Poucas coisas nessa vida são mais involuntariamente perigosas do que frases de incentivo. Desde aquele “fica tranquilo que até uma criança de 5 anos consegue montar” que o vendedor da loja te diz e que, quando você está de madrugada em casa, suado, sujo de óleo, com a camisa rasgada e diante de uma pilha de madeira torta, te faz pensar que você vai precisar casar, ter um filho e esperar ele fazer 5 anos pra ver essa estante de pé, até o “você não é igual a todo mundo, você é especial” que as mães dizem e que acaba criando filhos que furam fila, ouvem música sem fone no ônibus e gritam com o garçom no restaurante, é fácil perceber como muitas vezes o que serviria para incentivar e estimular acaba servindo de razão para que as pessoas se sintam mal ou muleta para justificar comportamentos não tão legais assim – aquele garçom com certeza cuspiu no seu prato e, cara, eu estou 100% do lado dele.
E poucas delas podem ser mais perigosas, é claro, do que o famoso “apenas seja você mesmo”. Sim, a frase que o seu pai te disse antes daquela festinha do colégio, que seu irmão te falou quando você ia para aquela entrevista de emprego, que seus amigos te recomendaram, entre preocupados e confusos, quando você ia pro seu primeiro encontro de solteiro depois de sete anos namorando e perguntou se eles achavam que você devia fazer com a gatinha a “piada da onça”.
Não que não seja uma frase, como a gente já disse, bem intencionada. É importante ser você mesmo, ainda mais num mundo em que tantas pessoas e coisas vão tentar te dizer como você deve ser, o que você deve fazer, como você deve pensar. É bacana ter uma ideia verdadeira de quem você é e se manter fiel a ela, não deixando de lado o que você quer por pressão alheia, não deixando de lado o que você acredita para agradar os outros, mesmo porque quando você tiver se tornado um rabino luchador gótico praticante da dieta paleozóica, é possível que nenhuma das pessoas que sugeriram essas mudanças ainda estejam do seu lado pra te apoiar e sobre apenas a sua mãe perguntando “por que essa máscara, Junior?”.
Mas ao mesmo tempo que ser você mesmo e valorizar a personalidade que você tem é importante e saudável, querer ser você mesmo demais e valorizar em excesso a personalidade que você tem não apenas é um pouco perturbador como pode atrapalhar bastante os princípios básicos do convívio social – além de ser uma justificativa bem babaca quando você faz algo errado.
Isso porque a vida é um eterno processo de conciliação em que quase nunca a gente tem exatamente o que a gente quer, basicamente porque não daria pra todo mundo ter exatamente tudo o que quer o tempo todo – ainda que eu vá ser o primeiro a admitir que algumas pessoas têm o que quer com muito mais frequência do que outras. Você pode achar terrível ouvir música com fone de ouvido, mas num ambiente com outras pessoas, vai ter que aceitar isso. Você pode achar péssimo esperar meia hora pra sacar dinheiro no caixa, mas, se tem uma fila, você vai ter que ir pro fim e pronto. Você pode achar que o tempo é apenas uma construção aleatória do homem, mas se marcou com a galera seis e dez, seria bacana chegar mais ou menos nessa hora.
E é nesse ponto que as coisas complicam, porque existe um grande volume de pessoas – cada vez maior, na verdade – que confunde “ser ele mesmo” ou “ser fiel a sua personalidade” com não se importar com os outros. Estou ouvindo música alta no ambiente de trabalho e dançando na minha cadeira enquanto todo mundo tá tentando trabalhar e termina relatórios? Não sou babaca, sou autêntico. Traí a namorada com a irmã dela na véspera do casamento? Não sou uma pessoa bizarramente dissociada nível “vilão de novela mexicana que agride órfãos”, sou apenas fiel aos meus instintos. E claro, não sou uma pessoa escrota com quem os outros evitam falar porque é impossível trocar duas frases sem que tudo vire uma discussão maluca, eu só tenho uma “personalidade forte e ácida”, um clássico cada vez mais presente em nossas vidas.
Então é bacana, por mais que a gente deva sempre fazer o esforço válido de agir diante de nossas vontades, princípios, interesses, lembrar que existe aí, na família, no trabalho, no relacionamento, outras pessoas que também tem suas vontades, seus princípios, seus interesses, também tentando lidar com eles. E que tentar atropelar essas pessoas com as nossos desejos e necessidades não é ter personalidade forte, não é ser fiel a si mesmo, é apenas ser babaca, nos mais variados níveis que a babaquice pode ter. E sua mãe nunca te disse, antes do seu primeiro dia de colégio, a frase “vai lá e seja um tremendo babaquinha”, eu posso apostar.
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