Pai, lembra quando você me atropelou em frente à escola? Minha mãe gritando e você “ que foooooi, mulher?”. E eu estava apenas com o pé sendo esmagado por um Fiat de uns oitocentos quilos. Você se sentiu um merda e eu me senti o máximo. Meus colegas da escola pasmos e eu só dizia: “nem doeu”.

Mãe, lembra da vez que não tinha ninguém pra ficar com a gente em casa e entrou um ladrão? Dei de cara com o moço pendurado na sacada da sala e corri com o Pê pro banheiro, me tranquei e deitei no chão (para os tiros da metralhadora não me acertarem, claro). Vocês se sentiram culpados e eu me senti guerreira. Meus colegas da escola chocados e eu só dizia: “antes de correr para o banheiro, salvei meu irmão mais velho”.

Pai, lembra quando você foi soltar fogos com o Pedro na fazenda? O rojão estava ao contrário e explodiu na mão dele. Você se sentiu péssimo, mas ele se sentiu corajoso. O Pê conta essa história sorrindo até hoje. E o dia que eu desmaiei por causa da dengue? Desmaiei tranquila no seu colo – meu pai é médico, vai ficar tudo bem. Acordei com você berrando desesperado “Pedro, socorro, sua irmã desmaiou!”. Para completar, ainda levei uma bronca: "Maria Clara, você não pode desmaiar!".

Realmente, papai. Eu errei. Além de contrair propositalmente essa DST chamada dengue, decido desmaiar para ratificar seu CRM. Surpresa!
Depois você se acalmou e chegou em casa com todas minhas comidas preferidas, claro. Nunca mais desmaiei. Muito menos voltei a fumar Aedes Eagypti.

O ponto é: alguns erros foram os maiores acertos de vocês. Ouvi a vida toda que vocês não me colocavam limites e hoje vejo que isso me fez encontrar os meus próprios. Tanta gente me dizendo: “você precisa colocar o pé no chão” enquanto meu pai só repetia: “minha filha, o céu é o limite”.

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Tudo bem que, para chegar até aqui, precisei tacar uma bexiga cheia de farinha no ventilador do colégio, fugir de casa aos 5 anos de idade com meu urso de pelúcia e ser expulsa de vários colégios. Mas como seria diferente? Vocês me encheram de coragem para o mundo, oras.

A Maria Clara, a dona Jô e o Pedro

Pai, você não seria o melhor pai do mundo se não me atropelasse ou se não me esquecesse na escola frequentemente. Mãe, você não seria a melhor mãe do mundo sem passar pasta de dente na minha queimadura ou se deixasse de rir toda vez que eu faço alguma cagada.

Vocês são os melhores por serem vocês. Só assim aprendi a ser eu. Aprendi a rir da maioria dos meus defeitos e erros (e dos de vocês). Aprendi a viver antes de opinar “a regra é experimentar”. Aprendi a respeitar as dificuldades de cada pessoa. Aprendi que dizer “você precisa mudar; você faz tudo errado; você não sabe; você é desastrado; você chega atrasado” é a forma mais efetiva de desencorajar alguém. Aprendi que vocês também têm muito para aprender.

Todo mundo agradece aos pais pelos acertos e hoje quero agradecer pelos erros. Obrigada por mostrarem o quanto eles são importantes também.

Maria Clara

É sul-matogrossense e responsabiliza o consumo excessivo de tereré por suas habilidades com o léxico e sua alma destemida. Atualmente, mora em São Paulo e sonha em ter um golden retrivier. Ela tá no <a>Instagram</a> e no <a href="https://www.facebook.com/mcpalhano?fref=nf">Facebook</a>."