“Porque poucas coisas são mais agradáveis que receber um telefonema no meio da noite e ouvir: ‘só liguei pra ouvir sua voz’”.

Foi com essa brillhante e fofinha frase que ganhei um concurso cultural de Dia dos Namorados da Claro. O ano: 2000. O prêmio: um desejado Nokia 5120.

Eu não tinha namorada. Ninguém me ligaria no meio da madrugada pra falar que só ligou para ouvir a minha voz. O telefone era pré-pago.

É. Não havia tinha muito a fazer com aquele telefone. Mas minha curiosidade por eletrônicos veio desde cedo. Portanto, não vendi. Eu tinha em mãos um dos aparelhos mais desejados da época. O 5120 possuía agenda telefônica, sms, alarme, relógio, toques variados, vibracall e games. Entre eles, um chamado Snake. Ou popularmente conhecido no Brasil como “jogo da cobrinha”.

O “jogo da cobrinha” era bastante simples. Por meio do teclado numérico — mais exatamente com o 2, 4, 6 e 8 — você controlava a cobra. Ela tinha que passar sobre os pontos marcados por um pixel. Cada ponto capturado somava 9 pontos. As paredes da tela não podiam ser tocadas. O jogo era perdido quando você esbarrava em algum dos cantos ou na própria cobra. Ela crescia de acordo com o número de pontos que você somava.

A dificuldade era: achar um modo de não criar uma armadilha com o corpo do próprio traço que você movimentava. E eu tinha bastante tempo para pensar nisso. Foi então que criei uma estratégia para avançar de nível sem ficar trancado.

Observe:

A primeira tela para refrescar a memória
O grande erro: fazer bagunça na tela. Era preciso arquitetar a construção da cobrinha
A estratégia: vai-e-vem em volta da tela. Criação do que eu chamava de prédios para evitar a enrascada

O desenvolvimento dessa estratégia me transformou no mito do Nokia 5120 em Mato Grosso.

Ok, talvez em Cuiabá (MT).

Na região do Santa Amália.

Ali pelo Canachuê. Entre os amigos.

Não tinha recorde de celular que passava imune pela minha mão. No meu celular — tenho amigos que comprovam — o recorde era de 2008 pontos. Lembro-me com perfeição do dia que alcancei essa marca. Era uma tarde de quarta-feira. Consegui superar qualquer bug nas teclas e tive uma sorte sobre-humana para fazer uma centenas de prédios perfeitos.

O resultado: a tela completa. Não havia mais onde surgir o pixel a ser comido. Eu havia zerado o jogo da cobrinha do Nokia 5120. Um marco até hoje lembrado por amigos que presenciaram o fato. Ouvir a sequencia dos ultimos pixels surgindo nos únicos espaços disponíveis seguido do som da captura em sequência foi qualquer coisa indescritível.

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Sim.

Eu era bom.

Sério, cara.

Eu era muito bom. E respeitado por isso.

A intolerância dentro e fora da internet

Foi no final de 2000. As redes sociais existentes não eram tão populares, as câmeras digitais estavam caríssimas e o compartilhamento de informações se resumia em fóruns, chats e alguns blogs.

É, 2000.

Ainda bem que foi em 2000.

O triste fim do Nokia que marcou o início do século: virou meme

Se fosse hoje? Seria nada.

A era da intolerância que reina na internet está cada vez mais off-line. O insuficiente faz parte dos vocabulários mais comuns. Os pequenos feitos morreram com a necessidade de grandeza aliado a opinião própria. É verdade e ótimo o fato que ganhamos a liberdade de expressão, mas isso não significa que precisamos argumentar de modo contrário tudo o que é exposto.

Se o seu golaço é no PES, o FIFA é melhor.

Se o torcedor do Corinthians é o atual campeão Brasileiro, o do São Paulo, Palmeiras e Santos têm Libertadores.

Se o seu credito financeiro foi aprovado depois de muito custo no Bradesco, não será tão bom porque não é no Itaú.

O mundo se transformou naquele pai que não valoriza nada que o filho conquista. É tipo aquele perfeito e muito bem construído carrinho com palitos de picolé que o guri leva pra casa. O pai diz que aquilo é lixo e só vai prestar e ter algum valor quando ele construir um carro que anda de verdade.

Sempre existe alguém para jogar na sua cara, por mais singela que seja a conquista, que o fato é old, fake ou lixo. Ou que faz melhor. Ou então que conhece alguém que faz. O papel do atual cidadão resume-se não em defender o que é certo, mas gritar que o autor está errado.

Resumo dos dias atuais: todo mundo se diz muito bom em algo. Mas ninguém parece ser o melhor.

Fred Fagundes

Fred Fagundes é gremista, gaúcho e bagual reprodutor. Já foi office boy, operador de CPD e diagramador de jornal. Considera futebol cultura. É maragato, jornalista e dono das melhores vagas em estacionamentos. Autor do <a>"Top10Basf"</a>. Twitter: <a href="http://twitter.com/fagundes">@fagundes</a>."