“Professor, você viu que os homens estão fazendo mais vasectomia por causa da crise?”, me disse um aluno semana passada, quando a Folha de São Paulo noticiou que a realização de vasectomias no Brasil aumentou 42% entre 2011 e 2017. Mais especificamente, houve um aumento de 20% nos procedimentos realizados no SUS e de 110% (ou seja, mais que o dobro) nos convênios. A matéria associa essa variação à crise econômica – de fato, o maior crescimento foi nos últimos dois anos.

Hoje vamos falar desse famigerado procedimento.

Dois métodos

Os homens têm dois métodos anticoncepcionais à disposição: o preservativo masculino e a vasectomia.

Os preservativos masculino e feminino são o único método anticoncepcional que também previne contra infecções sexualmente transmissíveis – e eles não devem ser usados juntos, diga-se de passagem: a fricção dos plásticos é desconfortável e pode rasgar ambos. A variedade de texturas, tamanhos, cores, cheiros e sabores de camisinhas disponíveis hoje deve agradar até os homens mais resistentes.

Por sua vez, o preservativo feminino é geralmente feito de polietileno, sendo uma boa opção para casais heterossexuais onde alguém tenha alergia ao látex das camisinhas comuns.

Tanto os preservativos masculinos quanto os femininos são distribuídos gratuitamente nos postos de saúde de todo o Brasil. Também há preservativos masculinos de polietileno ou poli-isopreno à venda nas farmácias, opção para casais heterossexuais ou homossexuais que queiram evitar o látex, a gravidez e as infecções.

O segundo método anticoncepcional, a vasectomia, é considerado irreversível – assim como a laqueadura tubária. Claro que você já ouviu de pessoas que tentaram reverter uma vasectomia ou uma laqueadura, mas a reversão é um procedimento caro, complexo, pouco disponível e de sucesso limitado, o que faz os profissionais de saúde considerarem a vasectomia um método de esterilização definitivo.

Como funciona?

A esterilização masculina é um procedimento cirúrgico simples, de pequeno porte, seguro e rápido, no qual os ductos deferentes são ligados (“cortados e fechados”) através de dois cortes na bolsa escrotal (um para cada ducto). Os ductos deferentes são os canais que ligam os testículos à próstata e às vesículas seminais, o que significa que os espermatozoides não farão parte do sêmen, sem alteração na quantidade ou frequência das ejaculações. Em termos simples, os homens passam a gozar sem a capacidade de fecundar. O procedimento pode ser realizado em consultório com anestesia local e leva menos de meia hora em mãos experientes, o que faz com que a vasectomia seja mais fácil, segura e barata que a laqueadura tubária.

Após a realização da cirurgia, o homem deve fazer um espermograma após três meses e 20 ejaculações (em relações sexuais ou masturbação), para desprezar os últimos espermatozoides circulantes e garantir que a cirurgia foi eficaz. O exame deve demonstrar azoospermia, ou seja, ausência de espermatozoides no sêmen. Antes de confirmar a eficácia, as relações sexuais devem ser com preservativo ou outro método anticoncepcional. Com esses cuidados, a taxa de falha do método é de 1 a 2 homens a cada mil no primeiro ano, associadas a erros no procedimento ou à recanalização – o refazimento da passagem dos espermatozoides. A eficácia do método pode ser conferida a qualquer momento com um novo espermograma.

É bom lembrar que a vasectomia não protege contra infecções sexualmente transmissíveis – ou seja, o preservativo continua importante.

Posso ficar broxa?

Em certas culturas, a capacidade de gerar filhos é uma demonstração de masculinidade, e sua perda diminuiria o valor do homem na sociedade. Muitos homens também não querem fazer vasectomia por medo de desenvolverem disfunção erétil (ou impotência sexual).

Como mostrado acima, o procedimento não envolve os nervos responsáveis pela ereção ou pela ejaculação, então, não se espera que o procedimento traga qualquer complicação à vida sexual. Na verdade, há estudos (como esse) indicando que a vida sexual do casal pode melhorar após a vasectomia!

As complicações mais comuns do procedimento são sangramento, hematomas e infecção local nos primeiros dias após a cirurgia. Mais tardiamente, alguns homens podem ter dor testicular, granuloma espermático e persistência de espermatozoides no sêmen. Todos esses problemas são tratáveis e não se comparam aos riscos de uma cirurgia aberta como a laqueadura tubária.

Gostei da ideia. O que devo fazer?

A lei n. 9.263, de 1996 (apelidada de “Lei do Planejamento Familiar”) estabelece em seu artigo 10 que a esterilização voluntária (ou seja, laqueaduras e vasectomias) só é permitida:

  1. Em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce; ou

  2. Em caso de risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos.

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Duas coisas devem ser ressaltadas aqui: primeiro, que o interessado deve ter mais de 25 anos OU pelo menos dois filhos –não é obrigatório cumprir ambas as condições. Segundo, por sua irreversibilidade e chance de arrependimento, a vasectomia e a laqueadura são as últimas opções de método contraceptivo. Uma mulher que não queira ou não possa tomar anticoncepcionais pode ter uma contracepção eficaz, segura e reversível usando um DIU de cobre, por exemplo.

Homens em busca do procedimento ou de maiores informações podem procurar uma Unidade Básica de Saúde (UBS) ou um urologista particular ou do convênio. Nas UBSs, o homem será avaliado por pelo menos dois profissionais (em geral um médico e um enfermeiro), incluindo uma avaliação física e perguntas como “como você se sentiria se um dos seus filhos morresse depois que você fez a vasectomia?”. Alguns médicos de família já realizam vasectomias em seus consultórios, mas a maioria dos postos de saúde vai encaminhar o interessado a um urologista depois das avaliações. No SUS, todas essas avaliações e o procedimento em si são gratuitos.

E se eu me arrepender?

10 a 20% das mulheres se arrependem de terem feito uma laqueadura, principalmente quando iniciam novos relacionamentos, quando fizeram o procedimento com menos de 30 anos ou quando não tinham filhos à época da esterilização. Aparentemente, a taxa de arrependimento é semelhante para os homens. Como dissemos, esses métodos são praticamente irreversíveis, daí a importância de uma decisão livre, esclarecida, calma e conversada no casal.

Esse problema pode ser contornado através do congelamento de sêmen: se um dia o casal decidir gerar filhos, o homem pode recorrer ao seu “depósito”. Uma pesquisa rápida mostra que as coletas (sugere-se fazer mais de uma) custam 400 a 500 reais cada, e a taxa de manutenção semestral fica por volta do mesmo valor.

Outra forma muito honrosa de ter mais filhos é a adoção: há dezenas de milhares de crianças em abrigos no Brasil, muitas delas prontas para um novo lar, seja qual for a orientação sexual dos novos pais.

Crise ou transformação?

A matéria da Folha de São Paulo credita o aumento das vasectomias principalmente à crise econômica, mas não se pode negar uma maior participação dos homens no planejamento familiar. Muitos homens têm tomado para si a tarefa de não gerar filhos, poupando suas parceiras de hormônios e procedimentos cirúrgicos.

Não devemos ser julgados pela nossa capacidade gerar filhos, mas sim de cuidar deles – independente do testículo de onde saíram os espermatozoides que os geraram.

E vocês, o que vêm pensando a respeito? Vamos conversar na caixa de comentários?

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Nota do autor: Olá, pessoal! Como vocês já sabem, sou médico e estou escrevendo aqui na coluna Consultório, de duas em duas semanas, às terças. 😉

A ideia é que a nossa coluna atenda às dúvidas e perguntas sobre saúde do homem que surgirem aqui nos comentários, mas também estamos monitorando as buscas que trazem acessos ao site (Google, confessionário da vida moderna) e, se não quiser se indentificar, pode mandar perguntas para o meu e-mail: aadmodesto@gmail.com.

Abraços e até daqui a 15 dias!

Antônio Modesto

Médico de Família e Comunidade e doutor em Medicina Preventiva pela USP. Professor na Faculdade de Medicina da Unicid. Carioca de sotaque e paulistano de coração, toca cinco instrumentos mas nenhum bem. Tem estudado gênero, saúde dos homens e medicalização da vida.