Imagine que vocês está ouvindo uma história. A história de uma mulher que você conheça. Ela descobriu o temido câncer de mama. No meio do furacão de emoções, ela contou para a família. O que você espera da família nessa história?

Tradicionalmente, esperamos que filhos, pais e companheiros ou companheiras deem apoio, suporte, palavras de conforto e de amor.

Photo by National Cancer Institute on Unsplash

No entanto, um dado que nos foi apresentado pela WeCancer nos dá uma grande tristeza:  após descobrirem um diagnóstico de câncer, durante o processo de tratamento, boa parte das mulheres que estavam em um relacionamento com homens enfrentam términos.

Ano passado, em programa sobre Outubro Rosa da rádio CBN, especialistas citam estimam que 70% das mulheres em tratamento passariam por situações de abandono. Outro dado, de pesquisa realizada em 2015 no Hospital de Câncer de Barretos (SP), mostrou que 40% das mulheres que faziam quimioterapia ou radioterapia relataram terem sido rejeitadas.

Como isso é possível?

Dados como estes chocam: porque? como? Como é possível deixar alguém amado no momento em que esta pessoa mais precisa de apoio?

Este abandono não é imediato, não é uma resposta ao resultado do diagnóstico. Nos casos em que isto acontece, tende a ser um processo em que, diante das dificuldades do tratamento, o homem escolhe o fim da relação.

A Universa mergulhou em histórias como esta mostrando como esta situação acontece no dia a dia. 

Maria Célia, por exemplo, contou que, após o diagnóstico se apegou na espiritualidade e isso virou um conflito com o marido. Durante os 8 meses de tratamento que ela ia semanalmente no hospital. A principio ele a acompanhou, mas demonstrava tamanha falta de disposição e má vontade que ele pediu para que ele não fosse. Pouco depois ele terminou o casamento de 18 anos.

Diversos relatos (tanto desta reportagem, quanto de outras mulheres que passaram por quimioterapia) demonstram: os homens são minorias como acompanhantes.  

Quando são eles que estão em tratamento para o câncer, é comum que mulheres os acompanhem (sejam esposas, mães, filhas, irmãs). Quando são mulheres que estão em tratamento, estas também acabam contando com outras mulheres como acompanhante e pessoas de suporte. 

Entendendo as transformações e fragilidades:

Enfrentar um câncer, e principalmente um câncer de mama, fragiliza em níveis muito profundos as mulheres. Existe o dano que o câncer causa ao corpo, às células e ao organismo. Existe o medo da morte. E somado a tudo isso, existem as reações secundárias que o corpo sofre e que doem nas mulheres em diferentes partes do corpo.

  • Na quimioterapia, o cabelo, símbolo de feminilidade, muitas vezes diretamente atrelado a imagem que a mulher te de si, tende a cair.
  • O tratamento, a fraqueza, falta de apetite e os efeitos colaterais mudam a rotina e a vida que aquela mulher estava acostumada a levar.
  • O turbilhão de preocupações e sentimentos refletem em abalos à saúde mental. 
  • Além disso, a cirurgia de mastectomia, a retirada da mama, pode gerar na mulher uma série de inseguranças e desconforto com a sua própria imagem.
  • Após o tratamento, algumas mulheres apresentam sintomas de menopausa (cerca de 40% segundo o Instituto Oncoguia) devido a diminuição da produção de estrógeno e progesterona. Inclusive, aquelas que estavam tomando hormônios (contraceptivos ou de reposição para a menopausa) tem de interromper.

A mulher em tratamento tem de lidar com muitos fatores de insegurança e fragilidade que atingem pontos chave da sua identidade e bem-estar. Soma-se a isso a insegurança de não conseguir voltar ao trabalho.

[Mônica Alcântara enfrentou o câncer de mama e dá força para muitas mulheres que estejam no processo destas mudanças]

No processo de todos estes desafios, toda a dinâmica da família vai mudar, claro. E é diante desta mudança que parte dos homens acabam rompendo o relacionamento.

Leia também  A maior paixão do mundo

A consequência disso, é que a mulher que já estava enfrentando dezenas de batalhas todos os dias, se vê ainda mais fragilizada, com mais inseguranças e mais batalhas emocionais e sociais a enfrentar.

Além disso, não podemos esquecer que a saúde mental é peça chave na resposta do sistema imunológico e que todo abalo emocional pode ter consequências diante do tratamento do câncer em si.

Qual deve ser o papel do homem?

Ainda no programa da CBN, a médica e integrante integrante da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia e da Sociedade Brasileira de Mastologia, Fernanda Torras, comenta qual pode e deve ser o papel do homem quando sua companheira tem de enfrentar um câncer de mama.

"O papel do homem deve ser o apoio psicológico.

Entende-se que o psicológico dele também vai estar abalado. Dificilmente a mãe vai sair fora da cena e deixar a família, mas às vezes eles [os homens] não conseguem se adaptar a isso.

Eles precisam de terapia também. Acontece que até reconhecer isso, a família já está destruída e a situação já está ruim. É isso que agente vê no dia a dia. "

Importante lembrar: Câncer de mama é totalmente curável! 

O câncer de mama e o câncer que mais acometes as mulheres no Brasil e no mundo. A cada 4 mulheres diagnosticadas com câncer, em 1 delas o tumor é nas mamas. São cerca de 60 mil casos por ano, só aqui no Brasil.

Apesar de, neste texto estarmos falando de um viés muito cruel e dolorido para as mulheres — o abandono durante momentos difíceis do tratamento — queremos lembrar que é uma doença curável. 95% dos casos apresentam recuperação total.

Photo by Angiola Harry on Unsplash

A mamografia e a prevenção é um fator de extrema importância para identificar um possível tumor ainda em fases iniciais e aumentar ainda mais as possibilidades de cura.

Inclusive, escrevemos este texto na intenção de conscientizar os homens sobre a importância de dar apoio, suporte emocional e tranquilidade para as pacientes que estão enfrentando os períodos mais difíceis da doenças.

Na próxima semana apresentaremos um material com informações e dicas práticas sobre os homens podem apoiar as mulheres a sua volta que estejam passando pelo tratamento.

Um exemplo diferente

César Filho tinha 22 anos quando viu sua mãe enfrentar um câncer e a história desta família nos mostra um bom exemplo de apoio familiar. 

"Toda família se envolveu muito. Meus avós, meus tios, minha irmã, meu pai, eu. Meu pai foi super importante para minha mãe.

A gente viveu uma vida de muita dificuldade, meu pai sempre trabalhou muito, sempre muito preocupado com as contas, e minha mãe dizia que nunca na vida dela ele tinha sido tão atencioso.

(…)Ela começou o tratamento no dia do meu aniversário. Ela sempre foi uma pessoa vaidosa e viu o cabelo caindo… eu não podia fazer nada."

Mesmo morando em outra cidade, César acompanhou as dificuldades que sua mãe, no interior de Minas Gerais, enfrentava para conseguir ter acesso ao tratamento e acompanhamento adequado.

Quando ela faleceu, o filho começou a trabalhar em um projeto de acolhimento a distância, tentando levar a mais pessoas que, assim  como a sua mãe precisam de apoio e suporte médico, mas estão longe do hospital de atendimento.

O projeto de César se tornou a WeCancer. Caso você seja, ou conheça alguém que esteja passando por um tratamento de câncer e precise de apoio a distância, a plataforma oferece apoio gratuito. 

Legenda

 

Redação PdH

Mantemos nosso radar ligado para trazer a você notícias, conversas e ponderações que valham o seu tempo. Para mergulhar na toca do coelho e conhecer a <a>visão editorial do PdH