Por volta dos dez anos de idade, meu pai levou minha mãe, meu irmão e eu em uma longa viagem de carro por aproximadamente 2000 Km de Anápolis até Belém, onde nos deixou na casa da nossa avó materna dizendo que retornaria em breve. 

Deu um beijo em mim e no meu irmão, falou algo com a minha mãe, entrou no carro, deu a partida e nunca mais voltou.

Eu, como muitos homens, carrego em minha história a marca de um abandono parental.

A forma como nos relacionamos com as experiências pela vida tem muito a ver com nossos traumas. Queiramos ou não, há diversos momentos nos quais aversões ou apegos construídos até no acalento do seio materno definem as reações que temos ou teremos em nossas jornadas. 

Quem é fã de longas elocubrações tem aí um prato cheio pra formulação de teorias sobre si.

Eu tento ser um pouco mais ponderado, sei que essas marcas não geram consequências matemáticas, mas entendo que efeitos inesperados e outros bastante comuns ocorrem.

No meu caso, acabei criando um uma certa ordem mental de que as “coisas de menino” eram naturalmente nefastas.

Antes, eu até jogava futebol, apesar de ser péssimo, e lembro de situações muito embaraçosas na infância. Meu pai, que era jornalista esportivo, me levava a todo tipo de evento e uma pá de jogadores da época eu conheci. Porém, de repente, passei a abominar o ambiente, o frenesi e comecei a enumerar as irracionalidades cometidas pelos fãs do esporte.

Por um certo tempo, condenei várias outras atividades e interesses ditos masculinos. Essa coisa das lutas, dos carros, da loucura competitiva, da grosseria, da cegueira emocional e até mesmo a forma como se tratavam e o que esperavam de meninas… tudo isso me dava náuseas.

Ao mesmo tempo, algo em mim tentava se encaixar e sentia uma certa inveja de quem estava no padrão. Eu sofria, claro, quando via que esses padrões não eram fáceis de se atingir e eu, por mil razões, estava longe de ser como aqueles meninos.

Assim, fui formando a minha masculinidade baseado principalmente na aversão ao masculino. E, de uma forma bastante irônica, assimilei diversos caracteres de um masculino tóxico dessa forma. Sem querer, me tornei um homem até simpático em relações breves e superficiais, mas distante na hora de aprofundar os contatos, seja nos meus relacionamentos com mulheres ou com outros homens.

Mas um momento chave pra mim foi um evento bem trivial, quando organizamos uma partida de futebol no Papo de Homem.

A foto é antiga, mas o sentimento segue vivo

Foi extremamente divertido encontrar os amigos, ver alguns ali se estressando além da conta, outros sendo perna de pau, outros mandando muito bem. Fizemos piada com as performances uns dos outros e rimos muito num clima leve.

Leia também  Por que suprimir as emoções faz dos homens as principais vítimas de suicídio?

Porém, o que me chamou atenção foi como eu me sentia de uma certa forma culpado. Algo em mim não queria fazer parte do grupinho dos meninos e se sentia mal por estar gostando.

Eu sou um desses caras que entrou de cabeça no que se convencionou chamar de “processos de desconstrução”. Claro, não me considero nenhum monge que atingiu a perfeição da forma e agora, sim, é um exemplo. Sou falho, cometo mil mancadas, mesmo tendo rejeitado de coração esse masculino tóxico.

Mas desse evento futebolesco pra cá, o processo tem sido outro. Tenho feito um esforço de ressignificar padrões ditos “masculinos”, se é que existe tal coisa, mas por uma outra via.

Continuo procurando desconstruir comportamentos nocivos, mas também tenho procurado ver de maneira lúdica o que pode ser considerado saudável, positivo.

Estamos em um momento no qual até mesmo dizer que há alguma coisa de menino ou de menina é visto como negativo. E, claro, todos já sabemos de onde isso vem. Tem gente morrendo por causa desse tipo de padrão e isso não deve de nenhuma forma ser minimizado. 

Mas no nível mais cotidiano, talvez seja benéfico que não apenas não cobremos dos outros que se enquadrem nesses padrões, mas também que não nos cobremos. Que possamos ver essa linha imposta como uma possibilidade lúdica, uma forma que podemos ou não assumir.

Afinal, o homem perfeito só existe na ficção. Não adianta fugir de tudo o que é masculino e nem adianta preencher todos os pré-requisitos na lista do machão moderno. A sociedade que nos forma tem maneiras invisíveis de nos moldar e de nos diferenciar.

O que nos resta é a missão de sermos os melhores que conseguirmos. Afinal, seja pela via da atração ou da rejeição aos padrões, vamos ser sempre apenas o que somos: homens reais.

Mecenas: Natura Homem

Compre aqui.

Novo Natura Homem Dom é inspirado no homem que tem o dom de unir sua força e doçura. Acreditamos que há diferentes formas de masculinidades e apoiamos esse movimento. O homem não precisa encarar sua realidade de forma tradicional ou radical. Não há mais motivos para ser extremista. Esse homem aprendeu a seguir sua compaixão e decidiu agir da sua forma no mundo, encontrando balanço para quais batalhas valem a pena encarar e como as enfrentará.

Natura Homem Dom celebra o homem que chora, o homem que ri, o homem que demonstra sentimentos, o homem que diz 'Te amo".

Luciano Ribeiro

Cantor, guitarrista, compositor e editor do PapodeHomem nas horas vagas. Você pode assistir no <a>Youtube</a>