Ele não tem um cajado, não se veste com roupas diferentes, não professa uma religião, não luta por alguma minoria específica, paga suas contas, como você e eu, fala uma língua que simboliza o que há de melhor e pior do capitalismo e, ainda assim, é um dos maiores pacifistas da atualidade.
O caminho que ele escolheu foi o de ser um mediador de conflitos, negociar entre duas partes oponentes em direção de uma síntese que não mutile nenhuma delas.
William Ury nasceu em 1943 em Chicago, mas foi criado na California. Desde pequeno estudou em escolas que aglomeravam alunos de várias partes do mundo. De alguma maneira, em meio a isso, ele compreendeu a diversidade de culturas existentes. Também conviveu com o fantasma da Guerra Fria rondando seus pensamentos e isso o guiou a estudar na Universidade de Yale para entender melhor a antropologia e a natureza da guerra.
Estudou sociedades tribais com os Semai na Malásia, os bosquímanos na África do Sul e os guerreiros da Nova Guiné e descobriu que a guerra, assim como a capacidade de cooperação, faz parte da natureza humana. Depois, fez PhD em Harvard onde criou e se tornou diretor do Global Negotiation Project. Há 35 anos vem se dedicando a mediar conflitos na África do Sul, na Venezuela, na Colômbia e as Farcs, Chechênia e a ex-Iugoslávia. Tudo isso enquanto nutre seu casamento com uma brasileira e exerce seu papel de pai de três filhos.
Apesar de ter escrito dezenas de livros com títulos que fariam torcer o nariz de quem tem aversão à autoajuda barata, por exemplo, “Como chegar ao sim” e “O poder do não positivo“, conseguiu transmitir sua mensagem em uma linguagem fácil, acessível e aplicável em contextos pessoais, organizacionais e políticos.
Seu método de mediação de conflitos, desenvolvido em Harvard, se tornou um modelo mundial na área de negociação. Com o ex-presidente Jimmy Carter, Ury também fundou a International Negotiation Network, uma ONG com a finalidade de diluir as guerras civis pelo mundo. Por conta dessa influência, vem percorrendo vários países do mundo para ministrar suas palestras, ao mesmo tempo que é chamado para dialogar com autoridades e empresas.
Cito aqui alguns dos casos mais famosos mediados por ele.
Pão de açúcar versus Carrefour
Quatro dias. Esse foi o tempo que William Ury demorou para resolver um impasse entre Abílio Diniz e Jean Charles Naouri que se arrastava por dois anos e muito dinheiro gasto com advogados e outros negociadores.
Ao cumprimentar Naouri, o barão David de Rothschild, Ury foi perguntado pelo motivo de sua vinda e respondeu: “porque a vida é muito curta” e que, baseado na ideia de liberdade e dignidade, poderiam chegar em um bom termo sobre a saída de Abílio do comando do Pão de Açúcar.
O conflito terminou com a assinatura de um termo contendo 7 itens e todos alegres pelo fim de uma guerra que estava causando desgastes profissionais e familiares para todos os lados.
Ury afirmou em entrevista à Isto É:
“Uma das minhas principais funções era ajudar as pessoas a se manterem calmas e focadas no resultado. Em uma negociação, o paradoxo é que, se você quer ir rápido, é preciso fazer devagar. Como um amigo cirurgião gosta de dizer quando comanda cirurgias: ‘Devagar, estamos em uma emergência.'”
Hugo Chavez versus oposição
Na década de 90, foi chamado pelo ex-presidente americano Jimmy Carter para mediar um conflito na Venezuela, pois havia um receio na comunidade internacional de uma guerra entre Chavez e a oposição.
Link Youtube | Pode dar o play aos 23:40 min
Ury fez três tentativas de falar com Hugo, na terceira a reunião foi marcada para as 21:00 hrs. Depois de aguardar por 3 horas, imaginou que conversaria a sós com o presidente venezuelano, mas precisou falar na frente de todo o gabinete à meia-noite.
Ao ser questionado como as coisas estavam indo, Ury disse que tinha conversando com alguns ministros dele e líderes da oposição e que parecia haver algum progresso. Nesse momento, Hugo fica a face a face com William, apenas alguns dedos de distância, e começa a gritar sobre a inocência dessa visão e de como estava enganado. Isso durou cerca de quarenta e cinco minutos.
Nesse momento, Ury se lembrou de uma técnica que um amigo ensinara, beliscar a palma da mão quando estivesse em um momento de grande tensão.
Ponderou que não seria prudente argumentar naquelas condições e só ouviu pacientemente. Ao final, Chavez relaxou os ombros, diminuiu o tom de voz e disse: “Então Ury, o que devo fazer?”.
Agora não era a hora de argumentar racionalmente. Ury notou que o país inteiro estava cansado daquele conflito e que no Natal passado quase não houve celebração. Então, sugeriu que houvesse uma trégua para o Natal. Hugo gostou da ideia e foi amistoso, convidando Ury para passar o natal com ele.
Naquele momento, William entendeu o poder profundo de não reagir.
Oriente Médio: palestinos e israelenses
O trabalho atual de William Ury se concentra em criar um espaço de diálogo entre israelenses e palestinos.
Em 2006, criou o Caminho de Abraão, uma peregrinação que atravessa diversos países em conflito e já foi feita por 4 mil turistas com o desejo de conhecer as terras que abrigam o cristianismo, o judaísmo e o islamismo.
Segundo Ury, esse seria um ponto comum entre esses dois povos, capaz de unir interesses e chegar a um caminho de concordância, sem guerra.
Hoje, a iniciativa conta com a participação de marchas pelo mundo inteiro e conta com o apoio financeiro de fundações e empresários, religiosos e estudiosos, inclusive do Brasil.
Assista ao vídeo no TED:
Para Ury existe uma chance de paz entre israelenses e palestinos. E, mesmo para quem já conseguiu chegar em bons resultados em conflitos de grande porte, esse é um dos maiores desafios.
A presença de William Ury impressiona, seus olhos parecem transmitir uma candura rara nos dias de hoje. Sua habilidade de comunicação e de desatar nós é algo no que poderíamos nos inspirar. Afinal, se ele pode dissolver grandes conflitos usando de paciência e ouvindo atentamente, por que não poderíamos tentar com nossos pequenos desentendimentos diários?
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.