Das pequenas aflições da vida. Tem gente que se incomoda com o barulho do garfo arranhando um prato, ou então se contorce ao imaginar a folha de papel sulfite cortando a pele fina entre os dedos. Sons agudos, superfícies ásperas, assimetria. São várias as angústias em doses homeopáticas que vemos por aí.

O meu tormento pessoal é pegar carona.

“Vem comigo, eu te dou uma carona”. O que há de errado nisso?

Não exatamente o convite para ser levado de carro de um lugar a outro que eu precise ir, mas algo mais específico: tenho um pouco de aversão da primeira carona com alguém.

Vou tentar explicar.

Eu não uso carro em São Paulo desde 2011. Da antiga casa do PdH para a minha, dava 750 metros. Hoje, caminho dois exatos quilômetros para chegar ao trabalho. Para as outras coisas, necessidades da casa ou lazer, utilizo o bom e velho transporte público de massa ou, bem raro, o táxi. Disso, com maior incidência nos últimos anos, recebo ofertas de carona. Amigos que passarão perto de casa, família e conhecidos recentes que podem me deixar em algum metrô ou rua mais movimentada. 

É dessa terceira linhagem de pessoas que me vem a pequenina aflição. Nada que possa ser diagnosticado como TOC ou qualquer síndrome quase desconhecida, mas apenas um tiquinho de ansiedade da minha incapacidade de perguntar.

Porque, quando estou, sei lá, em algum bar ou qualquer situação em que alguém me oferece carona, no PdH mesmo ou qualquer outro evento, precisamos seguir até o carro para que a carona aconteça. É esse caminho que me mata, é nessa caminhadinha até o carro que eu morro de aflição, geralmente porque eu não faço ideia de qual é o veículo que vamos entrar. Subindo uma ladeira ou adentrando em algum estacionamento, a conversa vai se desenvolvendo, qualquer papo de chegada no carro, e eu me mordo de não saber qual, dentre as dezenas de ofertas de carros para entrar, eu devo efetivamente parar. 

Imagine o pastelão, a pessoa andando como se deve andar, natural, linha reta, passos firmes, e um Jader todo perdido e trôpego, acelerando e freando sem discernimento, botando a mão em um monte de maçanetas incorretas, sendo derrotado celtinha após celtinha, Gol após Gol, SVU atrás de SUV. A pessoa motorista conversa, tagarela, pergunta coisas e eu sem saber o que fazer, pra onde ir. Não é simplesmente seguir a pessoa, caminhar de igual pra igual! Fico em uma posição de subalterno da certeza, inferior à mínima sabedora de qual é o carro que vamos entrar. 

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Me sinto um incapacitado telepático, um zero à esquerda nas previsões mais rasas. E daí a gente chega no carro, a pessoa pronta para dirigir e eu estafado. Probleminhas do cotidiano.

Cotidiano na newsletter do Jader Pires

Pessoal, novidade boa! A coluna do cotidiano vai chegar ao fim aqui no PapodeHomem. Vou escrever até no número #24, que vai ao ar dia 31 de julho.

Estou criando uma newsletter que começará a ser disparada semanalmente em agosto. Nela eu vou escrever um conto ou crônica em cada edição, seguindo a coluna que faço aqui do cotidiano. Também vou colocar indicações de leituras (livros que estou lendo) e outras resenhas pequeninas de música (discos e artistas que estou escutando) e cinema e links massa que eu li durante a semana. 

Neste mês de julho eu começo a escrever o meu segundo livro de contos, ainda sem nome, e quero compartilhar os avanços semanais desse processo de escrever um livro.

Aqui no PapodeHomem, uma nova coluna virá para substituir o cotidiano e continuará intercalando às sextas com a minha outra coluna, a Do Amor. para quem quiser continuar a ler, então, o Cotidiano, basta se inscrever colocando seu e-mail aqui embaixo: 

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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados