O que você pode fazer pelo mundo?

Um homem que já fora expulso da Universidade de Harvard duas vezes, a primeira por gastar todo seu dinheiro farreando com uma trupe mambembe e a segunda por “irresponsabilidade e falta de interesse”. Um homem que levara a própria empresa à bancarrota e que passava por problemas decorrentes do abuso de álcool, devido a remorsos decorrentes da morte da sua filha por paralisia infantil. E que chega ao ponto de cogitar pular nas águas geladas do lago Michigan.

A essa altura o leitor já deve estar se perguntando: “Eu realmente deveria conhecer este homem?”. A minha resposta é sim, pois este homem resolveu fazer um experimento que consistia em achar a resposta para a seguinte questão, em suas palavras:

“Descobrir o quanto um indivíduo miserável e desconhecido com uma esposa dependente e um filho recém nascido pode fazer em benefício de toda a humanidade.”

Senhoras e senhores, eu tenho o prazer de apresentar Richard Buckminster Fuller.

“Pode me chamar de Bucky.” | Créditos: Buckminster Fuller Institute.

O experimento realizado por Bucky durou mais de 50 anos foi capaz de transformá-lo em um dos pensadores e inventores mais influentes do século XX. O resultado? 28 patentes e 28 livros (pode-se dizer que Bucky era realmente obcecado em registrar as suas idéias), 47 condecorações de mérito, um carro, uma casa e o domo geodésico, seu artefato mais famoso, construído mais de 300.000 vezes.

Sinergia

Essa é uma das palavras chaves para entender o mundo em que Bucky vivia. Ela descreve os efeitos inesperados que surgem dentro de um sistema que não poderia ser previsto pela análise individual de suas partes. A partir da sinergia surge a visão holística que guia boa parte das ideias de Buckminster Fuller.

A concepção de planeta como um sistema regenerativo onde cada organismo ao ser guiado pelos seus instintos de sobrevivência também acaba desempenhando um papel secundário que ajuda a equilibrar o planeta como um todo. Como, por exemplo, uma abelha que ao buscar o néctar para sua sobrevivência acaba ajudando na reprodução das plantas através da polinização.

De acordo com Bucky, o afastamento do homem da natureza, na migração para os grandes centros urbanos, fez com que a humanidade perdesse essa noção de como a natureza funciona globalmente e passasse a consumir recursos de forma irracional e insustentável, devido a sua busca incessante por dinheiro.

No entanto, Fuller acreditava que a tecnologia e os recursos que a humanidade dispõe já são suficientes para supri-la com alimentação, casa e transporte. No entanto, ele acreditava que essa revolução não deveria vir pelo controle do pensamento das pessoas por meio de discursos ou de revoluções violentas, como o faziam e ainda fazem muitos chefes de Estado, mas por uma revolução de design.

Tal revolução consistia em propor soluções práticas e sustentáveis como alternativas para os problemas da humanidade, o que faria com que fosse muito mais rápida a adesão da população a um modo de vida sustentável. Como essa solução não desabona os efeitos educativos da conscientização das pessoas, Bucky chegou a propor um jogo denominado World Game para educar a população a respeito dessa visão holística quanto ao uso de recursos.

Entendeu como manter a tensão igual em qualquer ponto?

Os artefatos

“Fazer o mundo funcionar para 100% da humanidade, por colaboração espontânea, sem dano ecológico e sem prejudicar ninguém.”

As invenções de Buckminster Fuller eram por ele chamadas de artefatos, sendo todas construídas com base na ideia de procurar fazer cada vez mais com cada vez menos, utilizar a eficiência máxima ao utilizar os recursos e a tecnologia para construir soluções que fossem sustentáveis.

Esses projetos eram baseados no que Bucky denominou de Ciência do Design Compreensivo e Antecipatório, que se caracterizava por pensar holisticamente, antever os problemas, propor uma solução por meio de protótipos e testá-la cientificamente enquanto todo o processo é documentado.

Outra curiosidade a respeito dos artefatos é que, geralmente, eles tinham uma grife chamada Dymaxion (junção das palavras dynamics, maximum e tension). A ideia dessa “marca” era mostrar que aquele artefato não estava separado dos demais e que, juntos, os artefatos consistiam num plano maior para resolver os problemas de sustentabilidade. Foram muitas as ideias que receberam essa grife: de projetos para banheiros a um conturbado método para dormir, que supostamente faria com que 2 horas de sono por dia fossem suficientes para repor as energias.

