Quando garoto, você ia a bailinhos dos mais diversos (na garagem de algum amigo, no clubinho do bairro, no acampamento de verão, onde quer que fosse) e tinha, em algum momento, que tirar uma menininha para dançar.
Que época pesada para um menino. Sem experiência, sem a menor capacidade de lidar — ainda — com frustrações, você tinha que juntar cara e coragem e ir até o outro lado da “pista de dança” para chamar uma garota para dançar. Sofrimento antecipado, sudorese, boca seca, a porra toda. Não me venha dizer que, aos 14 anos, você já era malandro e comedor e ia na maior facilidade. O fingimento podia ser o mais convincente e muitos se davam bem nessa. Mas que todos os homens já morreram de medo nesse tipo de momento, amigos, é uma afirmação certeira.
Mas, pudera! Você contava com o acaso. Você ia com o seu “sim”. Ela podia dizer não.
Um dia ruim, tanta vergonha quanto você, o cerco pesado das outras coleguinhas, um esporro do pai ou da mãe (“você não me seja louca de ficar de esfregação com menino nenhum nessa festa, hein!”), um bilhão de detalhezinhos que poderiam afetar o som ou o não dela.
É contar muito com a sorte.
Tranquilize-se homem. A culpa não era sua. Tire o peso das costas, mulher. A culpa também não era sua.
Agora, se o amor sempre foi um campo de batalha, outras situações da vida dependem única e exclusivamente de você e da sua vontade. Nem estou falando de coisas grandes, de conquistas que definirão os divisores da sua vida, que transformarão o seu futuro. Coisas mundanas que só dependem de você e que, por isso, te dão uma sensação horrível de viver.
É uma angústia só de lembrar. A respiração muda sempre que vêm à mente. Um exemplo, ainda do passado: quando, já na hora do Sai de Baixo na TV, depois dos gols do Fantástico, você tinha de arrumar a sua mochila pra ir à escola no dia seguinte. Você pegava a agenda para ver, no calendário, quais seriam as aulas de segunda e, ao colocar os cadernos dentro da mala, lembrava que tinha esquecido da lição de casa. Pior ainda era lembrar da mesma lição sábado de manhã, logo depois de ser convidado pra jogar videogame na casa do bróder. Lembrar da lição fazia a cabeça baixar, os braços amolecerem.
E não tinha cristo ou ventura que pudesse te salvar. A escola não seria levada, durante o final de semana, por um furacão. Ou você fazia as contas de matemática ou aguentaria a consequência na segunda.
Hoje, já não criança, a maldita sensação continua. Por que haveria de cessar, né?
Um documento que você tem que tirar, mas é a burocracia mais pé no saco pra conclusão. Só de pensar em começar a mexer na papelada, lá vem o desespero, a depressão, a bad. O sistema não vai mudar, a sua mão não pode ir lá levar os documentos pra você.
Vai. Bota aí mais um sem número de situações e voilà. Você já sabe do que tu tô falando.
Agora, por que que a gente sofre tanto com isso? Seria mundo injusto?
Sim. Mas não é essa a causa, afinal, o lance é só contigo.
Para e pensa:
Você vive a vida todinha contigo. Desde o começo atá o presente momento em que você lê esse texto, coladinho a ti está você mesmo e, com isso, sabes muito bem das falhas mais escabrosas e deslizes mais infantes que és capaz de cometer. Ora bolas, como confiar em um cara que já falhou tanto com você?
O problema é você mesmo, amigo!
Me desculpa pela tamanha repetição da segunda pessoa do singular. É que esse texto deve ser lido como algo muito próximo mesmo, bem pessoal, com aquela pitada confessional quando lido em voz alta (mesmo que na tua cabeça). Claro, não poderia ser de outro jeito. Eu estou falando contigo e não com qualquer outro leitor desse site esquerdino.
Retomando o raciocínio, você já deu provas o suficiente de não ser alguém confiável. Logo, sempre que tu dependes de ti mesmo, vem aquele ranço irracional, aquele peso que não se sabe bem o porque. Agora temos o fato: ficamos chateados porque teremos que nos aturar mais uma vez.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.