Nota do editor: a Mentoria PdH segue linda, a edição #4 teve mais de 60 participações. Esclarecemos que sempre sugerimos ao autor da pergunta participar, mas nem sempre a pessoa se sente confortável. Então respeitamos a postura de cada um. Mas saibam que as palavras de vocês ajudam muitos e muitas, ainda que silenciosamente.
Ah, e fãs da boa literatura, dêem uma olhada em nosso Clube do Livro, logo teremos o primeiro encontro. 😉
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Pergunta da semana — é grande, mas se trata de um bonito relato que passa por obstáculos de vários homens:
"Oi pessoal do PdH, tudo bem? Me chamo Douglas e acompanho a evolução do portal de vocês desde tempos imemoriais.
Esse ano completei 32 anos e tenho a sensação de que ainda não aprendi a ser um homem adulto de verdade.
Esse sentimento se sustenta, eu acredito, em 3 grandes pilares, os quais na minha cabeça se ligam muito intimamente:
- Transitar entre várias carreiras sem ter muito êxito em nenhuma
- Não ser capaz de interagir romanticamente com uma mulher
- Não ser capaz de me manter financeiramente
Saindo do colégio fiz um curso de Letras, depois do qual engatei uma faculdade de Gastronomia. Nesses 8 anos dedicados às panelas, o topo da minha carreira foi quando ganhava 3 mil por mês para tomar conta de um café sofisticado aqui em Fortaleza.
Chegamos a ganhar prêmios e era tudo muito bom, mas de repente eu me vi preso a uma rotina de trabalho tão sufocante que eu não tinha tempo para ver meus amigos, não lembrava a última vez que eu tinha beijado uma mulher e acabava gastando muito do meu maravilhoso salário em cerveja e comprando bobagem no shopping na minha folga, às quartas.
Foi nessa época que, tomado por uma carência e por uma solidão terríveis, eu resolvi fazer algo e começar a sair sozinho à noite, depois do trabalho. A ideia era conhecer pessoas. Desnecessário dizer que eu falhava miseravelmente. Nunca aprendi a abordar pessoas em festas ou bares, muito menos mulheres.
Perdi a conta de quantas vezes uma mulher linda me encarava repetidas vezes e eu simplesmente congelava, paralisava, incapaz de dizer um "oi" (o que acontece até hoje). O que é no mínimo estranho, porque eu costumo ser considerado uma pessoa bastante interessante e divertida, sempre tenho bons assuntos e sempre tive excelentes e profundas amizades femininas, algumas das quais duram há mais de 15 anos.
Eu já passei uma noite inteira com 4 bandidos drogados dentro do meu carro, me batendo, me cortando, apontando uma arma pra minha cabeça e dizendo que, se eu não os levasse pra minha casa, eu iria morrer ali mesmo. Não querendo expor minha família a eles, resisti a noite inteira, mantive a calma, saí ileso e fui trabalhar dois dias depois, mas não consigo ter a coragem e a cabeça fria para iniciar e manter uma conversa com uma mulher atraente em uma festa.
Foi nessa época também que eu chorei na frente do meu patrão quando ele disse que eu não iria conseguir a promoção com a qual vinha flertando havia cerca de 8 meses. Eu soluçava.
Aquilo acabou comigo porque eu estava totalmente investido ali. Aquele trabalho era a única coisa acontecendo na minha vida por 2 anos. Eu finalmente estava fazendo algum dinheiro, e eu já havia sido rejeitado por mais de uma mulher por quem tinha um interesse genuíno e profundo por não ter a vida encaminhada, o que me levou a enxergar as relações entre homens e mulheres de uma forma muito superficial e dualista: se eu quiser ser levado a sério como homem, preciso ter dinheiro.
Custou muito me libertar dessa dinâmica.
Depois desse emprego eu passei por vários lugares onde ganhava um salário condizente com o de cozinheiro, e só Deus sabe como eu não me afundei em dívidas nesses últimos 3 anos. Ano passado tentei aprender programação pensando que isso me levaria a uma terceira carreira, dessa vez mais bem sucedida, mas não tenho aprendido muito rápido.
Então, por sugestão de um amigo, retomei uma antiga paixão, uma das poucas coisas que me acompanha desde a adolescência: escrever. (Lembro de perceber que eu queria ser escritor aos 17 anos, e esse sentimento nunca me abandonou.)
Comecei a escrever como freelancer para uma agência de publicidade e abri um perfil no Medium. De lá pra cá consegui uma coluna no site de uma revista cultural, mas eles não me pagam por isso, então acaba sendo mais um exercício de criatividade mesmo. Agora em abril, resolvi sair do restaurante onde eu estava e me dedicar exclusivamente à carreira de freela. Mas não sei como ou se consigo viver de escrever.
