Fui agredida no meio de uma transa.
Não foi a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que eu levava um tapa. Homens têm essa relação peculiar com as bundas grandes. A bunda, ao ser detectada, deixa de ser uma parte do corpo de outro ser humano e passa a ser um objeto de desejo dando sopa pela rua. Uma formação sólida em Pornografia I rende uma certeza absoluta de que tapas em bundas rendem gemidas.
E há mulheres que gemem quando levam um tapa na bunda. Inclusive há mulheres que gemem sem fingir. Que esperam por um tapa. Que imploram por um tapa. Somos mais de três bilhões. Há mulher de tudo quanto é jeito. Inclusive mulher que não gosta de levar tapa na bunda.
Então, quando levo o primeiro tapa na bunda, eu não me sinto agredida, pois não espero que o cara adivinhe minhas vontades e preferências. Mas faço questão de deixar claro e explícito: se me bater de novo, baterei nele de volta.
O primeiro que fez isso me respeitou. O segundo também. O terceiro nunca mais me deu um tapa. O quarto ignorou minha insatisfação.
E foi assim que ele me agrediu.
Sou razoável. Conheço o mundo onde vivo. Sei que qualquer enquete vai apontar que um tapa na bunda está mais para demonstração de carinho do que para agressão. A minoria aqui sou eu, mas a democracia não se aplica ao sexo.
Sexo é consenso.
No sexo, não vale tudo. Vale o que é de comum acordo entre duas pessoas. Se alguém concorda com algo que não queria fazer, mas decide ceder para agradar o outro, também vale. Mas se a discordância é clara, se é dita em voz alta, qualquer ato que vá contra essa vontade explícita configura abuso e agressão.
Não estou traumatizada. Não vou passar a aplicar questionários com homens que querem dormir comigo para garantir que só deita na minha cama quem pensa como eu. Há de se respeitar, inclusive, o direito de quem acha que um tapinha não dói e jamais vou repreender quem inclusive adora um tapinha, um tapa, um tapão.
Porém, é inadmissível o comportamento de um homem que escuta a insatisfação de uma mulher depois de lhe dar um tapa, escuta o pedido para que ele pare (e não foi um pedido com voz meiga e significados ocultos) e então insiste no motherfucking tapa.
A minha atitude foi encerrar o sexo no meio e chutar o cara pro lado. Ele viu que foi um erro e não revidou. Nem soube o que dizer. Era um bom amigo, mas um amante insignificante. Hoje, pra mim, é um nada.
Link YouTube | O comediante norte-americano Louis CK (bem diferente dos nossos, que fazem piada sobre estupro) fala sobre essas estranhas pessoas que não entendem que “no means no”.
Esse agressor não vai ser denunciado. Eu me defendi na hora e estabeleci o meu limite. Ele sempre pareceu alienado aos sentimentos alheios e provavelmente anda por aí achando que nada de errado aconteceu. Mas ele já não pode me atingir.
Não preciso de um boletim de ocorrência ou uma campanha difamatória para me sentir melhor comigo mesma. A culpa não foi minha, e eu não fiz nada para merecer isso. E não dou um centavo para vocês que já estão pensando em comentar algo sobre como a responsabilidade por ter desenvolvido uma bunda grande, redonda e convidativa é minha, ou que eu deveria ser menos exigente e aceitar a brincadeirinha inofensiva porque, afinal, homem excitado simplesmente não consegue se controlar, né?
Só vim aqui para mostrar quem manda nessa bunda.
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