objetivo desse texto não é fomentar a discussão do acidente. Agora é hora de conversarmos sobre atitudes do cotidiano, estilo de vida e desenvolvimento urbano. O uso de bicicletas como meio de transporte mais comum é viável? Funciona em grandes cidades? O que tem acontecido no exterior a respeito disso? Vamos tentar abordar algumas questões dessas nesse texto.

“Sai da frente que eu preciso passar com meu carro! E tira esse sorriso feliz aí da cara!”

A briga por espaço nas grandes cidades

Estamos todos calvos de saber dos problemas de trânsito das grandes cidades. Algumas alternativas são propostas como, por exemplo, as empresas flexibilizarem o horário de saída de seus funcionários para que não fiquem presos nos congestionamentos. Mas será que isso tudo chega a ser coerente, resolve ou ameniza o problema?

O Brasil passa por taxas de crescimento econômico significativas nos últimos anos. Com mais poder de compra, boa parte dos brasileiros compra um carro na primeira oportunidade. Afinal, o carro é um item indispensável na vida moderna, ainda mais nas grandes cidades… Será mesmo?

Ainda não tenho carro. Não comprei por causa de ideologia, foi por falta de grana mesmo, já que sou estudante ainda. Mas vejo pelas pessoas que eu conheço o quanto é difícil parar de usar um carro. Vejo até casos patológicos: a pessoa vai dirigindo comprar pão na padaria da esquina. De qualquer forma, gostaria de chamar a atenção para a seguinte informação extraída do site ABC Ciclovias:

O espaço que uma pessoa ocupa na rua:
se está de bicicleta: 6 m²
se está de carro (sozinha): 60 m²

Quanta diferença, não? Mesmo que você encha o carro, cada pessoa ainda ocuparia 12 m², o dobro que um ciclista. Em veículos de transporte em massa, esses valores são ainda menores: 1 m² no metrô e 3 m² em ônibus. A conseqüência disso é que, por hora, passam muito mais bicicletas, pedestres e pessoas dentro de ônibus e metrôs em uma área fixa (a largura da rua, por exemplo) do que carros com poucas pessoas dentro.

A briga por espaço fica maior nos estacionamentos. Nos centros comerciais é praticamente impossível achar uma vaga na rua hoje em dia, mesmo em cidades de médio porte. Quem nunca ficou rodando uns 20 minutos em um estacionamento de shopping à procura de uma vaga? Nas residências, a questão é mais crítica ainda: imagine o transtorno que é ampliar a garagem para guardar um carro a mais que a família acabou de comprar.

Ainda não conseguimos definir se a bicicleta é o meio de transporte ideal, mas já dá pra ter uma ideia de que há grande potencial e que também existem outras alternativas ao uso do carro quase vazio.

Os benefícios pessoais

Só quem já andou de bicicleta sabe do prazer que é. O vento batendo no rosto, a velocidade maior que a corrida (a pé) pode oferecer, a paisagem a ser observada… A cidade (ou o campo) ganha muito mais vida. Vemos a vida ao vivo e não atrás de vidros e janelas que se parecem mais com uma televisão.

Ok, a foto está glamourizando o ciclismo, mas que é legal é. Imagine o que passa na cabeça desse sujeito.

Sobre a saúde, o Dr. Fitness e o Dr. Health podem dizer melhor que eu os benefícios da bicicleta. Mas, de maneira geral, contribui para o desenvolvimento cardiovascular e, claro, previne diversas doenças. Em situações onde se é minoria, cada ciclista reconhece o próximo ciclista com muita cortesia, portanto, é um grande fator de integração social. Além disso, participar de passeios ciclísticos e eventos destinados aos ciclistas é uma ótima maneira de fazer novos amigos. Alguém aí sabe se existem passeios “carrísticos”?

Andar de bicicleta também nos estimula a atingir objetivos. Um percurso mais longo, uma trilha, uma ladeira filha da mãe que você tenta subir mas se cansa, trajetos muito esburacados, lama, tudo isso nos incentiva a reconhecer e ultrapassar limites.

