— Senhor?
— Pois não?
— Adão na linha oito.
— Pode passar.
— Sim, Senhor.
— Alô?
— Oi, Deus. Tudo bem com o Senhor?
— Meio apressado aqui com o final de ano, mas tudo bem. Diga.
— É justamente sobre isso que eu quero falar. O Senhor já sabe em qual dia vai cair a primeira parcela do 13º?
— Em qual dia vai cair o quê?
— A primeira parcela do 13º.
— Do que você está falando?
— Bem, eu trabalho para o Senhor, certo?
— Certo.
— Cuido do Paraíso, dos animais, das plantas… Certo?
— Adão, vá direto ao ponto.
— Bem, por lei, eu tenho direito a um 13º salário.
— Adão…
— Na verdade, eu também teria direito a férias. Mas como o Senhor criou apenas o Paraíso, eu não tenho nem para onde viajar, então podemos deixar isso para lá. Agora, o 13º…
— Férias? 13º? Você ficou maluco?
— Não, Senhor. São os meus direitos.
— Quem disse isso?
— Os animais aqui embaixo. Estávamos conversando um dia desses e eles falaram que eu sou muito pouco valorizado no meu trabalho. Disseram que eu deveria procurar um sindicato.
— Adão, você deve estar de brincadeira.
— Não, Senhor. Mas como eu sou o único que trabalha no Paraíso, não existe sindicato aqui embaixo. Eu teria que fundar um sindicato sozinho para cuidar dos interesses da minha classe. Aí os animais resolveram me aconselhar sobre o assunto.
— Sei.
— E eles disseram que seria justo eu receber um salário extra no final do ano. Falaram que isso é previsto em lei e que se eu não receber, posso até mesmo entrar com um processo trabalhista.
— Processo?
— Bem, foi o que eles disseram.
— Deixe-Me contar uma coisa, Adão. Entrar com uma ação trabalhista contra Mim teria o mesmo efeito que ir mexer naquela macieira.
— Mesmo?
— Sim.
— Ah, deve ser por isso que a serpente veio falar comigo hoje de manhã.
— A serpente? Eu já não avisei, mais de uma vez, que não é para conversar com ela?
— Sim. E eu sempre obedeci. Foi ela quem veio falar comigo. Disse que estava sabendo da situação e avisou que se eu precisar de uma testemunha, ela está à disposição. Mas eu nem pensei ainda em entrar com ação nenhuma, quero resolver tudo de forma amigável. Então liguei para o Senhor…
— Adão, posso fazer uma pergunta?
— Claro.
— Para que você precisa de um 13º?
— Bem, é final de ano, o Senhor sabe… Preciso fazer compras.
— Que compras? Eu ainda não criei o Natal.
— Ah, é verdade… Bom, mas eu também estava pensando em aumentar um pouco a caverna, dar uma pintada… Talvez comprar móveis novos.
— Móveis novos? Você não tem móvel nenhum na sua caverna!
— Bem, posso usar o 13º para comprar algumas roupas. Essa folha de parreira que eu uso, por exemplo, está gasta demais.
— Sim. E tudo o que você precisa fazer é ir até à árvore e pegar uma folha de parreira nova.
— Tem razão. Não havia pensado nisso.
— Pare de me enrolar, Adão. Por que você precisa do 13º?
— Bem, na verdade, eu estou com algumas dívidas…
— Dívidas? Que dívidas?
— É. Mas não é nada muito grande, por isso nem toquei no assunto. O Senhor nem precisa ficar preocupado.
— Que dívidas? Para quem você está devendo?
— Para os macacos.
— Como assim?
— Bom, de uns dias para cá, nós começamos a jogar um pouco de pôquer. Mas não é nada demais, é apenas um carteado entre amigos, sabe?
— Pôquer? Você está com dívidas de jogo?
— Bem…
— Onde vocês arrumaram um baralho?
— Os macacos fizeram com folhas de bananeiras. Mas, sabe, eu estou devendo porque é difícil jogar com eles. Às vezes parece que todos os macacos estão jogando juntos contra mim. Isso sem falar que eles mudam as regras toda hora.
— Não entendi.
