Cortamos madeira de forma rudimentar e temos as mãos calejadas. Andamos em florestas, caçamos alces para a nossa alimentação e fazemos nosso próprio fogo, sem a ajuda de ser algum. Colecionamos histórias, mulheres, cicatrizes. Você pode rir, achar que isso tudo é só parte daquele adento de texto pra dar alívio cômico, mas somos muito mais importantes para a sua vida do que imagina a vossa vida juvenil.

Somos heróis! Salvamos a Chapeuzinho Vermelho, desbravamos florestas virgens para acalentar o inverno, seja pelas choupanas construídas com o produto do nosso trabalho ou pela simples lenha que crepita derrotada nas lareiras vilarejos afora. Nós damos proteção, combustível e folclore para a humanidade.

Titio Murray e seus amigos, numa quarta qualquer em 1910
Ode ao lenhador

Nascemos lenhadores por qualquer brincadeira de deus, que nos fez filhos de lenhadores, pais de lenhadores. Nossos irmãos da Escócia acumulam cânticos em nossa homenagem e nossos amigos africanos dançam em nossa homenagem em volta da fogueira. No Brasil, aspirantes a lenhadores leem textos que elevam a nossa profissão, o nosso fardo de lenhador. Não fazemos o que fazemos por acaso, mas porque fomos feitos destinados a inspirar outros lenhadores.

Daqui dos confins do Oregon, emanamos masculinidade, instintos primitivos. Nosso trabalho é perigoso, mal remunerado, incômodo para todo o corpo, mas formamos a imagem da resistência e da força bruta, da barba vistosa e do machado reluzente. Somos guardiões do epicentro de toda a masculinidade que há e sempre houve nesse mundo. Não guardamos os segredos de como ser um macho, não salvamos regras em talhas de madeira, mas emanamos toda a virilidade do mundo para o mundo, partindo do nosso dia-a-dia nos confins do Oregon e chegando até você, aspirante a lenhador, lenhador de outros continentes, viuvinhas necessitadas de um novo messias do amor.

Se você afundou um prego na parede, na primeira tacada, foi porque estávamos cortando lenha. Aquele que bebe a água mais ardente numa só talagada, como se, qualquer, a água fosse, é porque estávamos cortando lenha. Todas as fodas bem dadas, todos os carros bem estacionados, o teu futebol, as explosões em filmes, a roupa mal passada, o garçom do bar, a stripper do bar, a arte pornô, o juízo final. Lenha, lenha e mais lenha. Sabe quando você bate o dedo na quina da cadeira e sente uma vontade iminente de gemer fininho? É porque estávamos na hora do café e do pão sovado. Na maioria das vezes, o gritinho é contido e trocado por palavrões dos mais altos escalões. É porque não brincamos em serviço: um gole de café, um naco de pão e cá estamos novamente,a  produzir toda a lenha que vai esquentar esse teu sangue de macho.

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Nossas virtudes superam os nossos defeitos, todo o preconceito que ganhamos pelo modo com que levamos a vida, com que tratamos a vida. Moramos perto do nosso trabalho, respiramos o ar puro das florestas geladas. Isso causa inveja a qualquer urbanóide metido à tecnologias. Não enfrentamos trânsito, não ganhamos esporro de chefe. Transitamos por onde queremos como queremos e quando queremos. Somos homens livres.

Formamos homens livres! Não pensem que há qualquer catarrento que adentrou em nosso meio e ficou de corpo mole, comendo biscoito amanteigado e filosofando o amargo e doce gosto do café quente. Aquele que por nossas florestas chega, homem sai. Homem feito, de opinião e ideologia forte. Não há que se encontrar qualquer lenhador nesse mundo de nosso senhor com as mãos moles, o fôlego pelo fim, de sorriso bobo na cara. Se passou pelos confins do Oregon, amigo não-lenhador, com certeza terás de frente contigo um poço de integridade, de palavras duras, mas corretas, de punhos firmes, cabeça erguida, de sono fácil. Não há, entre nós, lenhadores, preocupação que nos deixe acordados. O que há de ser feito por nós, feito será.

Claro que não somos feitos apenas de brutalidade, de força compressa. Contemplamos o nosso redor, somos bucólicos. Conhecemos cada palco de chão e cada copa no alto. Contamos as estrelas, damos passagem pros pequenos animais. Transformamos madeira em arte, subimos em montanhas só para aprendermos a ser imóveis, não somos adequados, erramos pra valer, forjamos novos líderes compartilhando a nossa liderança, somos eternos amantes e queremos experimentar mais e mais jeitos de fazer uma mulher sorrir, se soltar e se abrir. Não há nessa vida arquétipos que não fazemos parte.

Ei-nos aqui, uma mistura perfeita de agressividade latente e sensibilidade sem igual. Forjamos as colunas que sustentam os quatro pilares do universo com o que alguns chamam de karma, mas que teimamos em chamar de responsabilidade.

Um brinde a todos os lenhadores.

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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados