Há alguns meses eu me matriculei num curso de paraquedismo. Primeiro fui ao aeroclube e fiz um salto duplo. Incrível. Um instrutor oferece algumas orientações, você coloca todo o equipamento e segue para o avião que vai subir até 12 mil pés.
Na aeronave, todos estão bem próximos, encaixados uns nos outros, e o mundo pode ser bem melhor quando nos sentimos confortáveis com o toque e a proximidade física. Não importa se são homens ou mulheres, somos um grupo e queremos que todos façam ótimos saltos em segurança.
Ao caminhar em direção à porta do avião, ao enxergar os outros paraquedistas se lançando no céu, é quase inconcebível a ideia de se lançar no nada. Uma das filosofias do paraquedismo é “independente do que está sentindo, faça o que tem que ser feito”. E assim eu fiz.
Ao fazer o combinado e entregar seu corpo ao vento você se encaixa ao espaço numa queda livre a 200 km/h que só faz pensar o quanto voar é mesmo incrível e que a vida pode ser mesmo maravilhosa ali de cima.
Quando o paraquedas abre, o mundo é um só silêncio e você pode ver seus pés balançando sobre a cidade em miniatura. Você é tão grande e o mundo e todos os seus problemas são tão pequenos. “Sou livre, enfim” é o pensamento que vem.
A saída pela porta do avião é tão simbólica que desde aquele dia eu repito para mim mesma quando estou enfrentando situações muito desconfortáveis:
“Se eu saio pela porta daquele avião, eu consigo fazer isso”.
Esse pensamento virou uma espécie de mantra no meu dia a dia. Reuni toda a minha vontade e me matriculei no curso de paraquedismo para poder saltar sozinha, sem instrutor, comandar meu próprio paraquedas e navegar a sós pelos céus do mundo.
Sair pela porta do avião é ainda um desafio imenso para mim. Tenho que reunir minhas forças, fazer muitas respirações, usar todas ferramentas psicológicas a meu favor para fazer o enfrentamento. E assim que saio pela porta daquele avião, sou uma Paula voando pelos céus de Manaus uma vez mais e pousando feliz no aeroclube.
Ao deitar na cama, antes de dormir, é quase impossível conter o suspiro de satisfação provocado pelo prazer de repousar o corpo no colchão. Ao deitar no sofá em frente à TV é quase incontrolável o pensamento “quero que o mundo acabe aqui”. Ao relaxar sob a água morna do banho é incrível sentir todo o corpo agradecendo.
Quando tentamos conter nossa vida na zona de conforto, ela própria, dinâmica que é, nos impõe mudanças, movimento, “desconfortos”. Hoje o chuveiro estraga e você tem que chamar o encanador. Amanhã a TV para de funcionar e você precisa consertá-la. Outro dia é a cama que perde uma de suas molas e precisa ser reparada.
Por mais restrita que seja a nossa área de ação, certas mudanças vão acontecer, imprevistos vão surgir e você estará exposto. Por isso, eu me lanço no mundo me colocando em condições que exigem bastante de mim, nem que seja enfrentar duramente um banho gelado ou enfrentar as portas do avião que me faz prender o ar e pensar “vou morrer agora”.
Se hoje você só fica confortável no sofá, na cama ou no banho, sua área de ação é muito restrita. É melhor se levantar e fazer alguma coisa, ir à padaria. Hoje será desconfortável, amanhã um pouco menos, até que um dia caminhar até a padaria será mais uma de suas zonas de conforto.
Eu espero pelo dia em que saltar pela porta do avião se tornará confortável para mim. E então escolherei uma outra “porta de avião”.
Quando nos colocamos em movimento, naturalmente, as situações problemas vão se diversificar e podemos treinar mais vezes o enfrentamento das dificuldades.
Quando nos lançamos ao mundo é como se nos qualificássemos um pouquinho mais para a arte da vida leve, equilibrada, simples.
A verdade é que quanto mais nos colocamos em situações desconfortáveis, mais opções de situações confortáveis nós temos.
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