— Bom, vou explicar melhor. Outro dia, por exemplo. Eu tinha uma trinca de ases na mão. Apostei trinta cocos e, quando baixei as cartas, eles disseram que, como era antes da meia-noite, jogos com mais de dois ases não valiam nada. Perdi tudo. No dia seguinte, apostei vinte cocos pois tinha uma sequência na mão. Quando mostrei as cartas, eles riram e disseram que eu sou um mamífero, e sequências só valem se você é anfíbio.
— E aí você perdeu tudo.
— Isso. Às vezes, acho que eles estão roubando, sabe?
— Sabe, Adão… Às vezes eu me pergunto se realmente criei você à Minha imagem e semelhança.
— Como assim?
— Nada. Estava apenas pensando alto. Deixe-Me adivinhar uma coisa. Você precisa do 13º para pagar os macacos.
— Isso. Como eu perdi mais cocos do que tenho, eles me sugeriram que eu falasse com o Senhor e… Bem, o senhor sabe…
— Sei. Eles sugeriram que você pedisse um 13º para mim para pagar sua dívida.
— Isso.
— Bom, Adão. Tenho uma ótima notícia para você. Acabei de entrar no banco aqui enquanto conversávamos, e a primeira parcela do seu 13º está paga.
— Sério?
— Sim. Acabei de depositar. Deve estar na sua conta daqui a pouco.
— Que ótimo! Sabia que o Senhor iria me ouvir! É… Desculpe perguntar, mas qual o valor que o Senhor depositou?
— Zero.
— Zero?
— Isso. Zero.
— Como assim?
— Adão, quanto você ganha trabalhando para mim?
— É… Nada.
— Justamente. Então, o seu salário adicional será do mesmo valor: nada. Acabei de depositar a primeira parcela, no valor de zero. Daqui a alguns dias, depositarei a segunda parcela, também no valor de zero.
— Mas…Minha dívida…
— Eu converso com os macacos sobre a sua dívida. Pode ficar tranquilo. E, aproveitando que já resolvemos sobre o 13º, você não quer conversar sobre convênio médico?
— Oi?
— Sim. Você tem direito a um convênio médico, também.
— Bem, eu nunca fiquei doente, então nem pensei sobre isso.
— Mas é bom ter convênio médico, Adão. Por segurança.
— Como assim?
— A gente nunca sabe o dia de amanhã. Por exemplo, quem sabe quando meia dúzia de anjos com espadas de fogo podem descer até o Paraíso para investigar rumores sobre jogos de azar? Ou vai que um dia as criaturas jogando cartas no Paraíso se transformem misteriosamente em estátuas de sal?
— Entendi.
— Que bom. Você acha que vai precisar de um convênio?
— Não, Senhor.
— Tem certeza?
— Sim, Senhor.
— Ótimo. Então, estamos conversados. Quando eu depositar a segunda parcela do seu 13º, eu lhe aviso.
— É… Sim, Senhor.
– Algo mais, Adão?
– Não, Senhor.
– Ótimo. Vá cuidar do Paraíso, por favor.
– Sim, senhor.
Naquela noite, Adão nem saiu da caverna. Ficou deitado ao lado de Eva, ouvindo assustado os barulhos que vinham das árvores que serviam de lar para os macacos.
No dia seguinte, ficou sabendo que alguns anjos havia aparecido ali de madrugada e encontrado baralhos, roletas, máquinas de caça níqueis, uma sala de bingo e outra com material para apostas em corridas de cavalos, zebras e antílopes. Tudo adulterado e viciado.
Surpreenderam também um mico-leão que vendia raspadinhas em cima de uma árvore, e que depois de levar meia dúzia de tapas na cabeça, confessou que apenas trabalhava ali, que não tinha nada a ver com aquilo, e que toda a operação era comandada por uma raça de primatas conhecida como macacos-vega.
Deus, num acesso de fúria, decretou que os macacos-vega fossem extintos imediatamente. Além disso, ordenou que os anjos queimassem todas as árvores e salgassem a terra do local, para que mais nada crescesse ali. Nascia, assim, o primeiro deserto do Paraíso.
E para que os animais se lembrassem, todos os dias, do que aconteceria com quem voltasse a mexer em jogos de azar no Paraíso, Deus decidiu batizar a região usando o nome dos macacos extintos.
Chamou o local de Las Vegas e deu o assunto por encerrado.
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