Custa dinheiro para ser um sem-teto na Suécia. Só por uma noite. O Hotel FAKTUM , localizado em Gotemburgo, não tem quartos, mas em vez disso, oferece a experiência “completa” de desabrigados.

Depois de fazer uma reserva on-line, o hotel vai levar você a um lugar pré-determinado onde os desabrigados de verdade passam as suas noites, “um dos 10 locais extraordinários eles escolhidos a dedo para seus convidados”.

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No site, fotografias belas dos lugares mais horríveis da Suécia, tudo para te dar a tranquilidade de viver, por um dia, como um sem-teto, mas completamente destituído do que é ser um desabrigado. Até “brincar” com um amigo é válido, podendo fazer a reserva como uma brincadeira e mandar pelo Facebook a “peça pregada”.

O que pouca gente entende é que a experiência do jornalismo gonzo não deve ser tratado como uma experiência rasa de tentar se colocar como uma persona no universo de outro. Uma jornalista cheia de vida e vontade pega a grana do jornal, aluga um barraco na favela pra viver a vida de uma favelada por duas semanas e depois contar essa história. Isso não é gonzo.

No máximo, ela conseguiu apenas olhar a situação de se morar em uma favela de dentro pra fora, e não de fora pra dentro. Mas isso, nem de longe, vai tornar o relato dela algo que podemos chamar de gonzo.

Hunter Thompson, após ser espancado pelos motoqueiros dos Hell’s Angels

Sem  precisar me aprofundar muito pra que a real intenção não escorregue fácil por entre os dedos, o que o Hunter Thompson fazia era se entregar numa imersão muito mais profunda e desapegada dos fatos. Ele realmente se tornava parte integrante do que ele queria contar. Quando ele escreveu o livro sobre os Hell’s Angels, ele não ficou de papinho ou observando a vida dos integrantes da gangue sobre rodas: ele realmente entrou na onda e, por um ano, se tornou um deles. Não era mais sobre explicar o que se passava naquele meio, mas fazer parte do meio para depois expurgar uma história.

Em 1965 Thompson conseguiu seu primeiro grande sucesso. Estava morando em São Francisco e conheceu membros da famosa gangue de motociclistas fora-da lei Hell’s Angels. O editor da publicação esquerdista The Nation pediu a Thompson para fazer uma matéria sobre o fenômeno das gangues de motociclistas, e o resultado foi o livro Hell´s Angels – Medo e Delírio Sobre Duas Rodas (Conrad Editora, 2004), lançado em 1966. Thompson havia passado um ano convivendo com membros dos Hell’s Angels e o resultado foi um retrato completo, sociológico, antropológico, psicológico e político do fenômeno das gangues de motociclistas, seus problemas com a polícia, seu envolvimento com a contracultura da época e seu tratamento na grande mídia americana. O livro é considerado um clássico do New Journalism.
Wikipédia

Link YouTube | Hunter Thompson defende seu livro, em um programa de televisão, com a presença de um dos integrantes dos Hell’s Angels

E disso tudo, vamos para a vida e experiência humana, porque o foco não é o jornalismo.

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Tentamos compreender várias nuances da condição humana. Vida fácil, vida sofrida, como é se portar numa guerra, pegar a onda mais violenta do mundo. Queremos sair, por alguns instantes, da mundanice que é a nossa rotina – seja ela qual for – para entender outros lados do mundo, para compreender a dor e a delícia de outras pessoas. Estamos sempre querendo saber “como será que é comer tantas minas como o Gene Simmons comeu” ou “cara, deve ser muito triste ser um mendigo, viver na rua”.

Esses anseios todos viram, nas mãos dos mais espertinhos, produtos fresquinhos. Eu mesmo já apontei algumas dessas tentativas de tentar compreender o outro lado, seja como um imigrante mexicano ilegal ou um aventureiro australiano.

Mas, como bem mostrado nesses dois exemplos, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa completamente diferente.

No segundo caso, a imersão foi completa. Estamos falando de um cara preparado, treinado e que, de feto, adentrou no mundo da aventura. Não se trata de alguém querendo entender o que é participar de uma aventura: estamos falando de um aventureiro.

Já no primeiro, podemos ver a mesma sensação de ir ao zoológico. Não há interação com o mundo animal, mas uma resvalada – um atrito – na vontade de conhecer o selvagem.

Pode parecer uma conclusão besta, mas não basta estar. É preciso ser.

Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados