Conforme já disse em outro texto aqui no PdH, o termo sustentabilidade tem um significado muito profundo quando pensamos no desenvolvimento da sociedade. Em meio a tantos usos equivocados, nunca é ruim reforçar: uma atividade só é sustentável se for socialmente justa, ambientalmente correta e economicamente viável.

À primeira vista é um conceito bem simples, mas só no olhar embaçado dos leigos. Vou dar apenas um exemplo sobre o “ambientalmente correto” que é mais próximo à minha área de atuação.

Sustentabilidade é utopia?

Vejamos o caso da exploração madeireira: você usa a madeira para muitas coisas, desde a construção civil, móveis, até o papel higiênico de todo dia. Como existe madeira prontamente disponível na natureza para extração e você deve imaginar: “Se eu cortar apenas uma árvore, não acredito que vou causar um impacto ambiental muito grande”.

Antes de falarmos da usina que será construída aí, foque em apenas uma árvore.

Eu paro nesse pensamento e analiso apenas dois pontos dos muitos que existem:

1. Não é só você que vai precisar de madeira, logo, muitas árvores terão de ser cortadas para suprir toda a demanda da população sobre esse recurso.

2. Mesmo que só se cortasse uma árvore, você poderia estar comprometendo toda uma leva de seres vivos que possuem estreitas ligações com essa árvore que você cortou, levando a perdas genéticas e de biodiversidade.

Continuando a linha de pensamento, constatamos então que não devemos extrair a madeira da natureza e sim plantar árvores para produzir essa madeira, assim como fazemos com os alimentos. Nessa fase vêm as plantações de eucalipto e de pinheiros, que servem para produzir grande parte da madeira que consumimos. Esse é um bom modelo de uma atividade produtiva sustentável, pois gera lucro para o investidor (ou dono da empresa que produz a madeira), gera empregos para as pessoas que trabalham nessas plantações e nos processos de transformação da madeira e protege o meio ambiente de maneira geral.

Porém, mesmo assim, esses três pilares da sustentabilidade ainda continuam ameaçados da mesma forma:

  • Se o preço da madeira despencar, o lucro não estará garantido.
  • Se a empresa não respeitar as leis de trabalho, a justiça social estará comprometida.
  • Se a empresa não cumprir as leis ambientais (e não fazer muito além do que elas pedem), o meio ambiente se desequilibrará. Vale lembrar que uma plantação homogênea, de apenas uma espécie de árvore, está longe de ser ambientalmente equilibrada.

Começamos a perceber que a sustentabilidade é um conceito complexo, quase utópico. Nos meus cinco anos de faculdade de Engenharia Florestal constatei que o desenvolvimento sustentável é um objetivo utópico que talvez nunca seja atingido, pois qualquer atividade do homem (e eu digo qualquer mesmo) causa um certo impacto negativo ao meio ambiente, escalas e magnitudes maiores ou menores.

Apesar da sustentabilidade ser um conceito moderno, os seus pilares estão sempre em constante conflito, uma vez que se pode aumentar o lucro em detrimento da justiça social e do meio ambiente equilibrado. Com isso em mente, veja só o que está acontecendo no IBAMA nesses últimos dias.

Belo Monte: um projeto vergonhoso

O IBAMA, órgão do governo federal responsável por emitir as licenças ambientais de empreendimentos que causam grandes impactos ambientais, está sofrendo pressões muito fortes por conta de empresas que se beneficiarão com os lucros da usina hidrelétrica de Belo Monte, a ser construída no rio Xingu, no Pará.

Protesto do Greenpeace no dia do leilão da usina: três toneladas de estrume para simbolizar o que será o belo monte…

É um problema um pouco antigo que causou a renúncia de Abelardo Bayma (agora ex-presidente do IBAMA), Roberto Messias (seu antecessor) e até a renúncia de Marina Silva ao cargo de Ministra do Meio Ambiente.

