O reveillón de 2050 se aproxima e, mais uma vez, o velho articulista precisa entregar ao seu editor uma retrospectiva.
Sendo eu um escritor de comportamento, não me cabe aqui listar com fingida surpresa tudo que aconteceu no ano, como se você já não houvesse vivido essas coisas intensamente. Então, o que resta é olhar para trás e identificar, nos últimos 12 meses, que forças moveram nossa cultura e para onde elas estão nos impulsionando.
Claro que, eu estando às portas dos 76 anos, é inevitável que julguem minhas análises com ceticismo e condescendência. Mas, juro, não tem nenhuma relação com a minha idade avançada o fato de eu considerar 2049 um dos anos mais tediosos da primeira metade deste século.
Além do mais, torço esperançoso para que 2050 nos traga algum tipo de novidade e dê indicativos de que vivemos em um século de fato interessante.
Na verdade, a impressão que tenho é que não estamos em dezembro de 2049, mas sim presos, congelados em 2037, pois praticamente todos os recursos culturais e técnicos que usamos no dia-a-dia foram desenvolvidos ou então aprimorados até aquele ano.
Dessa forma, já são 12 anos que não vemos nada de novo sair das universidades abertas, da onipresente indústria da co-criação e muito menos dos quase caducos Governo Digitais. Mas o mais chocante é testemunhar a completa prostração da indústria da mobilidade, o grande player de tecnologia desde 2026, quando os últimos fabricantes do que se chamava telefone móvel fecharam as portas diante da concorrência ubíqua da indústria do entretenimento.
Lembra quando todo mundo começou a fabricar celular?
A maior parte das pessoas não recorda disso, pois há muito tempo só os mais velhos acompanham o noticiário de tecnologia, então vou fazer um apanhado do que aconteceu e de como isso deve definir a nossa vida em termos de mobilidade a partir de 2050.
O ano de 2021 foi marcado pelo fenômeno da descorporificação da telefonia móvel, quando as funções que um celular condensava foram redistribuídas por diversos aparelhos, tornando-o obsoleto culturalmente.
Nenhum analista de tecnologia ou de comportamento previu uma onda tão contra-intuitiva. Nas primeiras década do século 21, a maior parte dos estudos indicava um desejo das pessoas por uma convergência de serviços e produtos em um número menor de aparelhos, sendo que estes aparelhos deveriam ser cada vez mais leves e com telas cada vez maiores.
Contrariando as análises cegas, o que se via nos números de mercado era outra coisa: as pessoas passaram a dividir seus serviços digitais em diversos tipos de equipamentos em um ritmo acelerado. Estatisticamente, 2021 foi quando essa divisão atingiu um ponto crítico e os smartphones começaram a ser deixados de lado pelos usuários em troca não de um novo aparelho, mas de vários outros.
Alguns historiadores da cultura digital apontam dois locais geográficos como vetores principais dessa mudança.
O continente africano, naquela época, tendo sua economia e comunicação baseadas em grande parte em telefones móveis de baixo custo, é um deles. A Coréia do Sul, líder em inovação cultural e educacional ao banir o uso de smartphones por crianças com menos de 10 anos em 2018, foi outro.
Além disso, estudiosos de psicologia dinâmica indicam duas causas comportamentais da descorporificação do telefone móvel: a falência do conceito de Personal Data (a versão pessoal do Big Data, quando se julgava que as pessoas gostariam que os dispositivos móveis registrassem e analisassem tudo sobre elas) e a saturação com a produção de conteúdo digital pessoal (os milhões de fotos, status, vídeos e mensagens trocadas pelas pessoas entre 2000 e 20020).
Assim, estamos falando de quatro eixos de mudança:
- a eficiência dos telefones mais simples,
- o cuidado com o cérebro das nossas crianças,
- a rápida falência do modelo de Personal Data,
- e a ressaca com a produção de conteúdo digital.
Esses eixos empurraram as pessoas para a distribuição das suas necessidades em alguns novos e velhos aparelhos: os smartwatches com fones de ouvido resolveram as questões básicas de comunicação verbal, busca de informação rápida e consumo de música; a necessidade de teclar mensagens foi derrubada pelo súbito avanço na tecnologia de speech-to-text dos smartwatches; as câmeras digitais portáteis offline, com limite de armazentamento e de conexão, voltaram a ter sua utilidade quando as pessoas reduziram drasticamente o uso de câmeras na sua vida, reservando-as apenas para momentos especiais; e, por fim, com a mudança de comportamento no consumo de vídeo e texto digital, os tablets se tornaram onipresentes para os momentos de real necessidade de distração, sepultando o conceito do smartphone que cria novos espaços de tédio a fim de gerar soluções para ele.
Mas isso foi até este ano.
Sinto no ar – e nos dados – uma onda contrária querendo algum tipo de novidade. Uma vez que os processos industriais se aceleraram a ponto de um novo produto poder ser concebido, prototipado e testado em mercado após produzido em larga escala no espaço de 30 dias, é impossível prever exatamente o que vem por aí.
Minha aposta é no fim da “descorporificação total” da telefonia móvel, passando a um “descorporificação parcial”, com o retorno dos celulares no uso de chamadas de voz, com teclado físico e sem tela de visualização. Obviamente isso se sobrepõe aos smartwatches no que diz respeito à funcionalidade – mas já faz muito tempo que a funcionalidade não é quem dita as tendências.
Neste caso, estamos falando de uma força bastante específica no noroeste da Venezuela, um hub de inovação comportamental que vem se destacando desde 2034 silenciosamente.
É lá que nasceu, semana passada, essa nova mania de resgatar o antigo telefone celular com função única. Garotos e garotas de 13 anos de idade estão produzindo aparelhos dessa natureza em antigas e nostálgicas impressoras 3D, provavelmente resgatadas dos depósitos empoeirados dos seus pais.
Não estranhe, portanto, se na virada de 2049 para 2050, semana que vem, você enxergar algum jovem no canto da festa com um objeto na mão encostado no ouvido ligando para alguém. Esta é uma cena que não vemos há muitas décadas, mas que pode voltar a se tornar comum por mais exótica que possa parecer.
Se eu fosse produtor artesanal ou industrial de smartwatches, eu ligaria do meu relógio agora mesmo, compraria uma passagem para a Venezuela e começaria a fazer amizade com alguns jovens esquisitos que estão, como sempre, revolucionando o mundo da tecnologia em seus quartos.
Gustavo Mini continua escrevendo no blog Conector aos 76 anos.
Mecenas: Alcatel
Mirando no futuro – só não em 2050, ainda – a nova linha de smartphones Alcatel chegou ao Brasil, com os modelos Onetouch Pixo, M’Pop e Idol.
“A promulgação da Lei do bem para smartphones fabricados no Brasil ajudou no plano de inclusão digital brasileiro e foi um fator importante na decisão de fabricar os aparelhos no País. Assim, será possível manter o principal objetivo da empresa: democratizar a utilização de dados e simplificar o mundo digital para os usuários de telefones móveis”
– Marcus Daniel, Presidente da Alcatel One Touch Brasil, em evento no qual anunciou a chegada dos novos produtos ao Brasil
Nós estávamos lá. Agora vai conhecer a linha de smartphones deles.
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