Desde pequena, tinha a certeza de que eu usaria a fotografia como modo de expressar as minhas indignações e crenças acerca do mundo.

Foi aos 14 anos que ganhei a minha primeira câmera. Antiga, usada, mas que ainda funcionava. Logo em seguida, entrei em um curso de fotografia que estava acontecendo na cidade. Me assustava o fato de que a maioria da sala já tivesse câmeras profissionais. Contudo, um juramento que fiz a mim mesma foi o impulso que eu precisei para continuar: jurei, em setembro de 2011, que eu nunca pararia de fotografar, não importa o que acontecesse a partir dali.

Isso explica muita coisa que aconteceria depois.

Aconteceu a primeira saída fotográfica do curso. Percebi que eu enxerguei certos ângulos que outras pessoas não tinham visto antes. O resultado foi bem visto pela minha professora. Na segunda saída, mais otimista com os resultados obtidos, segui confiante.

Até o que inesperado aconteceu.

Caí num buraco cheio de água. E eu não sabia nadar.

Boa parte da turma já estava distante do local onde eu caí. Apenas mais uma aluna e minha professora viram. Tentaram me puxar. Tudo aconteceu muito rápido, mas tive o tempo suficiente para pensar nos meus pais. Na minha mãe, no meu pai, no meu irmão, na minha breve vivência que estava para acabar. Eu estava pronta para partir.

Na terceira tentativa, conseguiram me puxar de volta.

“Cadê a minha câmera?”, foi a primeira coisa que disse ao voltar para a superfície.

“Paula, sua câmera ficou no buraco”, minha professora respondeu.

Duas opções imediatamente se abriram no meu caminho: desistir do curso ou concluí-lo sem um equipamento. Decidi pela segunda opção. Sequer voltei pra casa, e fiz a trilha até o final. Toda vez que eu via algo interessante, eu falava “Olha só, aquilo daria uma foto incrível!”.

A câmera já não me pertencia, mas a essência da fotografia permaneceu. Percebi que eu ainda era fotógrafa – e não deixaria nunca de ser, por causa de um equipamento.

A essência está dentro de nós. E o que fazemos com ela, afinal?

E assim, terminei meu primeiro curso de fotografia. Sem câmera, mas com convicção.

Tempos depois, adquiri outra câmera e comecei a fotografar as ruas. Uma paixão pelos instantes imprevisíveis da sua rua começava a surgir no meu coração. Com isso, aprendi a enxergar as injustiças e todas as dores que viver neste mundo implica.

Percebi que a fotografia poderia mostrar realidades que, com um olhar tanto quanto condicionado, nos negamos a ver diariamente. Por meio da fotografia, era possível desfazer o mal que a banalidade nos trouxe às condições nada naturais que vemos diariamente em nossa sociedade.

O que fazer diante de todo esse mal?

Entendi que por trás de toda grande mudança, há alguém que soube enxergar uma possibilidade de transformação. Há alguém que soube enxergar que algo estava errado. Que as coisas deveriam ser diferentes.

No ano seguinte, conheci uma ONG em uma cidade próxima que oferecia aulas de fotografia para jovens. Fiz mais um curso. Finalmente tinha achado um espaço onde eu pudesse aprimorar minhas habilidades. E aí, veio o desafio: meu professor não continuaria com o projeto por conta de outros compromissos profissionais.

Então, ele disse:

– E se você desse aula no meu lugar?

Assim, com 15 anos de idade, eu me tornei professora de fotografia.

Não sei e nunca vou saber tudo sobre a incrível arte de fotografar. Mas o fato de estar disposta a compartilhar o pouco que aprendi já era suficiente.

Então, mais de 250 jovens se formaram sob minha mentoria. Muitos seguiram na fotografia, outros não. No entanto, utilizaram o poder da fotografia para encontrar um sentido para suas vidas.

A partir dessa experiência, aprendi algumas coisas e aqui vai a primeira delas:

1. Você não precisa de muito para fazer muito.

O que você está fazendo com os recursos que você tem hoje?

* * *

O tempo passou. Três anos depois, tive a oportunidade de ingressar na universidade como bolsista. Então, em 2015, passei a cursar Jornalismo aqui em Campinas. Por meio da universidade, e novamente, por meio da educação e do conhecimento, encontrei a oportunidade que mudaria para sempre a minha trajetória.

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Em setembro de 2015, recebi um e-mail a respeito de um Estágio para Correspondentes de Assuntos Militares. Era um curso, de uma semana, conduzido pelo Exército Brasileiro aos jovens universitários.

Eu me inscrevi, participei, e mantive contato com os militares que ministraram as aulas.

Comecei a estudar como os oficiais combatentes eram formados.

O curso tinha acabado, mas as minhas indignações permaneceram.

Eu, uma pessoa que sempre teve interesse em saber mais sobre os conflitos e as relações internacionais, não conhecia absolutamente NADA das Forças Armadas do meu país.

Voluntariamente, no ano seguinte, em 2016, fui sozinha me apresentar ao Comandante da Escola Preparatória de Cadetes. Eu e um rascunho de ideias. Estava muito insatisfeita pelo fato de não conhecer meu próprio país direito. Por fim, o comandante da escola apoiou o projeto e disse que eu poderia ficar ali o tempo que eu precisasse.

Assim, me tornei a primeira civil a fazer um projeto fotográfico de longa duração no Exército Brasileiro.

Quanta coisa eu descobri, e quanta coisa eu preciso falar com vocês!

O Exército, para mim, era como se fosse um mundo à parte.

Apesar de todos os desafios, foi isso que eu descobri durante 4 anos no Exército Brasileiro:

Havia pessoas do Brasil todo em apenas um lugar. Como aquilo funcionava? Tantas histórias, hábitos e pensamentos diferentes. Como conseguiam trabalhar juntos?

Foi então que entendi a importância de um ideal.

Qual é o ideal que te mantém vivo? O que faz você seguir em frente além das suas próprias ambições?

Os interesses pessoas eram colocados de lado por um único ideal. É isso que os mantém unidos pelo resto da vida.

Vocês devem se perguntar se eu fui julgada. Sim, eu fui muito julgada por alguns militares, como também por civis. Alguns militares questionavam as minhas ambições profissionais, se era isso mesmo. Ou se eu estava em busca de outra coisa.

Muitos civis, ao ver o meu projeto e sobre o que isso representava, perdia o interesse porque isso não condizia com o que a pessoa acreditava.

Por outro lado, muitos militares me apoiam. Muitas pessoas que estão aqui me apoiam. Isso é o suficiente. É tudo que eu preciso.

A partir dessa experiência, aprendi que coisas grandiosas acontecem quando você deixa seus preconceitos e limitações de lado por uma causa maior.

Toda vez que fechamos nossos ouvidos e negamos o diálogo com o outro, negamos a nós mesmos. Negamos a verdade, a reconciliação. Devo ressaltar aqui que, assim que comecei a fotografar, isso era algo inédito. Ninguém tinha feito isso antes.

Aprendi que nenhuma instituição será perfeita, pois ela reflete a sociedade em que está inserida. Muitas coisas precisam mudar, eu sei.

Mas isso começa por mim. Começa por nós.

Toda e qualquer grande transformação começa com alguém que soube enxergar. Começa com alguém indignado, insatisfeito e que reconhece que é falho. E é esse impulso que faz a pessoa mudar e não recuar.

Qual foi a última coisa que deixou você indignado? E o que você tem feito para mudar esta realidade?

Você tem negado o diálogo com aquele que pensa diferente de você?

Qual foi a última vez que descobriu algo pela primeira vez?

Eu não tinha a melhor câmera do mundo. Nunca tive, aliás.

Mas eu fiz o meu melhor com a câmera que eu tenho. E isso basta.

E isso me faz lembrar o que eu disse a vocês há alguns minutos:

Você não precisa de muito para fazer muito.

* * *

Conheça mais sobre o meu trabalho fotográfico no meu site e no meu Instagram.

Paula Mariane

Fotojornalista formada em Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). É idealizadora do projeto Laços de Honra - O outro lado do Exército"