Depois dos dois primeiros episódios da série “Papo de Centro Cirúrgico”, estava eu lendo alguns textos da PdH e só vi debates sérios e papo cabeça nos últimos artigos. Nada melhor que uma quebrada para descontrair, então, botei a cachola para funcionar e relembrar mais causos que esses anos de medicina me trouxeram.
Começo com uma prática não muito louvável, mas comum entre os médicos, o popular “esquema”. Não falo daqueles esquemas para não ir trabalhar e receber, mas para aliviar a carga horária. Por exemplo, se um hospital tem 4 médicos no mesmo setor em um dia, vão 3 e um folga, e assim revezamos. Os outros 3 compensam a falta do que está folgando. Se der m…, o da folga fica alcançável para cobrir o buraco.
Então, em um sábado de plantão, à tarde, um colega reclamava que como tinha pouca gente no horário, eles não conseguiam fazer esquema. Nisso, foi para a cantina e, ainda se lamentando, pediu um quibe. Logo depois, ao pedir o molho inglês para a atendente, travou o seguinte diálogo:
Atendente: “Não tem molho inglês”
Colega: “Ué, mas eu trabalho aqui durante a semana, sempre tem molho inglês”
Atendente: “É, mas o dono do bar só fica aqui até sábado de manhã. De tarde ele vai embora, e leva o molho inglês pra não roubarem, então sábado de tarde e domingo não tem”
E o colega, numa das sacadas mais brilhantes que eu já vi, vira-se para o outro e comenta:
“Tá vendo que merda? Aqui até o molho inglês tem esquema, só a gente que não!!!!”
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Esse mesmo colega, uma figuraça e louco de pedra, recebeu uma queixa estranha no ambulatório.
“Dr, minhas juntas doem, mas só quando faz frio”
Ele tentou descobrir outras causas, mas nada, tudo normal. Algo inexplicável, estranhíssimo. Só quando fazia frio.
E não é que o cara vai, escreve algo num receituário e entrega pro paciente?
O que estava escrito? “Mudar para Manaus”
Louco. Definitivamente.
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A queixa desse paciente não era, digamos, esquisita. Mas sou ortopedista, então fiquei surpreso quando ele vira para mim e me pede para examinar seu pinto. Dizia ele que apresentava umas bolinhas no local e estava preocupado.
Bom, eu já havia terminado a parte ortopédica da coisa, então, não custava nada dar uma luz pro cara. Mandei arriar as calças e arregaçar o bicho. Realmente estava com umas perebas lá. Eu disse que aquilo não era normal e que ele procurasse um urologista para uma melhor análise.
Ele então guarda o membro, ajeita a calça, me agradece e ao se despedir…. estende a mão para me cumprimentar… a mesma mão que havia pegado no dito cujo cheio de perebas há alguns segundos.
Olha, foram os 5 segundos mais angustiantes da minha vida, se vocês conseguirem imaginar a cena. Eu, quieto, olhando pra mão dele, pra cara dele, pra ver se o sujeito se mancava. Por fim, fiz um leve “não” com a cabeça. Finalmente ele se mancou e saiu, não sem antes abrir a maçaneta com a mesma mão.
Bom, ao menos calçar luvas e limpar a maçaneta com álcool foi bem tranquilo.
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Nesse mesmo ambulatório, durante a residência médica, a gente adiantava a lista de atendimentos para antes do horário marcado, para podermos sair mais cedo. Mandávamos todos os pacientes chegarem na mesma hora, e atendíamos por ordem de chegada. Como o setor de prontuários do hospital só mandava os respectivos no horário certo, o que fazíamos era começar antes e depois registrar o atendimento. Com isso, a listagem da ordem de chamada era feita com papeizinhos com o nome do paciente.
E aí começava a gaiataria. Era um tal de nego enfiar papel com nome falso pra sacanear o colega ou dar a impressão que tinha um monte de encaixe, só pro colega ficar desesperado, que vocês não fazem idéia. Mas esse episódio aqui foi marcante.
Um novato pegou um dos papeizinhos e olhou. O nome do paciente era “Hagar”.
Ele comenta: “Que é isso, Hagar, o horrível?”
Então ele abre a porta do consultório e grita várias vezes: “Hagar… Hagar…”
Sem resposta.
Então ele resolve gritar mais alto, e o nome inteiro: “Hagar Romeu Pinto!!”
Gargalhada geral, e o cara se sentindo igual ao Moe, quando leva trote do Bart Simpson.
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Falando em ambulatório, eu criei uma boa tática de marketing ambulatorial.
Aproveitando o fato que pacientes com fraturas do quadril não podem andar por algum tempo (normalmente 3 meses) depois da cirurgia, quando eu marcava para o paciente retornar após a consolidação da fratura, mandava ele trazer muletas. Os primeiros passos depois da cirurgia seriam sob minha supervisão no consultório.
Então, quando o paciente chegava na frente do ambulatório, todos o viam na cadeira de rodas. Aí eu o botava pra dentro, fechava a porta, e fazia ele andar com as muletas.
Aí vinha o pulo do gato. Eu abria a porta do consultório e fazia ele dar uma voltinha lá fora. E os outros pacientes, que não sabiam de nada, ouviam um comentário meu: “Tá vendo, chegou de cadeira, saiu andando… Agora volta pra cá!!”
As secretárias depois me contavam os comentários lá fora: “Pô, esse cara é bom, hein?”
Seth Godin aprovaria?
Imagem ajuda, mas não quer dizer muita coisa. As impressões me causaram um puta susto uma vez.
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Estava eu tranquilo no meu serviço como Tenente médico do Exército Brasileiro, quando ligaram para o serviço requisitando um médico ortopedista para cobrir um teste de tiro. Leia-se, os praças iriam atirar de fuzil e o médico tinha que estar ali para qualquer acidente. Pegaram o bucha da vez, esse que vos fala, para ir para o local.
Perguntei onde era, e me informaram que era no CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reseva). Achei estranho, porque o CPOR tinha médico próprio. Por que puxariam um do hospital? Enfim, fui informado pelo instrutor do tiro que eu deveria ir à paisana, e seria levado por uma viatura.
No dia e hora combinados, estou aguardando na frente do hospital e recebo ligação de um cara que se rotula Sargento Fulano, e que era para eu acompanhá-lo dali até a viatura. Então ele apareceu, um sujeito com uma puta cara de bandido, mas simpático.
Bom, fomos até a viatura então. Eu, crente que seria uma daquelas viaturas camufladas verde-oliva, mas a viatura era um Chevette velho todo fudido. Dentro delas, outros 3 sujeitos, cada um mais mal encarado que o outro, com cara de poucos amigos… Entrei no carro e comecei a pensar merda.
“Caceta, pedem um médico pra local que tem médico, aí aparecem esses caras, será que armaram isso pra sequestrar alguém? Golpe de gênio!”
Na “viatura”, papo zero. O Hospital era perto do CPOR, então fiquei na expectativa.
Agora, meus amigos, imaginem a cara que eu fiz e a queda da temperatura corporal, ou ainda, a contratura do meu esfíncter anal quando a viatura Passa reto do CPOR.
“Fudeu, perdi!!! É sequestro!”
E a viatura indo, indo, indo… nada de chegar ao local. E eu me borrando pra perguntar onde eles estavam me levando.
Epílogo: As aparências realmente enganam, eles eram sargentos mesmo, me levaram para o Campo do Gericinó, bem afastado do CPOR, realmente era um teste de tiro e, pra gastar a munição restante, ainda carregaram duas vezes uma pistola 9mm para eu largar o dedo.
Não me culpem por pré-julgar os caras. Muitos aqui fariam o mesmo, com todas essas variáveis envolvidas.
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Soube de um colega para o qual as impressões visuais não contavam. Especialmente sobre seres do sexo feminino. Bastava ser mulher pro cara cair matando. O popular “barangueiro”.
Eis que um outro amigo meu, também médico, está de xaveco com uma garota e tal, e marca com ela para saírem. Mas a garota, ao chegar no bar combinado, usa uma odiosa tática feminina para esses momentos: Leva uma amiga!!
Não obstante, a visão da amiga impediu meu brother de cogitar sequer um menage-a-trois. Era uma baranga gorda daquelas suadas e sebentas. Então, ele resolve apelar e liga para o barangueiro, pedindo para ele dar um pulo no bar, pra dar uma mãozinha.
Quando o dito cujo chega, meu amigo está tenso, já pensando em pedir desculpas por ter metido o cara nessa encrenca, quando as duas vão para o banheiro. E não é que o barangueiro olha pro meu amigo esfregando as mãos, como quem diz: “Me dei bem”?
Resultado: com a amiga “neutralizada” (e devidamente degustada) pelo barangueiro, meu brother também logrou êxito para a degustação.
O mais engraçado foi no dia seguinte, no alojamento dos residentes, tá lá a galera conversando, aí chega o barangueiro e cumprimenta o meu amigo: “Aeee, isso é que é amigoooo!!!”
E ele estava sendo sincero de verdade. Eu quero um amigo assim!
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Faço um mea culpa aqui, porque já que falei de gorda, uma vez dei uma lamentável bola fora.
Quando eu era residente, uma vez internou uma paciente obesa mórbida com osteomielite de fêmur, sob os cuidados da minha equipe. Eu era do 3° ano, e como residente mais antigo, o dever de passar o caso na hora da visita era meu, e o dever de me trazer os exames da paciente, era do residente do 1° ano (R1).
Então quando o chefe de serviço chegou na frente do leito, eu, sem pensar, gritei pro R1:
– “Ow, vai lá buscar o raio-x da GORD….”
Puta merda, consegui me mancar apenas no “D”. Sorte que ela não percebeu, mas os colegas sim, e me chamaram de “Joselito”.
Já diria o Chaves: “Escapuliu…”
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À medida que vamos adquirindo experiência, nossa postura torna-se mais profissional e gafes como as que fiz na residência vão minguando. Essa aqui foi quando eu estava no 3° ano.
Entrei em campo para auxiliar dois residentes do 2° ano numa fratura de clavícula distal. Em cirurgias no ombro, normalmente a anestesia é geral. Como o paciente não estava desperto, podíamos sim conversar nos momentos não cruciais da cirurgia. Por exemplo, você não precisa estar totalmente concentrado quando está suturando pele ou lavando a ferida, diferente de quando está botando o osso no lugar.
Então contei sobre o jogo de futsal que eu havia disputado no domingo, que rolou uma discussão, xingamento pra tudo que é lado, e eu reproduzindo todos os palavrões utilizados.
Então do nada, ouve-se uma voz vinda de baixo do campo operatório: “Vocês falam muito palavrão, hein???”.
Anestesista desgraçado, fez bloqueio de plexo! A paciente estava acordada! E complementou: “Principalmente o Mauricio”
Eu tive que pedir pro cara fazer um Dormonid na veia, que causa amnésia retrógada. Se a paciente ler este relato, não vai acreditar.
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Sem noção mesmo era um gesseiro com quem trabalhei num hospital público de emergência. Simplesmente o cara ia trabalhar sempre de porre. Fazia as imobilizações muito bem, mas com um bafo de cana que vocês não têm idéia.
Celebrando o mundo caótico das emergências públicas, eu nunca esquecerei a cena que esse cara me fez presenciar. Por falta de leitos, uma gestante deu à luz…. na sala da ortopedia. Eu sem saber de nada, quando estou chegando na sala, vejo o gesseiro sair meio cambaleante, com uma fralda na mão, com uma PLACENTA em cima.
Só acredito porque vi.
Link YouTube | Juro que já me senti, muitas vezes, em alguma das esquetes do Hermes e Renato
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Outra de cara totalmente sem noção. Um paciente entra no consultório e me pergunta:
“Dr, osso respira?”
Refeito do susto pela pergunta absurda, expliquei para ele que respirar é algo exclusivo dos pulmões e como o osso recebia sua nutrição pelo sangue.
Aí ele me mostra uma radiografia de sua perna, que tinha uma placa e parafusos na tíbia, e explica o porquê da sua dúvida:
“É porque eu tava vendo essa placa colada no osso, não deve estar deixando ele respirar”
WTF???
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Encerro com um pequeno dicionário pacientês-português, de pérolas colhidas nos plantões da vida:
- Estambo = Estômago
- Ursa perfumada = Úlcera perfurada
- Demagogo de pulmão = Edema agudo de pulmão
- Desligamento cruzado anterior = Ruptura do ligamento cruzado anterior (aliás, definição genial em sua simplicidade)
- Rauxis = Raio X
- Impado = Não se trata de alguém que comeu empada e engasgou com a azeitona, mas de bronquite
- Capitão Grill = Captopril (anti hipertensivo)
- Crofenaque = Diclofenaco (antinflamatório)
- Seu Domonas = não é um distinto senhor chamado Domonas, mas Pseudomonas (uma bactéria)
- Dr. Rino = Otorrino
- Bruno Marcílio = Buco-Maxilo
- Dr Nabuco = O mesmo Buco
- Tiriça = Icterícia (aumento da bilirrubina a ponto de causar cor amarela pelo corpo)
- Carnegão = Entidade que vive em abscessos, que só curam quando você “tira o carnegão”
- Ursulina = Insulina
- Nervo asiático = Não é um nervo existente na população oriental, trata-se do nervo ciático
- Aécis = AAS
- Provolone = Prelone (medicamento par asma)
- Bater um elétrico = Fazer um eletrocardiograma
- Comida remosa = Um clássico dos pós operatórios. Não se sabe ainda o significado, mas a princípio , é gordurosa
- Navagina = Ao contrário do que parece, é só Novalgina
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.