Como já leram aqui mesmo no PdH, moro e trabalho em Dubai, no ramo da publicidade. Um dos projetos mais recentes no qual estive envolvido foi um outdoor desenhado à mão, para a Chevrolet. A ação foi da Leo Burnett.
Vou contar aqui um pouco os bastidores dessa ação, já que vendo o video pronto vocês não tem ideia do perrengue que foi parir essa criança. Como foi quase uma novela, contarei em capítulos.
Fogo amigo
O primeiro obstáculo foi a aprovação da ideia internamente. A comunicação no varejo de automóveis por aqui é na base do “fast food”, como a gente chama. Pegar um brief num dia pra entregar tudo pronto no outro. Por isso o mercado está cheio de “pizzas”, um amontoado de anúncios de carro todos iguais, só mudando a marca, porque até os carros hoje em dia são muito parecidos.
A tarefa principal dessa campanha era liquidar o estoque dos modelos 2010 para a chegada dos modelos 2011. Com certeza uma pizza não ia resover esse problema; a Chevrolet precisava se destacar. Foi aí que chegamos a esse conceito de “economizar” na propaganda, para repassar maiores descontos para os clientes. A campanha consistia em mídia impressa, ativação digital, rádio e a peça chave da campanha: o outdoor desenhado à mão.
Os atendimentos da conta ficaram desesperados porque mostramos o conceito no dia de apresentar pra o cliente (de propósito, claro):
“Rafael, você sabe que essa é umas das campanhas mais importantes do ano, vocês tem um plano B? Você sabe, o cliente sempre quer ver fotos dos carros.“
No final, depois de muita conversa e tentativas de assassinato, a ideia sobreviveu e foi aprovada pelo cliente com louvor.
Macaco albino
Por incrível que pareça, uma das partes mais complicadas do processo (que quase derrubou a idéia) foi achar um artista ideal pra empreitada. O briefing não era fácil: tinha de ser um desenhista bom nesse estilo de ilustração, ter experiência com graffiti devido as proporções enormes do billboard e tinha que ser um cara com perfil de vendedor da Chevrolet. Ou seja, mais difícil do que achar um macaco albino.
Pra colocar ainda mais dificuldade, aqui em Dubai o grafite ainda não é visto com bons olhos ou como um forma de arte urbana pelas autoridades como aí no Ocidente, os que fazem isso por aqui meio que escondem a identidade e pra chegar até eles você tem que ter muita persistência e fé em Deus.
Finalmente conseguimos achar um cara ideal, Sasan Saidi, através do contato que peguei com um amigo do amigo do amigo do primo duma pessoa que fez um trabalho com esse cara dois anos atrás.
Santo Graal
Outro detalhe muito importante do processo foi a escolha do material. A superficie do outdoor é feita de uma lona plastificada, então definitivamente não queríamos usar tinta spray. Pra ser fiel a ideia, tinha de lembrar uma caneta e tinha de ser da cor azul. Não era qualquer tinta que aderia na lona, apenas tinta acrilica.
Além disso tudo, a espessura dos traços era crucial, não podia ser muito grossa senão o desenho ficaria tosco nem muito fina por causa da visibilidade. Eram muitas variantes que poderiam comprometer todo o processo. Para nossa sorte o artista estava com viagem marcada pra Alemanha pra visitar a família e foi num shopping em Berlim (um dos únicos no mundo) que vendem esse tipo de material.
O dia D
Depois dessa odisseia, finalmente chegou o grande dia. Aqui em Dubai tem uma lei que não permite alterar ou interagir com nenhuma mídia exterior durante o dia, tem de ser tudo na calada da noite. Isso simplesmente mataria a ação. O objetivo de tudo era causar buzz, gente interagindo, tirando foto, filmando etc.
Depois de muita conversa mole conseguimos uma autorização especial pra começar às 3 da tarde. Com um atraso de mais de uma hora de algumas partes envolvidas, o cara começou a trabalhar.
Ficou 5 horas seguidas em cima do andaime desenhando de terno e gravata. Um verdadeiro herói.
Com a graça de Alá tudo deu certo.
O resultado em vídeo:
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