Não é por acaso que o IBAMA não está querendo emitir a licença ambiental para a instalação do complexo de hidrelétricas do Belo Monte. Para você ter uma idéia, o Instituto de Engenharia de São Paulo classifica o projeto de construção e operação da usina de Belo Monte como “vergonhoso”. Boa coisa não é.

Link YouTube | Entenda todo o drama nesse vídeo produzido pelo pessoal do Xingu Vivo para Sempre (parte 2 aqui)

Não há informações precisas:

  • o custo varia de R$ 7 bilhões a R$ 30 bilhões;
  • não se sabe exatamente quanto de energia a usina gerará nas épocas de cheias e secas do rio Xingu;
  • fala-se sobre uma escavação de um canal maior que o do Panamá nesta obra;
  • não se sabe quantas famílias indígenas da região terão de ser resgatadas e alocadas em outros locais (de 20 mil a 80 mil pessoas).

O IBAMA poderia emitir a licença para a instalação da usina mediante um conjunto de condicionantes, “tarefas” que os empreendedores terão de cumprir para assegurar um impacto ambiental e social mínimo às áreas de construção do projeto. No caso desta usina, das 63 condicionantes impostas pelo IBAMA, muitas não estão sendo cumpridas segundo o Ministério Público Federal (já são dez ações judiciais em torno do projeto).

Link YouTube | Reconstituição da construção da usina de Itaipu. Observe a complexidade do problema das perspectivas econômica, social e ambiental.

Caro leitor, eis um exemplo clássico de como essa história toda de sustentabilidade é tratada em nosso país, onde se vende a ideia de que as hidrelétricas são as mais novas maravilhas do mundo moderno quando se pensa em meio ambiente. Claro, a hidroeletricidade é uma forma de obtenção de energia limpa muito melhor às vilãs termoelétricas geradoras de toneladas de gás carbônico, mas também causam um impacto ambiental como qualquer outra atividade humana.

O aspecto central nessa história toda é como as pessoas tratam o meio ambiente como uma mera trilha ao lucro. Quando o meio ambiente representa uma ameaça ao lucro, ao invés de buscar alternativas “mais sustentáveis”, prefere-se ficar com o lucro e atropelar o meio ambiente. O mesmo se faz com o pilar social e a tendência de mecanização e robotização de processos, dispensando a contratação de pessoas para aumentar ainda mais o lucro.

Fábricas vazias e automatizadas: um desafio para a sustentabilidade.

A falta de vontade política por parte dos governantes também é outro aspecto absurdo. Segundo um estudo da Unicamp/WWF, o consumo atual de energia no país poderia ser reduzido à metade se fossem investidos recursos em conservação, eficiência enérgica, redução das perdas nas linhas de transmissão e reaproveitamento de antigas usinas geradoras, que estão desativadas, evitando essas novas obras de proporções estratosféricas que chamam a atenção das mídias e, consequentemente, atraem votos.

A nomeação do novo presidente do IBAMA, realizada pela presidente Dilma Rousseff, definirá os rumos dessa obra. Com a pressão que as empresas estão colocando em cima do IBAMA, não acho que coisa boa vai vir.

Petição para Dilma Rousseff

A Avaaz está com uma petição de emergência para que Dilma indique alguém que seja contra esses interesses econômicos que pressionam o IBAMA atualmente. Se você acha a causa importante e quiser participar, assine a petição.

Em defesa dessa sustentabilidade utópica, trago aqui o debate como um modo de fazermos nosso melhor para vivê-la, mesmo sabendo que talvez nunca cheguemos lá. Você também está fazendo sua parte ou já desanimou com todo o sistema?

Seguimos o papo nos comentários.

Danilo Scorzoni Ré

Engenheiro Florestal, amante da natureza e de ecoturismo. Apesar de ambientalista, não gosta de eco-chato e ainda acredita na capacidade do ser humano em promover um futuro melhor. É <a>@dscorzoni</a> no Twitter."

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