Sou uma pessoa ruim.
Não falo isso pra angariar elogios. Tento ser bom justamente por ter a enorme consciência de ser muito, muito ruim.
Além dos defeitos cotidianos corriqueiros, eu sou (em ordem alfabética) arrogante, distante, egocêntrico, egoísta, elitista, frio, insensível, preguiçoso, soberbo, vaidoso. Em último grau. Profissionalmente.
Se qualquer uma dessas coisas desse dinheiro, eu poderia viver disso.
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Uma vez, uma moça procurou um curandeiro reclamando da sogra. Desde que fora morar com a casal, a sogra lhe infernizava a vida e destruía a felicidade. Pediu um veneno para tirar a velha do caminho.
O curandeiro atendeu o pedido, mas deu dois avisos:
Em primeiro lugar, o veneno era de longa duração, para que ninguém suspeitasse nem da nora nem do curandeiro. Ao fim de um ano, a sogra estaria morta.
Durante esse ano, entretanto, deveria tratar a sogra muito bem. Ser agradável. Elogiar sua comida. Passear com ela. Compartilhar seus interesses. Assim, estaria acima de qualquer suspeita quando morresse.
Depois de vários meses, a moça voltou ao curandeiro. Estava desesperada. Pedia pelo antídoto. Não desejava mais a morte da sogra. Percebera que era uma senhora boa, interessante, gentil, sábia. O que fazer? O que fazer?!
Naturalmente (alguém não adivinhou o final?), o curandeiro revelou que o veneno era somente uma erva inofensiva.
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Variação (sugerida pelo Fernando): a nora volta ao curandeiro desesperada por ter envenenado a sogra tão boa.
Sou uma pessoa horrível, ela chora. Quero morrer. Me dê um veneno para acabar com minha vida!
E o curandeiro:
Vou te dar um veneno de ação retardada. Ao final de um ano, estará morta. Enquanto isso, entretanto, para diminuir seu carma, é importante que faça boas ações e ajude os menos afortunados…
(Moral da história 1: tem gente que quer resolver tudo matando alguém, ou 2, tem mané que vai no mecânico reclamar que foi enganado e acaba trocando o óleo.)
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Quando o aluno chega no mestrado, ele se sente afogado por tanta erudição. Por tanta gente culta vomitando teorias e petiscando autores. Por tantas referências que mal consegue acompanhar.
Sou o maior blefador do mundo, ele pensa. Que direito tenho de estar aqui?
Durante meses e anos, ele blefa e blefa e blefa, cada vez mais eficientemente. Quando tem que dar uma aula sobre Foucault, vira a noite lendo trocentos artigos sobre Foucault, para que ninguém perceba que não sabe nada, NADA sobre Foucault.
E sempre com medo que, algum dia, de repente, quando menos se espera, será desmascarado como o blefador que é. Que todos vão perceber que é o único que nunca leu Kant e Hegel de cabo a rabo. Que não é NADA!
Até que um dia vem a iluminação: ninguém leu Kant e Hegel de cabo a rabo. Ninguém sabe realmente do que está falando.
Entender de Foucault nada mais é do que virar várias noites lendo Foucault para que ninguém perceba que você não sabe nada de Foucault.
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Faz uns dois anos, a pessoa que se assina O Último Psiquiatra me deu o melhor conselho que já recebi na vida:
Que eu não precisava SER uma pessoa boa: bastava FINGIR QUE ERA.
Então, passo o dia fingindo.
Finjo que meu ego não é enorme. Finjo que não estou só interessado em mim, mIM, MIM! Finjo interesse sincero nos problemas das pessoas. Finjo que estou ouvindo o que dizem.
Para o fingimento ser mais persuasivo, decoro suas palavras e repito para elas em momentos-chave da conversa ou então faço referência à essas palavras semanas depois. Muitas vezes, no meu preciosismo fingido, empresto meu ombro para que chorem e dou guarida na minha casa, recomendo para empregos e carrego suas mudanças. Tudo fingimento.
Como as pessoas são ingênuas, engolem tudo. Minha reputação (completamente falsa) aumenta e, para mantê-la, sou forçado a fingir ainda mais que sou um homem bom e cheio de empatia.
Pior, escrevo textos flagrantemente mentirosos, que pintam uma auto-imagem totalmente desprendida da realidade.
Mas as pessoas querem tanto mas tanto acreditar na bondade do próximo que não vão levar fé nem mesmo nesse texto aqui, tão confessional e pela primeira vez sincero, vão considerar metáfora ou algo assim, e vão continuar me lendo, me admirando e tentando também ser boas pessoas.
Talvez até consigam. Talvez até sejam realmente boas. Se é que isso existe.
E o escritor, o escritor vai fingindo que é empatia o egoísmo que deveras sente, mas os que lêem, ah os que lêem, na empatia lida chegam bem a sentir a empatia que nunca tiveram.
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Dois textos que desenvolvem um pouco mais essas ideias: “Alex, como faço para ser uma pessoa melhor?” & Voce é o que você faz.
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