Vocês já devem estar sentindo, ao menos os mais sensíveis, o discreto eco que sai dos vértices. É um tipo esquisito de magnetismo, de força abstrata, de um vulto bom. Sentido especialmente em grandes metrópoles vazias ou naqueles campos cristalizados do interior de Goiás – muita gente vai até lá em busca de meditação e uma resposta, um rumo, uma auto-justificativa.

Às vezes o corpo exige que saiamos da inércia geográfica de uma rotina para podermos enxergar as vísceras a olho nu e nos acertarmos com nosso pequeno dispositivo interno (esse senhorzinho muito do mimado).

É aquela época do ano, essa que independe do calendário gregoriano, e só existe através do volume estratosférico de energia que emana de cada um que se arrepende de alguma atitude, designa novas resoluções, se emociona com uma retrospectiva, envia um cartão de boas festas, ou organiza uma. Todo mundo olha, única e exclusivamente, para uma mesma direção – inclusive as aves que migram do rigoroso inverno. É tempo de acertar os ponteiros, em uníssono até entre os fusos horários.

O planeta, de fato, parece desprender de um punhado de gravidade, o silêncio é mais denso, se fecharmos os olhos capaz de ouvirmos o ruído de translação da Terra, que começa a se encaixar na traquitana-mãe entre amanhã e sábado. Deve ser algo parecido com fogos de artifício, só que bem baixinho, feito plástico-bolha.

Por mais pedante que as retrospectivas podem soar, elas tem, de alguma forma, o poder de aniquilar a ansiedade irrefutável que paira nesse lodo imaginário. Desperdice, se for o caso, algum breve (mas nada efêmero) momento para concatenar seu eixo de referência – planta baixa com latitude e longitude – balanço secreto dos prós, contras e tão devastadores neutros. Aos poucos, percebe-se que as nossas conquistas todas geram um tipo de linha de costura que representa o personagem que queremos moldar, uma marca d’água vistosa.

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Escultura em parede por Alexandre Farto (AKA Vhils).

Visitar um país exótico, pintar uma parede você mesmo, perder algo valioso, se enlouquecer por alguém. Tornar-se mestre em algo (pode ser até uma receita: cozinhar é sempre uma bela conquista), fazer as pazes depois de muito tempo, estudar um idioma, ir ao show da sua vida, tomar um porre homérico, ser promovido, ganhar na loteria, ou ganhar dinheiro com algo que até então nunca havia pensado fazer (e gostar!), conversar com alguém que admira muito (e sentir reciprocidade), trocar de carro ou comprar o seu primeiro 0km, perder quilos (!), fazer um grande novo amigo, viajar a trabalho e se divertir, conhecer a sogra, voltar a andar de patins (e conseguir), fazer clareamento nos dentes, ou um corte de cabelo radical, se arrepiar em uma ópera, e chorar em prantos no cinema, parar de fumar de uma vez por todas, fugir da cidade de sopetão com os amigos, receber (e fazer) pequenas surpresas, ser elogiado no trabalho (e um projeto aprovado), fazer trabalho voluntário, participar de uma pesquisa importante, pegar o exame de sangue (bom), flertar com possibilidades mil, ser flertado, votar para presidente, inventar um evento, receber amigos, bater papo com a faxineira, demorar no banho, ganhar um iPad, enviar uma carta, receber um postal de longe, agarrar um cachorro (ambíguo), dar entrada em um apartamento, comer até passar mal (e ficar jogado), se preparar para uma grande festa, chegar em ponto num compromisso importante, aquele todo e qualquer frio no estômago.

Quantas vezes pode-se fazer valer a pena em um mesmo ano?

Essas grandes coisas transportam em pequenas cargas a implacável essência de cada um de nós. A diferença é como as enxergamos. E é exatamente assim que o mundo nos enxerga de volta.

Viva plenamente.

Ricardo Gaioso

Autor do blog <a>"O Pequi"</a>. Em 2011 vai lançar uma plataforma de arte e design chamada <a href="http://www.eye4design.com.br/">Eye4Design</a>."