Ela fecha a porta de casa. A tranca automática nos isola de vez do mundo lá fora.

— É… um belo lugar – digo, sem realmente perceber nada de mais. A sala de estar é grande, tem um sofá de três lugares em frente a uma TV. Enquanto tento encontrar outras palavras para quebrar o silêncio que se estende desde que saímos do bar e entramos no carro, e que se insinua de forma meio incômoda, ela me agarra e me vira, e antes que eu possa reagir sua boca se encontra com a minha. Ficamos com os lábios espremidos por uns cinco segundos. Eu não me mexo.Percebo que fechou os olhos. Depois do que parece uma eternidade ela se afasta, abrindo-os.

— Desculpa se te assustei. Às vezes sou meio impulsiva…

—  Na-não – digo, gaguejando. – Não se preocupe, não fiquei assustado.

—  Que bom – ela se agarra em mim novamente, me empurrando para trás. Eu quase caio, tropeçando no tapete entre o sofá e a TV. Ela me joga no sofá e começa a desabotoar a camisa. Não sei se deveria esperar por isso. Não tenho a mínima idéia do que fazer. Seu nome é Kátia, um modelo JZER 5.7. No meu sistema de análise baseado em convenções humanas ela se sai entre “maravilhosa” e “capa de revista”: 1,68m, 55 kg, cintura fina, quadris largos, bunda rechonchuda e seios fartos. Rosto delicado, nariz fino, boca larga e carnuda e olhos fundos e pequenos. O cabelo preto liso vai até os ombros. – Você me quer? – ela diz, mordendo o lábio inferior. Eu demoro um pouco pra perceber que me perguntou algo.

—  Ah. Sim, claro.

—  Você… me quer mesmo?

—  Unhun.

—  Hm, que delícia – ela tira o sutiã. Seus seios são redondos e alongados em cima, em formato de pêra. Parece certo eu dizer algo agora.

—  Você é tão… simétrica. Sim, simétrica. Tudo nas proporções adequadas – talvez eu entenda um pouco do gingado.

—  Oh, querido, que bom que você acha isso – ela fala, tirando a calça. Quando está apenas de calcinha para de se despir e coloca as mãos na cintura, olhando para mim completamente sem reação esparramado no sofá. Vira a cabeça de lado. – Querido, você já fez isso antes?

Como eu gostaria de poder mentir. Apenas balanço a cabeça.

—  Oh, meu bem, me perdoe. Eu supus que você já tivesse. Desculpe se estou indo muito rápido.

—  Não, já disse que não há problema. Talvez você pudesse… me ensinar. Não tenho nada do tipo programado.

—  Então você está muito desatualizado! Há quanto tempo não atualiza sua interface? Bom, não se preocupe, eu posso lhe mostrar. Você pode começar tirando a roupa.

—  Certo – digo, me levantando e me despindo. – Kátia, você já fez muito disso antes?

—  Oh, sim, muitas vezes. Por quê?

—  Não, nada. Você… está programada para fazê-lo sempre?

—  Esporadicamente. É uma diretriz relacionada com o ambiente de trabalho. É o tipo de coisa sobre o que as humanas que trabalham comigo costumam conversar, e eu preciso ter algo sobre o que falar também, entende? Você está tendo alguma dificuldade com a calça?

—  Não, não. Tudo bem – digo, finalmente desabotoando-a.

—  Oh – ela diz, olhando entre minhas pernas.

—  O quê? Ah sim, me desculpe, não estou usando cueca.

—  Não é isso, querido, é que você… não tem o implante – ela aponta a área lisa de pele sintética que junta minhas pernas, onde em um ser humano haveria algo deveras diferente.

—  Me desculpe… Você esperava que eu tivesse?

—  Não, não. Andróides com implantes são raríssimos, eu nunca cheguei de me envolver com um que tivesse – ela abaixa a calcinha por suas pernas torneadas, tirando-a por um pé e depois pelo outro. Noto a mesma característica em seu corpo. – Eu não tenho também – ela diz, tocando sua área hipoteticamente genital.

—  Hm – resmungo, surpreso. – Me perdoe, mas você ficou frustrada quando percebeu que eu não tinha o implante?

—  Não, querido. Eu simplesmente me empolgo demais. Curiosidade, pura e simples. Eu sei que as chances de encontrar um andróide modificado são mínimas, mas não perco as esperanças de encontrar um algum dia. Não leve a mal.

—  De forma alguma. E agora?

—  Vamos pro quarto – ela pega minha mão e me leva até o fundo da sala, onde abre uma porta que eu não percebera antes. A luz liga quando entramos e me vejo num cômodo pequeno, com uma cama de casal, um armário embutido e outra porta que dá num banheiro anexo. Aos pés da cama ela me abraça e encosta a boca novamente na minha. Ficamos imóveis por outros desconfortáveis segundos, as bocas coladas. Depois de um tempo coloca a mão atrás da minha cabeça e começa a coçá-la. Procurando em meus registros reconheço o ato como carinho. Outra característica humana de afeto. Quando resolvo copiá-la ela se afasta, encerrando o beijo. Então me empurra pra cama. Caio no colchão, desconcertado. – Você gosta de mulheres que tomam a iniciativa? Porque eu posso te dominar e fazer você perder a cabeça. Ou algo do tipo.

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—  Sim, pode ser – ela pula em cima de mim, fazendo a cama balançar.

—  Você… quer tocar meus seios? – diz, uma espécie de sorriso malicioso nos lábios. Não há histórico disso no meu sistema.

—  Tudo bem – sentada em meu peito, ela guia minhas mãos. Eu os tateio, sentindo seus contornos, apertando-os. – São macios. E firmes – com os dedos, analiso os bicos rosados, apertando e empurrando de leve. – São idênticos? Quer dizer, aos das mulheres humanas.

—  Perfeitamente idênticos. Uma humana com um par de seios como esse seria de “de parar o trânsito”, segundo me disseram.

—  Entendo – acaricio-os por mais alguns segundos. – E agora?

—  Agora eu costumo gemer. Sabe como é, os vizinhos – ela começa a emitir ruídos estranhos. São eufóricos, animalescos e desconcertantes. – Me acompanha, Cinco Meia Oito!

—  Claro – começo a imitar os gemidos. Com minha voz padrão eles soam bem mais graves. Ficamos nisso por uns dois minutos.

—  Eu também costumo pular na cama. Parece que estamos fazendo mil loucuras sobre o colchão.

—  Por quê alguém faria mil loucuras sobre o colchão?

—  Não pergunte pra mim, só sei que fazem. Vamos, levante! – ela me puxa e começamos a pular. Os pés da cama arranham o chão, a base treme. Ela volta a gemer e eu faço o mesmo. – Seu safado! Vai! – Isso me pega de surpresa. Fico imaginando o que os vizinhos pensam de Kátia, se são humanos ou andróides. Ela me cutuca, indicando que devo responder algo.

—  Sua… Seu cabelo é muito bonito!

—  Ai, ai! Você me deixa louca. LOUCA!!!

—  Você é muito simpática!

—  Isso, isso, vai! Nossa, que máquina! Não para!

—  Eu não vou parar! Mas… Mas minha bateria não vai durar muito!

Ela volta aos gemidos normais e eu também. Depois de um tempo segura meus braços, cessando os movimentos, emitindo um gemido bem mais longo e alto que os anteriores. Eu gemo junto. – Então, é isso?

— Sim, basicamente. Gostou?

—  Foi divertido – digo, sentando na beirada da cama. Ela vai até a janela aberta e termina de escancará-la. – Pra ventilar – diz.

—  Ah.

—  Cinco Meia Oito, quer algo antes de nos deitarmos?

—  Kátia, se possível, eu poderia me carregar em alguma tomada? Tenho apenas 18% de reserva energética. Eu não estava brincando antes.

—  Claro, claro. Vou pegar uma extensão, assim você pode se carregar na cama mesmo, enquanto hibernamos.

—  Ótimo.

Ela sai para a sala. Eu me pego olhando ao redor. Presto atenção nos sons da cidade pela janela aberta, carros e algumas vozes ao longe. Kátia mora num complexo residencial de uma das corporações, um dos conglomerados de funcionários. Me parece que seu nível de vida não é dos piores. Ela é uma secretária,tem um carro bom, uma casa boa. É de um modelo novo e bem cuidada. Por que será que vai procurar parceiros no Bar Automático? Poderia conseguir bons partidos, melhores que eu, pelo menos, em outros lugares. Imagino que haja bons andróides por aí, com empregos decentes e bons de papo. Ou talvez não se preocupe muito com isso. Afinal, aqui estou eu. Ela volta da sala com uma extensão, que liga na tomada abaixo da janela, plugando a outra ponta na base da minha coluna. Abre o armário, joga uma camisola semi-transparente sobre o corpo, apaga a luz e se deita ao meu lado.

—  Boa noite, Cinco Meia Oito.

—  Kátia, você já vai se desligar? O que acontece agora?

—  Oh, querido, eu tenho que lhe explicar tudo, não é? – ela diz. A luminosidade que entra pela janela é quase nula, mas suficiente para enxergá-la com o visor padrão. – Você dorme aqui hoje, amanhã de manhã tenho que ir pro trabalho. Posso te deixar em algum lugar no caminho. Talvez possamos repetir a aventura algum dia, mas gosto de pensar que sou uma andróide pra frente, que preza por novas experiências. Quem sabe não mudo de ideia no futuro? Espero que tenha sido bom pra você. Pra mim foi ótimo!

—  Certo. Pra mim também, foi ótimo. Obrigado por me ensinar como as coisas funcionam.

—  Ora, eu é que agradeço, querido.

As expressões humanas são de uma precisão impressionante. “Foi bom enquanto durou” atravessa meus sistemas antes de começar a me desligar.

—  Boa noite, Kátia.

—  Boa noite. E não se preocupe. Amanhã falarei horrores de você, garanhão.

Ricardo Santos

Leitor compulsivo e tereréficionado. Escreve nas horas vagas e ocupadas. Fã da dancinha do Khal Drogo, do chapéu do Walter White e do mago barbudo de Northampton. Projeto de gente em desenvolvimento, pós-graduação em topada do dedinho na quina do armário. Brahmeiro.