Os benefícios econômicos e ambientais

O primeiro é o custo da bicicleta. Uma montain-bike, de complexidade média, ideal para andar no dia a dia em vários tipos de terreno, sai por cerca de R$ 700,00. O custo de manutenção é bem baixo e a durabilidade alta, já que se costuma usar a bicicleta até destruí-la totalmente (nos usos mais comuns). Quem nunca viu bicicletas estarem inteiras e confortáveis com 15 a 20 anos de uso? Imagine se isso acontece com um carro. Se você esperar 15 anos para vender seu carro, provavelmente venderá por menos de 30% do seu preço de compra. Ah, não é preciso gastar dinheiro com combustível.

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Como a economia vem sempre junto ao meio ambiente, uma bicicleta consome muito menos recursos para ser construída. Não emite gás carbônico (vilão do aquecimento global) e é praticamente toda reciclável.

Achei interessante a iniciativa de uma empresa de Blumenal/SC que incentiva seus funcionários a irem de bicicleta para o trabalho. O dono da empresa é um entusiasta do ciclismo, mas isso não tira o mérito da maneira como lida com o transporte de seus funcionários:

Link Vimeo | Uma boa cultura para se espalhar

Vida de ciclista não é fácil…

Na selva de pedra, na selvageria que é o comportamento entre motoristas, em um país onde atropelamento de ciclistas e blocos de carnaval acontecem, andar de bicicleta é perigoso, sobretudo nas vias de tráfego intenso. Como a educação (em todos os seus sentidos) ainda não é prioridade, fica difícil de mudar hábitos, fazendo com que a realidade sobre o uso das bicicletas nas grandes cidades esteja bem distante dos dias atuais. Não são capacetes e luvas que vão proteger os ciclistas de acidentes graves.

A estrutura das cidades é pífia para os ciclistas, como já relataram aqui no PdH. Ciclovias são raras e, muitas vezes, quando existem não levam a lugar algum, como se elas precisassem existir apenas para suprir uma demanda de lazer para as pessoas. O vídeo acima, por exemplo mostra um ciclista andando em uma rodovia e sendo ameaçado pelos caminhões, que passam bem próximo. Alguém tem ideia do que um deslocamento de ar pode fazer com um ciclista numa situação dessas?

O Código de Trânsito Brasileiro protege os ciclistas ao definir que os veículos maiores devem zelar pelos veículos menores. Outra lei não cumprida. Já fui quase atropelado inúmeras vezes, com carros passando a menos de 20 centímetros de distância do guidão da minha bicicleta. Onde está o zelo?

Atropelamento de ciclistas é atentado à vida mas, no Brasil, é tratado com penas de cestas básicas e, quando muito, serviços comunitários. Há algum tempo, estava caminhando com meu pai e o vi sendo atropelado por um carro que estava com a velocidade um pouco acima do normal para aquela via. Ele voou alguns metros pra frente e rodopiou no ar. Felizmente não foi grave (mas houve alguns ossos quebrados e dias sem trabalhar), mas mostra que o carro é tão perigoso como uma arma de fogo.

Como acontece em outros países?

Não tenho conhecimento direto de outros países. Nunca saí do Brasil. Mas deixo um vídeo mostrando tráfego intenso na quarta maior cidade da Holanda.

Utopia? Talvez. Se ocorre isso lá, por que não lutar para ter algo melhor por aqui?

Link YouTube | Ciclistas e veículos de transporte em massa. Será que funciona?

O que podemos fazer?

Novamente nos sentimos de mãos atadas em um governo que não ouve os anseios da população, mas essa é a hora de aproveitarmos a oportunidade da sensibilização causada pelo atropelador de Porto Alegre e fazer valer nossa voz e atitude, por meio de protestos que têm ocorrido ao longo de todo o país. Vai ser efetivo? Não sei. Mas me parece ser a melhor opção para o momento.

Link YouTube | “Menos motor, mais amor”

Qual a experiência de vocês que moram fora do Brasil? E o que me contam os que moram em metrópoles brasileiras? E a galera de cidades menores?

Seguimos o papo nos comentários.

Danilo Scorzoni Ré

Engenheiro Florestal, amante da natureza e de ecoturismo. Apesar de ambientalista, não gosta de eco-chato e ainda acredita na capacidade do ser humano em promover um futuro melhor. É <a>@dscorzoni</a> no Twitter."