Aqui é o inferno e também o inferno às avessas. Eu explico. Todo pecado já tem castigo nas ruas de São Paulo. Solidão, psicose, invisibilidade e abandono. Existe amor em SP, mas apenas como exceção que confirmará a regra. 

O inferno.

Mas primeiro vem o fogo, aquele bafo quente e diabólico na nuca o dia inteiro para depois vir o apocalipse cinza avisado por trombetas de vento forte e temporal de chuva acre. Tirando o detalhe ácido, é tudo verdade e isso faz do nosso inferno um virado de cabeça para baixo, de ponta cabeça. Uma coisa e depois a outra quando deveria ser a outra coisa primeiro e só depois a uma.

Como as prioridades que damos por aqui. Primeiro onde paro com meu carro e só depois a água. Que toda a rede elétrica vá logo para debaixo da terra – somos uma cidade de primeiro mundo, ora bolas – mas não ousem abrir buraco aqui na minha rua, sujar de barro a minha calçada. Depois reclamam quando eu lavo tudo com bons jatos de água que sai da minha mangueira. 

O inferno.

O que mais me irrita em São paulo é a higienização social exemplar que a cidade promove. Não há lugar onde você não sabe exatamente o que vai encontrar, qual tipo de pessoa e o tipo de bar e qual bairro é exclusivamente para carros, ruas e ruas vazias e com calçadas pequenas e faltando qualquer tipo de vegetação.

Não há surpresas por aqui. Se o shopping é uma das marcas da cidade, melhor exemplo não há. Você sabe que tipo de pessoa vai encontrar em cada um dos shoppings daqui e qual tipo de loja terá. Moro na zona oeste e basicamente no mesmo quarteirão existem dois shoppings centers, o Bourbon e o West Plaza. O primeiro é espaçoso e com poucas lojas enquanto o segundo é mais abarrotado e cheio de lojinhas mais populares.

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O mesmo quarteirão e temos pessoas completamente distintas de comportamentos completamente distantes uma das outras. Para chegar nos locais, e chega por transportes diferentes. Um não “invade” o espaço do outro, não há a mistura. 

Em São Paulo, cada um sabe o seu lugar. O que é a maior babaquice que pode acontecer com um aglomerado de pessoas. Se há uma luta justa nesses últimos tempos é a da reapropriação dos espaços públicos, a necessidade de juntar gente, de fazer eventos ao ar livre que não segregue, mas que acolha.

Não sei bem quando foi que caímos na besteira de acreditar no “vai pra casa, menino, vai ser assaltado aí, fica de bobeira na rua e alguém vai fazer algo de ruim pra você”, quando deveria ser o oposto!

“Fica na rua, gente! Sai todo mundo de casa que é mais negócio, dá menos medo. Vai e conhece todo mundo do teu bairro, menino!”

Isso se sobrar alguém depois do tal êxodo que estão profetizando com a falta de energia elétrica e falta d’água e falta de algo que nos faça ter mais apego a essa terra.

Até do inferno o capeta tá debandando.

Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados