Segundo uma profecia maia, o mundo vai acabar daqui a 3 anos, dia 21 de dezembro de 2012.

Ufólogos, místicos e palestrantes new age se aproveitam disso de inúmeras maneiras, mas aqui no PapodeHomem chamamos um engenheiro amante da Ciência para pensar o que aconteceria se você sobrevivesse ao apolicapse.

Os australianos e a castanha de caju autogerada

– Sabia que caju é uma fruta?
– Sim! Toda amêndoa é fruta!
– Não, não é da castanha que estou falando. Ela vem junto com uma fruta suculenta, que pode ser tanto amarela quanto vermelha.
– Sério?
– Deixe-me achar uma foto aqui para mostrar… Isso é a fruta do caju. O que vocês comem é essa parte aqui, a castanha.
– Que coisa estranha! Que gosto tem?

Se esse diálogo parece estranho, é porque aconteceu do outro lado do mundo, quando eu morava na Austrália.

Amêndoas em geral são bastante apreciadas por lá e a castanha de caju (conhecidas apenas por cashew) é uma das mais populares, facilmente encontrada em qualquer mercado ou loja de conveniência, geralmente em duas versões: crua, que obviamente não é crua mesmo (apenas levemente tostada e branca) e assada, que é tostada até ficar dourada. Sempre já descascadas e separadas em duas partes.

castanhas
Elas nascem assim, já quase prontas, você não sabia?

Os australianos não sabem que não estão comendo castanhas cruas e também desconhecem que uma iguaria dentre as suas favoritas é apenas parte de um conjunto. A parte macia, doce e suculenta é na verdade um pseudofruto, mas era mais fácil chamar de fruta.

“Tá. E daí?”

E daí, caro leitor, que eles não sabem o que estão comendo. Não sabem o que aquilo é, não sabem como é preparado, não sabem de onde vem, nunca viram um in natura nem sabem que gosto tem um caju. Só sabem que a castanha é gostosa e vai bem com cerveja.

Um órgão regulador do comércio de um país de primeiro mundo deixa que um produto seja abertamente vendido com “raw” (“cru”) escrito na embalagem, mesmo ele sendo assado (não recomendo que façam, mas um experimento interessante é morder uma castanha natural e ver o que acontece quando o ácido anacárdico que ela contém começar a escorrer pelos seus lábios), então eu imagino quantos outros embustes eles não estariam levando de coisas bem mais sofisticadas.

Não estou criticando práticas comerciais internacionais. O que eu disse aí em cima vai fazer sentido num minuto.

Boa parte dos australianos pensa que pode achar no meio do mato um arbusto que dá cashews, como amendoim, e que é só colher e comer, igual amora.

Não sabem que, para chegar ao produto embalado, elas precisam primeiro ser colhidas, separadas do caju, assadas sobre fogo intenso (a fumaça resultante é terrível e só sai das roupas quando você compra novas), descascadas (parte mais difícil do processo) e separadas.

Seu Pascoal e os cajus com castanhas

genipabu
Seu Pascoal, o herói fictício de nossa história

Pascoal, um morador da vila de pescadores de Genipabu, sabe o que envolve comer castanhas. E por isso só o faz uma ou duas vezes ao ano.

Não vou supor que ele plantou um cajueiro porque não precisa; a máxima de Caminha “em se plantando, tudo dá” é 100% adequada à Genipabu (desde que “tudo” seja um eufemismo para “cajueiro”), mas eu sei que ele tem uma lata de leite especial, onde foi pregada uma ripa de madeira para servir de cabo, e que serve de assadeira de castanhas.

O fogareiro eu não sei se ainda existe pois ele precisou dos tijolos para um reparo na parede do quarto mês passado, mas imagino que não seja difícil montar outro rapidamente.

O mesmo pé de caju pode fornecer a lenha, enquanto sua mulher e filhas fornecem o trabalho manual de descascar dezenas de castanhas ainda quentes porque “é mais fácil enquanto ainda tá pegando fogo”, segundo me garantiu a esposa Zefinha, mulher de belas unhas – que cria galinhas no quintal de casa alimentando-as com o milho que ela mesma planta.

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Ah, Pascoal também sabe manobrar uma jangada sobre correnteza de maré em completa escuridão, “ler” suas imediações para saber não só onde está mas onde os peixes estão, arremessar tarrafas que foram tecidas (e posteriormente remendadas) por ele, tratar um peixe em alto-mar usando um facão de doze polegadas (sob a luz das estrelas) e retornar são e salvo para terra firme no quebrar da barra.

Só não sabe vender (ele é meio careiro), mas cada um com sua especialidade…

O que me possibilita fazer uma transição perfeitamente suave e perguntar: qual a sua especialidade?

Sem eletricidade, o que você sabe fazer?

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Viver bem após o fim do mundo. Isso é lenda… 😉

O que você sabe fazer? Não tenho dúvida de que você é um membro ativo e importante da sociedade e uma peça fundamental na engrenagem social contemporânea, mas o que você sabe fazer?

Vamos supor que falte energia em toda a cidade agora. O que você pode fazer na sua casa ou trabalho, das coisas que você faz costumeiramente, sem eletricidade? Melhor ainda, tente lembrar do apagão do dia 11/11 que estatisticamente afetou a sua vizinhança. O que exatamente você fez enquanto a energia não voltou?

A única coisa em que eu consigo pensar é tomar banho – já que eu sempre tomo banho frio (a resistência do meu chuveiro queimou em 2007 e eu nunca lembro de comprar outra) – e lavar a louça.

Na minha terceira visita à geladeira, seu estoque já começará a esquentar, derreter, apodrecer, criar crostas lodais, juntar água, reviver, talhar.

Meu tocador portátil de MP3 não durará muito pois eu sempre esqueço de deixar carregando tempo suficiente e meu laptop seria inútil sem Internet pois jogar Soldat sozinho não tem graça e eu já zerei Lego Star Wars duas vezes. Eu não possuo um televisor, então não sentiria falta de uma caixa mágica piscante, mas entendo que isso constitua um problema para alguns.

Também não posso ir caminhar, pois o elevador não está funcionando e eu não sou louco de descer pela escada porque corro o risco de ter que subir por ela na volta. Uma coisa é me exercitar, outra bem diferente é ser otário.

Ou seja, meu dia sem eletricidade se resumiria a eu sentado numa cadeira defronte à pia, vendo água escorrer pela torneira, numa fútil tentativa de me confortar em saber que pelo menos algum aspecto da minha vida moderna ainda funciona.

E como eu tenho quase certeza de que todos os outros moradores da cidade estariam fazendo exatamente a mesma coisa, a água acumulada acabaria rapidamente, pois sem eletricidade não há como bombear água cano acima até as caixas d’água.

apagao
Sem abrir a janela e ser salvo pela Lua, isso é o que você consegue enxergar dentro de casa (ah, sim, as velas acabaram e poucos sabem produzi-las do zero)

Agora, num mundo sem energia elétrica (computadores) e sem água corrente (descarga), volto a perguntar: o quê você sabe fazer? Isto é, fora ligar e pedir uma pizza pois os telefones e fornos a lenha ainda funcionam, pelo menos temporariamente, enquanto o gerador da companhia telefônica e o forno da pizzaria tiverem o que queimar.

Dependendo da época do ano e do nível de poluição em sua cidade, o sol desaparece bem rápido e as noites são muito longas e escuras.

O que você faria com apenas doze horas de luz? Lembre-se: não há energia em lugar algum, então todas as cervejas estão quentes (o que tira a razão de ser dos alimentos fritos e dos churrasquinhos de rua), logo todos os bares estão fechados. Se você mora num lugar quente, não pode contar com ventiladores. Se mora num lugar frio, não pode ligar o aquecedor.

Em breve, o gás também acabará, levando junto a feijoada (feita com produtos salgados que não precisam de refrigeração), que nesse ponto nada mais é que forro para a cachaça, única bebida conhecida que pode ser tomada em temperatura ambiente.

Continua…

Amanhã vamos ver se num mundo pós-apocalíptico você saberia encontrar frutas e água potável, ou se conseguiria construir um carro ou um computador do zero.

Igor Santos

<strong>Igor Santos</strong> é apaixonado por Ciências, cético, engenheiro, músico e natalense. Mantém o blog 42."