As primeiras semanas, os primeiros meses após o nascimento de uma criança, trazem uma rotina específica de atenções e cuidados que transformam a vida de todos à volta, claro, especialmente a das mães e dos pais.

Foto por Simon Berger, em Unsplash.
AUTOR DA FOTO / Agência nome / ano

Os desafios de tornar-se pai e mãe são grandes e a privação de sono pode deixar o processo tremendamente exaustivo. Ansiedade, angústia, extrema alegria, sentimentos ambivalentes, muita felicidade e muita tristeza, tudo isso se intercala. É um período importante de adaptação e tentar manter uma qualidade de sono é primordial.

“A experiência com a primeira filha foi mais complicada. A gente ficava mais irritado um com o outro e precisou de um esforço ativo para perceber que o estresse vinha do cansaço gritando. Ficamos atentos, um com o outro, para pedir arrego e dormir. A dinâmica que adotamos foi dividir os horários de sono. Ela dormia de dia e eu de noite.” – conta nosso pai parceiro Rodrigo Cambiaghi.

O sono de mães e pais depende em grande medida do sono dos bebes. Consequentemente, de aprendizados dos pais, uma rede de apoio, acertar uma boa rotina, e, claro, muito carinho com os recém-chegados, os bebês.

Eu conversei com a doula e educadora Mari Muradas sobre o assunto, sobre como acontece o período de privação de sono e como melhorar essa dinâmica para pais e mães. Mari alerta que sobre a importância de não romantizar essa exaustão que a privação de sono causa, mas de fazer esforços para “encontrar caminhos e alternativas para que esse sono aconteça, mesmo picado, mas com qualidade”.

Cuidar do sono e do cansaço pede atenção para as relações de gêneros entre casais heterossexuais. De acordo com a pesquisa Desafios da parentalidade e o bem-estar integral dos brasileirinhos, as mulheres utilizam muito mais do seu tempo em tarefas domésticas: 18.5 horas, contra 10.3 horas que os homens destinam às mesmas tarefas domésticas.

A Mari comenta que a quantidade de cortisol na puérpera é semelhante à de um soldado numa trincheira de guerra.

“A mulher fica num estado de alerta muito maior. Qualquer ruído, barulho ou respiração do bebê desperta a mulher. E isso vira um desafio muito grande para os homens, porque acaba que eles têm uma dificuldade maior para despertar”.

Então, de saída, eu pergunto:

Como os homens podem ajudar mais?       

“Eles podem, ficar mais ativos nesse processo inicial estudando e lendo [sobre puerpério e cuidado], conversando com outros homens sobre isso, não achar que mulheres ficam “fora da casinha” por algum motivo que não seja o puerpério. Estar informado e trocar com outros pares sobre essas experiências é muito enriquecedor e pode auxiliar muito para que esses homens se sintam mais seguros para agirem mais ativos na tarefa de paternar”.

Tomar as rédeas das tarefas domésticas

Todas tarefas da casa deveriam estar a cargo de outras pessoas, seja ela o pai, o parceiro, a parceira ou rede de apoio. É muito importante que esse planejamento aconteça porque, além de todos os cuidados que um bebê já exige, principalmente madrugada adentro, ter ainda que cuidar dos afazeres domésticos é uma sobrecarga mental e física para a mulher.

Os pais podem ser ativos e evitar que as mães queiram “tentar dar conta” de muitas demandas simultâneas. Pais, cuidem da casa, procurem blindar a mãe de processos que podem ser tratados por outros, para que essa fase seja atravessada com mais qualidade.

Além da participação paterna, é preciso encontrar formas que esse cansaço não vire tão generalizado assim entre o casal. Nesse ponto entra a rede de apoio: se organizar com a família extensa e amigos, pedir ajuda, combinar turnos, de maneira que ninguém fique à beira de um burnout.

Conselho 1: A importância da rede de apoio

Foto por Juan Jose Porta, no Unsplash

A pesquisa The Parenting Index, feita em 16 países e que mediu o índice de parentalidade, mostra que os brasileiros se sentem um tanto desamparados quando falamos em ambiente de apoio. Podemos ver nesse dado uma lacuna ou oportunidade “para os pais participarem em atividades sociais e estabelecerem ligações por meio de atividades e grupos, participando em sociedade e sentindo-se conectados”.

