Alguns meses atrás, fui comprar colchão. A negociação estava bem difícil, não ia nem pra frente, nem pra trás. Eu estava prestes a sair da loja. A vendedora, pra tentar me segurar mais um pouco, perguntou:

 

– Com o que você trabalha?
– Eu vendo mídia.
– E como é vender mídia?
– Nunca se vende a preço de tabela. Você dá 20% de desconto logo de cara. Se ele pede mais desconto, você tenta bonificar com outro produto, ao invés de comer da sua margem. O comprador diz que seu concorrente tem com um preço melhor, você explica seus diferenciais. Ele chora, você dá mais um descontinho e por aí vai.

Ela riu:

 

– Tipo vender colchão?
– Tipo vender colchão. Agora arranca esse travesseiro que você está me dando de brinde e melhora esse preço aí, vai.

A vendedora chamou o gerente, ele liberou um desconto maior, passei no caixa, paguei e em 7 dias o colchão novo estava entregue.

Eu fui pra casa feliz da vida.

* * *

Negociar é como fazer magia. Basta dizer uma sequência correta de palavras, no momento certo pra conseguir mudar uma situação.

 

Roudini
Imagine como seria Houdini negociando um colchão novo pra casa dele?

Esse post é um compilado de conversas que tive com alguns dos melhores vendedores e negociadores que conheço. Tentei separar por tópicos as idéias que cada um lançou.

Um agradecimento especial aos colaboradores: Eduardo Amuri, Rafael Vivolo, Guga Mafra e Felipe Ramos.

 

O jogo de posições, por Eduardo Amuri (Diretor Financeiro e de Operações do PapodeHomem)

Por aqui, o que mais funciona é ter clareza que negociações (e as relações, em geral) são totalmente dependentes de um jogo de posições. Temos, claro, características peculiares, técnicas, mas muito do nosso comportamento surge da base através da qual estamos operando. Se estou oprimido, se estou confortável, se estou me sentindo lesado, se desejo obsessivamente o objeto em questão, se estou num dia ruim, se estou bem vestido ou se estou com dor de dente. Tudo isso, em diferentes proporções, influencia em como a dinâmica vai funcionar.

Tendo isso claro, torna-se óbvio que determinadas atitudes podem bagunçar o jogo, possivelmente tornando-o mais favorável. Num caso de vendedor-comprador, é muito comum que o vendedor dite a frequência do papo. Ele está dentro da loja o dia inteiro, sabe onde estão as coisas, o quanto pode conceder de desconto. É o dominante.É com essa postura que a abordagem vai acontecer.

Muitas vezes um toque fora do protocolo – um aperto de mão calmo e seguro, por exemplo – quebra o ritmo, coloca o comprador em outra posição. É como se ele gritasse algo como “eu estou confortável por aqui, eu estou definindo o tom da conversa, é o meu dinheiro que vai pagar a sua comissão, eu tenho outras opções de loja para visitar”.

É possível utilizar o mesmo princípio pensando em um negociação mais aberta, sem compra e venda. Por exemplo, João, Rafael e Julio, conversando a respeito da obra de John Newman, tentando chegar a um consenso sobre determinado ponto:

João: Acho melhor fazermos dessa forma. Ficou bem de acordo com o que o John Newman falou no principal livro dele. Chegou a ler?

João assume a ponta, com base no conhecimento adquirido em um livro do John Newman.

Julio: Faz sentido.

Julio se junta ao provável time vencedor. Rafael permanece quieto e, após uns segundos de silêncio, solta:

Rafael: Não sei se vocês viram, mas o próprio John Newman soltou um artigo ano passado, refutando todo o raciocínio que ele descreveu nesse livro que você citou. Ano que vem ele deve lançar o próximo livro, descrevendo tudo com mais detalhes. É por isso que eu acho melhor fazermos desse outro jeito aqui.

Paft. Rafael assume a ponta, mostrando mais conhecimento sobre o tema proposto.

O quanto cada um conhece sobre o que está sendo discutido também ajuda a determinar quem conduz a conversa. Em meio a rotinas caóticas e acordos fechados às pressas, a maneira como medimos esse conhecimento torna-se cada vez mais superficial.

Muitas vezes um comentário certeiro basta para remontar o jogo inteiro.

 

Faça a lição de casa, estude pra prova e escute, por Rafael Vivolo (Sócio Diretor do Idea Fixa)

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Por mais óbvio que possa parecer, 3 coisas que eu nunca esqueço de fazer numa negociação:

 

1. Quem é a pessoa? Nome completo, cargo, amigos em comum, onde já trabalhou, o que gosta de fazer etc. Uma olhada de 2 minutos no Facebook+Linkedin ajudam a saber que tom você pode usar e como abrir a conversa, adotar um estilo mais informal ou algo 100% profissional. Mostrar que vocês têm pessoas em comum e/ou interesses pode dar uma quebrada no gelo e deixar a conversa mais leve.

2. O que eu quero desta negociação e até onde posso chegar? Tenha um alvo ideal, o que você quer daquele papo/reunião e até onde você pode abrir mão. Durante uma negociação as coisas podem se tornar imprevisíveis e o emocional pode falar mais alto que o racional, por isso ter claro seus limites é essencial. 

3. Ouça muito e fale pouco, principalmente no começo. Quanto mais ele falar, mais  você vai ter subsídios pra direcionar a negociação. Assim como no poker, não mostre todas as cartas logo no começo e saiba a hora de manter sua posição ou flexibilzar.

Além disso, é muito fácil uma das partes se irritar quando a outra se mostra inflexível e a negociação virar uma disputa de egos.

Lembre-se, vocês não são adversários, seja flexível dentro dos seus limites e evite um tom agressivo, a não ser que você realmente não queira continuar a negociar.

Nota do autor: Um excelente aprofundamento sobre esse tópico é esse artigo do PdH sobre Comunicação Não-Violenta.

Leia também  Como agir ao ser chamado de machista, racista, homofóbico – um guia para nós todos

 

Saiba seus limites, por Guga Mafra (FTPI Digital)

Quando eu estava entrando no mercado de trabalho, ouvi muitos conselhos do tipo: “tudo que perguntarem, fala que você sabe fazer. Depois você dá um jeito”. Eu acho isso péssimo. Adoro dizer o que eu não sou, o que eu não consigo, o que eu não faço. Deixa bem claro para o meu interlocutor os meus limites e mostra que eu estou sendo sério, transparente e objetivo.

A gente vive num mundo repleto de bullshit. O mercado publicitário é cheio de gente capaz de encantar cliente, ficar amigão, parecer especialista, mas incapaz de entregar qualquer coisa. E isso acaba afetando todo mundo, porque por mais que você não seja um desses bullshitters, todo mundo já abre a conversa com um pé atrás com você.

 

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Menos pose, mais honestidade

 

Ao fazer concessões, procure sempre antes negociar algo em troca, por Rodrigo Cambiaghi (eu mesmo)

Não vejo problema em fazer concessões, só não gosto de fazer isso sem negociar algo em troca. Se o cliente batalha para conseguir algum benefício, você envolve muito mais ele no processo todo e é mais provável que ele feche com você.

Algumas saídas prontas que eu tenho na manga que podem ajudar:

1. Dar desconto se ele comprar mais. Ex: “Se você comprar outra calça jeans, eu consigo dar 20% de desconto no pacote todo.”

2. Dar desconto se ele melhorar o prazo e/ou a forma de pagamento. Ex: “Consigo 10% de desconto, à vista em dinheiro.”

3. Prometo desconto na próxima. Ex: “Para essa compra não consigo, mas fechando esse projeto, no próximo, dou 10%. Fica aqui registrado no email, ou pode me procurar direto”.

4. Dar desconto em outro produto: Ex: “Nas camisetas dessa coleção eu não consigo, mas nas daquela, posso dar 10%.”

Essas mesmas dicas, valem quando você for o comprador, pedindo desconto. É muito comum encontrar vendedores inexperientes, nesse caso, você precisa apontar pra eles as saídas para ele conseguir o desconto.

 

Felipe Ramos (Diretor comercial do PapodeHomem)

Para mim, a negociação começa no entendimento das necessidades reais do comprador e se estende até a discussão de quanto cobrar por isso. É um processo longo e delicado.

É muito comum aparecerem compradores que não sabem exatamente o que precisam.

Quem está vendendo algo, precisa, obrigatoriamente, ter sensibilidade para entender o que o comprador precisa. Sendo que muitas vezes, vendemos algo para pessoas que nem sabem porque estão comprando. A Apple sempre foi, particularmente muito boa nisso. Ela se consagrou por vender produtos que as pessoas nem sabiam que queriam ter. Ela não criou uma necessidade, mas sim, um objeto de desejo.

Trazendo para a minha vida comercial, há alguns macetes que uso durante o processo de negociação com clientes. Aqui vão duas dicas:

1. Antes de enviar uma proposta com o valor pedido pelo cliente, entenda o que ele realmente precisa e, a partir disso, monte o seu escopo de proposta. Se o escopo aumentar e o preço, consequentemente, aumentar, você terá como justificar que o valor é maior do que o imaginado anteriormente porque o cliente não sabia exatamente o que queria.

2. Sempre entenda o verdadeiro limite de orçamento que o cliente tem. Quando um cliente abre uma negociação dizendo que tem 30 mil reais para gastar, você não deve tomar este valor como um axioma. Conteste. Busque entender qual a flexibilidade que ele tem neste orçamento. Será que ele não conseguiria aumentar para 33 ou 36 mil reais? Essa simples questão pode fazer com que seu faturamento aumente, 10-20% no próximo mês. 

* * *

Alguns disseram que eu venci a negociação com a vendedora de colchões, já que consegui fazê-la  me conceder um desconto maior do que ela normalmente me daria.

Mas olhando da perspectiva da vendedora, ela conseguiu reverter uma negociação que estava quase perdida, numa venda. Mesmo que ao custo da sua própria comissão.

O mais importante numa boa negociação é que ambas partes sintam que estão fazendo um excelente negócio.

Nesse caso, fiquei bem feliz e senti que os dois ganharam.

 

Mecenas: Confraria Malbec

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Malbec está compilando o Guia por Homens marcantes, criado pela Equipe Malbec em parceria com o PapodeHomem e o site Moda para Homens.

Para ver mais conversas como esta, dicas e perfis de homens marcantes, acesse o site da Confraria Malbec.

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Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.