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Carro Dymaxion

Link YouTube

O Carro Dymaxion foi um carro conceito com três rodas desenvolvido por Buckminster Fuller em parceria com Isamu Naguchi, com foco na eficiência aerodinâmica do protótipo. Este foi um dos projetos que ajudaram o Bucky a dar a volta por cima, depois de ter ido à falência.

O carro Dymaxion podia transportar 11 passageiros, atingir velocidades de 140km/h (apesar dos projetistas alegarem que o veículo poderia alcançar 190km/h, essa velocidade nunca foi efetivamente alcançada), era um carro fácil de manobrar (basta dar uma olhada no vídeo acima) e ainda era bastante econômico, podendo atingir mais de 12 km por litro de combustível. Se você não está impressionado com isso, lembre-se que o carro foi apresentado em 1933, ainda antes da segunda Guerra Mundial!

Dymaxion Car e um Ford: realmente o design e aerodinâmica estavam bem à frente do seu tempo.

Casa Dymaxion

Este artefato foi projeto ainda no final da década de 20 do século passado, no entanto sua construção só se deu efetivamente em 1945. As casas Dymaxion foram uma das propostas de Bucky para o problema de moradia de uma maneira sustentável e confortável. O objetivo era que esse artefato fosse capaz de ser produzido em massa, tivesse um custo aceitável, fosse fácil de transportar e reduzisse o impacto ambiental.

O protótipo se mostrou capaz de resistir a tempestades e terremotos, foi construído com materiais que não necessitavam de manutenção ou pintura, possuía um telhado pênsil com uma coluna central (dentro da qual a casa poderia ser empacotada e enviada para qualquer local), além de ser projetada para diminuir os gastos com climatização.

Na época que foi construída ela possuía um preço semelhante ao de um Cadilac e a idéia era que ela fosse produzida e vendida em massa como os automóveis para que seu custo fosse financiado em cinco anos.

Bucky e uma maquete da sua casa Dymaxion. Créditos: Buckminster Fuller Institute.
Não ficou só no papel.

Mapa Dymaxion

O mapa Dymaxion foi a solução encontrada por Bucky para obter uma projeção bidimensional da espaçonave Terra, que resultasse em uma menor deformação tanto na questão da forma como no tamanho das superfícies.

Essa projeção apresentava também a vantagem de mostrar os continentes como uma única massa de terra flutuando em um único oceano.

Por essa perspectiva o mundo até parece um pouco menos dividido.

Domos geodésicos

Os domos geodésicos foram responsáveis por tornar Buckminster Fuller mundialmente famoso. São estruturas extremamente leves, no entanto bastante resistentes devido a sua capacidade de distribuir por toda a estrutura as tensões aplicadas em um ponto. Como os domos geodésicos possuem um formato esférico, esta construção possui uma razão volume por superfície elevada, o que resulta num menor consumo de matérias e diminui a troca de calor com o ambiente, resultando em economia com gastos de climatização.

Essas estruturas foram exaustivamente produzidas. Há uma desses domos no Epcot Center. Aliás, muitas vezes o Bucky é injustamente conhecido como “o cara que projetou o globo do Epcot Center”.

“Quem é esse? O Walt Disney?”

Resultados do experimento de Bucky

“Ouse ser ingênuo.”

Bucky veio a falecer em 1983. Deixou um grande número de contribuições e ideias nas mais diversas áreas como engenharia, arquitetura e educação, servindo de inspiração para diversos movimentos e comunidades alternativas. Seus pensamentos a favor de um mundo colaborativo e focado na sustentabilidade são cada vez mais presentes e mais discutidos.

Minha única ressalva é quanto à falta de livros do Bucky traduzidos para o português. Porém, acredito que vale a pena o esforço de ler Buckminster Fuller mesmo que no idioma bretão.

Link YouTube | “Todo mundo é astronauta. Vivemos em uma bela espaçonave chamada Terra”

Leonardo Xavier

Ser humano complicado e cheio de ideias contraditórias, viciado em chicletes e em qualquer coisa que contenha cafeína. Até entende certas coisas, mas não consegue concordar. Por isso escreve no <a>"Discordando do mundo"</a>."