A Mari Muradas levanta um cartão vermelho essencial:

“a rede de apoio é muito importante, mas é necessário que a gente se dê contorno. Colocar esse limite, muitas vezes, vai depender do papel do parceiro, porque a mulher está numa sobrecarga emocional intensa. Então, não adianta alguém vir como rede de apoio e ficar o tempo inteiro criticando as escolhas dessa família, duvidando da capacidade de vocês, de parentar.”

Na prática isso funciona?

Cambiaghi contou como ele a companheira organizaram essa rede em suas vida:

“Minha sogra vem para cá três dias na semana, cozinha, cuida do mais novo, faz feira, dá banho. Minha mãe mora mais longe, mas ela vem todo final de semana e fica com as crianças pra gente poder respirar. Com os pais e as mães da escola a gente tem uma rede de apoio para, quando precisar, a gente deixa ou recebe o filho do outro, organizamos passeios com as crianças ou um encontro na praça pras crianças brincarem e os adultos baterem papo.”

 Ele deixa um outro conselho:

Conselho 2: A cama compartilhada e o quarto separado:

“Eu e minha companheira, desde a nossa primeira filha, tínhamos noção de que haveria privação de sono e fizemos a cama compartilhada, onde basicamente o bebê e os pais dormem na mesma cama. Isso facilitou demais a dinâmica, pois ninguém precisa se levantar de madrugada para acolher o bebê.”

Rodrigo recomenda que essa estratégia seja associada com o quarto separado, assim, os pais revezam: um dorme com a criança para acolher assim que necessário e o outro pode ter horas de sono mais silenciosas em outro ambiente.

“Não faz sentido os dois terem que acordar quando o bebê acorda. Esse quarto extra serve não só para dormir melhor de noite, como para descansar durante o dia com total privacidade e manter a qualidade de vida. “Ah mas e a vida íntima do casal?”. Não há vida íntima quando os dois estão exaustos e dormindo mal.”

Conselho 3: aproximando os laços para enfrentar desafios que se somam níveis.

Não queremos trazer teorias descoladas da vida real que não funcionam no meio do turbilhão da vida. Ouvimos a história do Marcelo Zig, responsável pela página @afrodeficiente, que nos contou sobre os desafios de se tornar pai e calibrar o cansaço em meio ao tratamento decorrente do seu acidente.

“Me acidentei em janeiro de 1995 e meu filho nasceu em julho de 1996. Eu estava tão envolvido na questão de deixar de ter a deficiência, de atender esse clamor da sociedade e um desejo meu também, foi muito difícil. Eu não saberia nem dizer se meu sono foi abalado só pelas questões advindas da recém paternidade ou pelo processo de tratamento, de terapia relacionada a recuperação de movimentos, de sensibilidade e equilíbrio emocional e psicológico. Provavelmente foi tudo junto, um grande caldeirão difícil de administrar. Já no caso do meu filho (que teve um filho recentemente), eu vejo tudo isso por outro viés. Em referência a ser um homem negro assumindo a sua paternidade. Ele tem uma paternidade infinitamente mais presente que a minha, mas eu vejo que é, ainda, um grande pesar para ele a privação de sono que vem dessas questões todas acumuladas.”

O conselho que ele deixa é estreitar o laço de parceria entre os pais, contando também com a rede de apoio externa.

Leia também  Quando mudamos o orgulho por nossas cidades

Conselho 4: Não criar expectativas irreais

Esse é mais um conselho da Mari Murada. Ela recomenda saber sobre o sono, ler sobre sono e desenvolvimento do cérebro do bebê, para que não achemos que um bebê de dias vai dormir longos períodos. É importante não criar essa expectativa.

“Pode até ser que durma, mas que na maioria, eles vão dormir picadinho, e entender porque a amamentação é mais intensa na madrugada, e tentar fazer com que as demandas casa, do dia a dia, fiquem a cabo de alguém, para que pessoa possa também descansar enquanto o bebê descansa. Isso não é possível pra todo mundo, então como a gente pode se organizar para facilitar a vida, pra que esse cansaço não se torne tão generalizado?”.

 Conselho 5: Dar colo, ser o adulto apaziguador

Photo by Zach Vessels on Unsplash

“Manter a tranquilidade, ver qual que é seu lugar de presença, real e ativa, durante esse processo de ajustar o sono, tanto da parceira quanto do bebê”, conta Mari.

Dividir as tarefas também é algo muito importante dessa parte do planejamento. Ela diz que os bebês precisam de colo, calor, batimento cardíaco por perto, e que entender que esse ambiente não vai ser só nutrido pela mãe. É necessário o homem se ver também como o adulto apaziguador, que está disponível para cuidar do bebê, de suas necessidades.

“É muito raro um bebê pequenininho, recém-nascido, aceitar outras superfícies que não o colo, e tá tudo bem. A gente criar uma estrutura para que ele possa ser ofertado em outras superfícies, seja um carrinho, um berço, uma cama. Mas é importante reconhecermos que eles realmente desejam mais o colo”.

Aqui vale pensar em utilizar os carregadores, como o carregador ergonômico, ou um sling, para que seja possível dar colo enquanto realizamos alguma outra tarefa. O pai e músico Marcelo Correa conta como esse processo contribuiu, na prática, pro seu crescimento como pai.

“Foi uma grande transformação pessoal ter que me colocar neste lugar de cuidado com a minha família no nível mais difícil possível. De certa forma, também me tornei mais compreensivo e amoroso com todos.”

Conselho 6: Criar um ambiente que estimule rotina e sono

Foto por Wesley Mc Lachlan no Unsplash

Mari reitera a importância do estudo para que os pais saibam cultivar esse ambiente de calma com mais espaço para descanso.

“Ler bastante e entender como replicar o ambiente uterino, ruído branco, embalar o bebê num charutinho, a importância da higiene do sono, manter os estímulos baixos, entender que um bebê, nessa fase, todo estímulo sentido por ele é trezentas vezes mais intenso que para nós”.

Com o cair da tarde, momento que, segundo a Mari, os bebês enxergam essa oportunidade de choro como liberação de tensão, é interessante baixar os estímulos, como manter as luzes baixas, óleo essencial, banhos mornos de balde ou no colo, no chuveiro. Todas essas, tarefas que um pai pode fazer.

“No primeiro despertar da manhã, era importante para mim que meu parceiro tirasse o bebê de perto, colocasse ele no sling e fosse dar uma caminhada, por uma hora, uma hora e meia, entre um mamar e outro, e era naquele momento que eu conseguia ter um sono profundo”.

Ela também diz que, principalmente, é importante que os pais tentem entender que vai passar, que o bebê não está agindo como punição com a privação de sono. A privação de sono pode ser melhorada com uma série de ações, organizações e planejamento.

Vai passar. E, mais do que isso, dá pra passar de modo com que todos os envolvidos tenham qualidade de vida e de sono. Com calma, uma pequena ajuda dos amigos e muito carinho com o ou os bebês novos moradores da casa.

Conselho 7: Não existe fórmula mágica

Nenhum macete funciona para todos. Marcelo Correa deixa um último conselho lembrando que não tem fórmula mágica:

“Cada bebê e sua família são diferentes. Mas acredito que investir no apego e em uma rotina (sem tanta rigidez). Em outras palavras, precisamos fornecer ao bebê um ambiente seguro, com muito carinho, apego e conforto (sem tanto barulho, sem tanta tela, sem cheiros muito fortes). Pensando que, quanto mais o bebê se sentir acolhido, melhor será o seu sono e, consequentemente, o dos pais.”

Mecenas: Nestlé por crianças mais saudáveis

O Programa Nestlé por Crianças Mais Saudáveis é uma iniciativa global da Nestlé, que assumiu o compromisso de ajudar 50 milhões de crianças a serem mais saudáveis até 2030 no mundo todo. Desde 1999 foram beneficiadas mais de 3 milhões de crianças no Brasil.

Com o lema “muda que elas mudam”, a partir de uma plataforma de conteúdo, o programa estimula famílias a adotarem hábitos mais saudáveis e ainda promove um prêmio nacional que ajuda a transformar a realidade de 10 escolas públicas por ano com reformas e mentorias pedagógicas.

Conheça mais no site do programa.

Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados