Recentemente, estive no Marrocos. Fui pra lá com o conhecimento quase nulo que todos temos: alcorão, Islã, ramadã, Meca, mesquita, muçulmanos.
Em uma das madrugadas, estava sem sono e decidi subir ao terraço do hotel para ver as estrelas. Ao chegar, encontro um dos recepcionistas deitado e fumando com um semblante melancólico.
Como nosso nível de intimidade não passava de um Salaam Aleikum, sentei-me a uma distância média. Passados alguns minutos, a voz do rapaz de aproximadamente 20 anos corta o silêncio absoluto:
— Estou muito triste.
Ele continuava ali, lacônico e sem tirar os olhos do céu.
Olhei pra ele, esperei alguns segundos e disse, demonstrando solidariedade:
— Uma garota?
Ele somente acenou com a cabeça, dizendo que sim, o olhar ainda distante.
Na tentativa automática de tentar colocá-lo pra cima, comecei com aquele repertório previsível de dizer que nenhuma mulher merece nossas lágrimas e blá blá blá. Ele me olhou nos olhos, de forma séria, e começou sua história: ele e sua ex-namorada vêm dos Berbers, povo tradicional e fundamentalista. Namoraram escondidos por 4 anos, até que o pai dela descobriu e obrigou-a a terminar o relacionamento, além de prometê-la em casamento – para o próximo mês de setembro – a um outro rapaz.
Quando ele começou a contar, eu me dei conta da palhaçada que eu havia falado. Acostumado com os joguinhos amorosos contemporâneos, não atinei pra possível realidade do garoto.
Ele continuou dizendo que ele e a ex-namorada mantiveram relações sexuais, sendo que isso é inconcebível na cultura deles. Caso o casamento prometido se consuma, a não-virgindade dela virá à tona e ela correrá risco de morte.
Sim, os Berbers costumam matar, em nome da honra da família, as mulheres que praticam o coito antes de se casarem.
Concluiu dizendo que aquela era a última semana dele naquele emprego, não conseguia mais suportar a garota ligando aos prantos. Jurou, em nome de Alá, que pegará todo seu dinheiro e irá buscá-la, para assim fugir com ela.
Ao final, fiquei calado. Não consegui esboçar reação. Só consegui refletir no quão homem-médio eu havia sido, repetindo pra mim mesmo que sempre temos muito mais a aprender do que a ensinar.
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