Tenho uma máquina de escrever Triumph-Adler portátil.Talvez você nunca tenha ouvido sobre essa marca. Na tampa da maleta que a acompanha e na parte de trás da máquina lê-se “Made in Western Germany”. Não sei ser preciso quanto ao ano em que ela foi fabricada, mas sei que minha máquina saiu de um ponto no tempo onde a Alemanha era dividida. Mesma época em que Emílio Garrastazu Médici era presidente do Brasil. O projeto Apollo ainda existia. Também não existia Kurt Cobain. Mas Nelson Rodrigues estava vivo. Nunca datilografei sobre a Alemanha Ocidental, Médici, Apollo, Cobain ou Nelson Rodrigues na minha máquina.

Nelson Rodrigues datilografava e foi genial com sua máquina de escrever. E você torce o nariz a isso…

Da-ti-lo-gra-far.

Tenho uma agitação diante deste verbo. Hoje ninguém datilografa, todos digitam. Acredito que palavras diferentes têm forças e pesos diferentes. Já ouvi que não há sinônimos, cada palavra é única. Nada mais verdadeiro. E “datilografar” tem muito mais força que “digitar”. Aliás, disse outro dia em uma conversa que eu havia datilografado um texto. Muitos dos que ouviram riram – é provável que fisicamente dessem coices de tanto rir. Alguns se limitaram a me chamar de “velho”, impassíveis.

Meu pai, quase na casa dos 80 anos e antigo detentor do equipamento, também não sabe dar a data de origem da máquina. Então, vou com um chute: foi fabricada no final da década de 60. Isso nos dá mais de 40 anos. Minha máquina modelo Gabriele nº 10 representa uma época, representa um passado; está embebida no seu tempo. Em outras palavras: ela está datada. Sendo assim, não é lá muito querida em 2011 e apenas por ser o que é: antiga.

Gabriele: mulher barbada?

Aí está: há hoje o culto ao jovem – e seus sinônimos. É o culto ao moderno, ao novo, ao atual e que exige o ódio ao velho ou, ao menos, que este ocupe um lugar inferior. É um sentimento muitas vezes latente, escondido. Uma ideia absorvida. Todo o processo pode ser observado por aí: a graça que é vista nas antiguidades – como a Gabriele, minha alemã – e desperta nos jovens uma curiosidade de circo, de mulher barbada e faquir.

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Há o outro extremo disso.

O velho humano como material descartado, jogado em asilos, se tornando um fardo. Nem sua experiência é tida como valiosa. Ele apenas… está aí. Por vezes, busca aproximar-se do novo, atualizar-se ainda que capenga, em uma tentativa absurda de absorvê-lo. E o leitor há de concordar que hoje é muito importante pelo menos parecer moderno. É o que acontece com a marca que precisa atualizar seu logotipo para atrair os novos públicos. É o senhor ou a senhora de 50, 60 anos que se veste como jovem, fala como jovem.

Até o velho tem vergonha do que é. Há o medo de envelhecer fisicamente, do fim da vida.

Você sabe dar ouvidos a Mick Jagger, que tem 67 anos, mas não sabe ouvir seu avô.

Em outros tempos, os jovens tinham vergonha do seu vigor a lhe acusar inexperiência. O desejo do jovem era ser maduro, deixar as calças curtas para virar “homem feito”. Nelson Rodrigues, contemporâneo de Gabriele, já dizia: “O jovem tem todos os defeitos do velho, mais um: o da inexperiência.”

A inexperiência se mostra, muitas vezes, em arrogância. O nosso jovem exaltado tem realmente se sentido naturalmente superior. Ele bufa diante até dos pais, altivo, e relincha como quem não tem uma única e escassa dúvida. Muito estranho alguém no início da vida ter tantas certezas, mas isso só me parece o resultado de ter sido colocado em um pedestal, e sem mérito. Imagino como serão as próximas décadas…

Júlio Kirk

Um sujeito que gira em torno de um mundo antigo, que adora as mulheres e as boas e velhas maneiras. Enfrenta o mundo moderno e escreve crônicas e contos - quando junta as peças na cabeça - no <a>Estranho Sem Nome</a>."