metrô de buenos aires, estação pueyrredón.
um velho está sentado em um banquinho, costas apoiadas contra a parede azulejada. cabeça pendendo para frente. em seu colo, um radinho de pilha tocando tangos.
deixo o equivalente a cinco reais em uma caneca de metal aos seus pés. quero conversar, entabular algum diálogo, mas ele não se mexe. por longos minutos, permanece imóvel. a cabeleira branca encobre seu rosto. poderia nem mesmo ter um rosto. poderia até estar morto.
minutos depois, na plataforma, sou abordado por uma senhora. disse que viu minha confusão mas não quis falar nada diante do velho.
durante anos, o velho tocara sanfona nos corredores do metrô pueyrredón. um dia, ficou doente. perdeu a saúde. perdeu os movimentos nos dedos. perdeu até a sanfona, vendida para pagar remédios.
sem ter como se sustentar, sem ter como trabalhar, ele continua na mesma estação, no mesmo banquinho, tocando os mesmos tangos. só que agora no rádio.
e nós, disse a senhora, que passamos por aqui todos os dias, que usufruímos de sua música por tanto tempo, continuamos pagando.
pois, afinal, até os músicos do metrô merecem se aposentar, não?
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o título remete ao artigo “a obra de arte, na era de sua reprodutibilidade técnica“, de walter benjamin, que você deveria ler agora.
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