“A vitamina D, o suplemento da luz do sol, tem um dinheiro sombrio por trás”, dizia a matéria de Liz Szabo publicada mês passado no The New York Times. A repórter mostra como a popularização do “sunshine supplement” está relacionada a pesquisas financiadas pela indústria farmacêutica, nas quais se destaca um endocrinologista estadunidense chamado Michael Holick. O médico afirma haver uma pandemia (uma epidemia de proporções internacionais) de deficiência de vitamina D que afeta a saúde das pessoas de diversas formas, motivo pelo qual elas deveriam dosar essa substância no sangue e fazer uso de suplementos quando seu nível estivesse “insuficiente”.

Mas quanto é insuficiente? Apesar de uma revisão da National Academy of Medicine indicar que 20 ng/mL de vitamina D dão conta das necessidades de pelo menos 97,5% dos estadunidenses, os trabalhos do Dr. Holick influenciaram a Sociedade de Endocrinologia do país e outras associações médicas pelo mundo (inclusive a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) a afirmar que o nível mínimo de vitamina D deveria ser de 30 ng/mL, valor adotado por muitos laboratórios.

Esse movimento fez com que as vendas desse suplemento nos Estados Unidos aumentassem nove vezes em dez anos, alcançando 936 milhões de dólares em 2017. No mesmo país, em 2016, os médicos pediram mais de 10 milhões de dosagens de vitamina D aos pacientes do Medicare (um seguro de saúde público dos EUA), ao custo de US$ 365 milhões. Em 2015, a Excellus BlueCross BlueShield, o maior plano de saúde sem fins lucrativos dos EUA, gastou US$ 33 milhões em 641 mil dosagens de vitamina D. As posições do Dr. Holick e da Sociedade de Endocrinologia não influenciaram apenas médicos e profissionais de saúde: a importância da vitamina D e de sua dosagem e suplementação foi ressaltada por celebridades como a atriz Gwyneth Paltrow e a apresentadora Oprah Winfrey.

Entretanto, essas recomendações ficam sob suspeita ao saber que o Dr. Holick recebeu centenas de milhares de dólares para pesquisa, consultoria e palestras por parte de fabricantes de suplementos, tratamentos para osteoporose e hormônios; fabricantes de testes diagnósticos; e até de uma grande empresa de bronzeamento artificial.

Os vidrinhos brancos ou âmbar são oferecidos aos montes em balcões de farmácia, às vezes em promoções de “leve 3, pague 2”.

Mas quem precisa mesmo dosar sua vitamina D ou tomar um suplemento?

Um pouco de bioquímica

Micronutrientes são substâncias que, mesmo em pequeníssimas quantidades (da ordem das miligramas e microgramas), são essenciais para funções específicas do organismo. Vitamina D é o nome de um grupo de micronutrientes responsáveis pela manutenção dos níveis necessários de cálcio, magnésio e fósforo no corpo humano, principalmente por regular a absorção desses minerais no intestino. Ela também age no sistema imunológico e participa da proliferação e diferenciação das células do organismo.

Temos três fontes de vitamina D: nossa pele, alimentos e suplementos. Na pele, um derivado do colesterol chamado 7-dehidrocolesterol é transformado em pró-vitamina D3 pela ação dos raios ultravioleta tipo B (raios UVB). Esse precursor sofre outra reação que o transforma em vitamina D3, que segue por uma cadeia de transformações químicas que envolvem o fígado e os rins. O fígado produz a 25-hidróxi-vitamina D ou calcifediol, que é a substância que medimos no sangue para “dosar a vitamina D”.

A exposição dos membros e do rosto à luz solar por 15 a 20 minutos, pelo menos três vezes por semana, evitando o período entre 10h e 14h, é suficiente para a produção de vitamina D3 em pessoas de pele clara. Pessoas de pele mais escura ou vivendo em áreas de luz solar mais fraca precisam de uma maior exposição.

A segunda forma é por meio da ingestão de alimentos contendo vitamina D3 (também chamada colecalciferol) e D2 (ergocalciferol ou simplesmente calciferol). A fonte mais rica em vitamina D3 é o óleo de fígado de bacalhau, terror das crianças nos anos 80 e que é realmente um óleo extraído de fígados de peixes da família Gadidae (eu demorei a aceitar o que o nome significava). Essa fonte é muito usada em países nórdicos, onde a insolação é muito baixa e não falta bacalhau. Para nossa sorte, outras opções incluem peixes gordurosos como salmão, atum, anchovas e sardinhas (inclusive as enlatadas em óleo), leite integral, gema de ovo cozido e fígado bovino.

A vitamina D2, por sua vez, está presente em cogumelos (como o champignon, Agaricus bisporus) e líquen (Cladonia arbuscula), sendo uma opção para veganos. Quando expostos previamente à radiação UVB, eles se tornam mais ricos no micronutriente.

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Finalmente, a suplementação de vitamina D é feita por via oral, através de comprimidos, cápsulas ou gotas contendo geralmente colecalciferol (D3). Suplementos à base de ergocalciferol (D2) estão disponíveis e são, novamente, uma opção para os veganos, por serem feitas à base de fungos tratados.

Problemas alimentares graves, pouca exposição solar e algumas doenças fazem com que a vitamina D no organismo não seja suficiente – realmente insuficiente. Isso pode acarretar desordens como o raquitismo, em crianças, e a osteomalácia e a osteoporose, em adultos. Nelas, há diminuição do cálcio sanguíneo e “enfraquecimento dos ossos”, levando a deformidades e fraturas de baixo impacto – por exemplo, cair da própria altura e quebrar o braço ou o fêmur.

O que diz a Medicina livre de interesses

Quando falamos em conflitos de interesse em pesquisa, falamos da possibilidade de um resultado ou recomendação ter sido influenciado por interesses alheios à pesquisa.

Para lançar uma nova droga, por exemplo, uma empresa precisa de estudos que demonstrem que ela é melhor que as demais disponíveis no mercado – por ser mais eficaz, por apresentar menos efeitos colaterais, por ser mais versátil ou específica etc. Assim, ela patrocina pesquisadores e professores que demonstram e ensinam que aquela medicação é melhor. Isso não significa que eles mintam sobre os fatos: eles podem ter tido achados mais favoráveis à empresa, ou ter interpretado dados brutos de forma mais interessante, ou terem chegado a uma conclusão que inclui mais pessoas no público-alvo de um tratamento.

Felizmente, há fontes de informação livres de conflitos de interesse, como o United States Preventive Services Task Force (USPSTF) e o portal Cochrane. De acordo com eles, não há por que dosar a vitamina D em indivíduos saudáveis (ou seja, “só pra ver se está tudo bem”); os níveis “adequados” de vitamina D são difíceis de precisar; e tanto a dosagem quanto uma eventual suplementação estão indicadas apenas em certas situações.

Quando eu devo medir minha vitamina D?

Segundo a USPSTF, se você não está sentindo nada, nunca. Há controvérsia quanto a gestantes e idosos internados, mas um homem saudável de qualquer idade simplesmente não deve se preocupar com isso.

Se você acha que tem uma deficiência de vitamina D ou tem algum sintoma ósseo como fratura de baixo impacto ou deformidade, converse com um médico de família, endocrinologista ou nutricionista. Ele irá avaliar seus sintomas, alimentação, exposição solar, e decidir com você se o que você se sente tem a ver com a vitamina D e se uma suplementação pode ser útil.

Não ceda à tentação de pegar a promoção relâmpago da farmácia: converse antes com um profissional.

Preciso quebrar um osso pra medir minha vitamina D?

A pergunta deveria ser feita de outra forma: o que eu posso fazer para evitar uma fratura de baixo impacto?

Infelizmente, a USPSTF concluiu que não há evidência suficiente para afirmar que tomar vitamina D (combinada ou não com cálcio) ajuda a evitar fraturas de baixo impacto em pessoas que nunca as tiveram. Uma alimentação rica em cálcio e vitamina D, exposição solar regular e atividade física (pelo menos 150 minutos por semana, divididos em quatro ou cinco dias) continuam sendo a melhor receita para ossos saudáveis.

A Medicina é assim, complexa e cheia de variáveis, mas estamos aqui para esclarecer. Continue acompanhando nossa coluna!

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Nota do autor: Olá, pessoal! Como vocês já sabem, sou médico e estou escrevendo aqui na coluna Consultório, de duas em duas semanas, às terças. 😉

A ideia é que a nossa coluna atenda às dúvidas e perguntas sobre saúde do homem que surgirem aqui nos comentários, mas também estamos monitorando as buscas que trazem acessos ao site (Google, confessionário da vida moderna) e, se não quiser se indentificar, pode mandar perguntas para o meu e-mail: aadmodesto@gmail.com.

Abraços e até daqui a 15 dias!

Antônio Modesto

Médico de Família e Comunidade e doutor em Medicina Preventiva pela USP. Professor na Faculdade de Medicina da Unicid. Carioca de sotaque e paulistano de coração, toca cinco instrumentos mas nenhum bem. Tem estudado gênero, saúde dos homens e medicalização da vida.