Eu sempre contribuí com grana em casa, e hoje arco com cerca de 700 reais nas despesas domésticas, além de dividir os famosos afazeres do lar.
Moro com minha mãe e minha irmã e, embora ninguém me peça mais satisfações acerca de horários ou coisas assim, eu não consigo me sentir adulto morando com minha mãe. Não me sinto um homem de verdade. A imagem que tenho de mim mesmo é de um garoto que mal passou dos 21.
Eu sou bastante organizado com dinheiro, não tenho despesas extravagantes (até gostaria de ter alguma), mas não vejo um horizonte no qual eu tenha saído de casa e me enxergue como alguém que passou dos 30.
Quanto aos meus relacionamentos amorosos, eu tive um primeiro namoro longo, de quatro anos, durante o qual eu não era nem um pouco assertivo. Tanto que, quando comecei a ser, o relacionamento rapidamente se deteriorou. Depois tive uma sucessão de relações curtas e intensas, nenhuma delas passando da marca de um ano.
Em sua maioria, as mulheres com que me relacionei desde então eram problemáticas: depressivas, que brigavam com a família e os amigos.
Não que haja algo intrinsecamente errado com elas, longe disso. Mas com todas elas eu sabia, desde os primeiros encontros, que aquilo não ia durar, e mesmo assim eu sentia uma atração irresistível por aquelas mulheres que provavelmente iriam destruir meu coração. É assim até hoje.
Na verdade isso já virou até uma espécie de piada minha comigo mesmo: quando eu conheço uma mulher e me sinto irresistivelmente atraído por ela, de uma forma visceral, é melhor eu me afastar. É como se meu Sentido Aranha fosse o tesão. Nas poucas vezes em que uma mulher mais "tranquila" demonstra interesse em mim, eu geralmente acabo achando ela normal demais, bege demais – não rola uma atração forte, autêntica.
Quase como Woody Allen, que jamais faria parte de um clube que o aceitasse como membro.
Hoje meu trabalho como redator freelancer me permite estar mais próximo dos meus amigos e eu tenho procurado sair mais, já que minha última namorada terminou comigo por eu levar o que ela chamou de um estilo de vida excessivamente caseiro. Quanto às mulheres, me resigno a instalar e desinstalar o Tinder e outros apps semelhantes. Já me abri com alguns poucos amigos e amigas em quem confio mais e pedi que me apresentassem a alguém.
Como isso nunca aconteceu, fiquei com a impressão de que mesmo meus melhores amigos talvez não achem que eu dê um bom companheiro amoroso.
Resumindo: 32 anos, sem dinheiro, morando com a mãe, sem uma pista de como ganhar a vida e petrificado diante da mera ideia de abordar uma mulher.
Não me sinto homem. Me sinto inofensivo, represado, adestrado.
Obrigado pelo tempo de vocês.
PS: desculpem a estrutura confusa do texto. Tentei lhe dar mais organização, mas tudo acabou ficando como um grande fluxo de consciência."
— Douglas
Como responder e ajudar no Mentoria PdH:
- comentem sempre em primeira pessoa, contando da sua experiência direta com o tema — e não só dizendo o que a pessoa tem que fazer, como um professor distante da situação
- não ridicularizem, humilhem ou façam piada com o outro
- sejam específicos ao contar do que funcionou ou não para vocês
- estamos cultivando relações de parceria de acordo com a perspectiva proposta aqui, que vai além das amizades usuais (vale a leitura)
- comentários grosseiros, rudes, agressivos ou que fujam do foco serão deletados
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Você pode mandar sua pergunta para posts@papodehomem.com.br . O assunto do email deve ter o seguinte formato: "PERGUNTA | Mentoria PdH" — assim conseguimos filtrar e encontrar as mensagens com facilidade.
Posso também fazer perguntas específicas e práticas, na linha "como lido com um divórcio? Como planejo minha mudança de casa sem quebrar? Como organizar melhor o tempo pra cuidar de meu filho? Como lidar com o diagnóstico de uma doença grave?" ?
Sim, com certeza.
As perguntas recebidas até agora dão ênfase a obstáculos emocionais mais profundos e amplos, mas queremos tratar também de dificuldades práticas enfrentadas por nós no dia-a-dia.
Então, quem tiver questões nessa linha, por favor, nos enviem. Assim vamos construindo um mosaico bem interessante com o Mentoria.
Onde encontro as perguntas anteriores?
Basta entrar na coleção Mentoria PdH.
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