Existem muitas características que diferenciam o ser humano dos outros animais. Sejam as nossas características físicas (polegares opositores, formação cerebral, narizinho "bonitinho") ou nossas ações (planejar o futuro, mentir, achar que a vendedora da Levi’s tá realmente afim de você porque ela disse que você tá “um gato” naquela camisa de 500 reais), é fácil pensar em traços que, na teoria, nos separam dos macaquinhos, cachorrinhos, gatinhos e outros animais que saberiam que a moça tá falando aquilo só pra vender a roupa, é horário de trabalho, aquela garota não tá afim de você.

Mas poucas coisas diferenciam mais o ser humano de todos os outros seres vivos do que a nossa capacidade de tirar conclusões precipitadas e se apegar fortemente a elas. Seja recebendo apenas uma parcela da informação, assumindo um ponto e se recusando a mudar quando a informação completa aparece; seja descobrindo que a informação é falsa o tempo todo e mesmo assim decidindo continuar a acreditar nela; seja apenas tirando conclusões com base em informação absolutamente nenhuma e chamando isso de “instinto”, “sexto sentido” ou “pensar fora da caixa”.

E em poucos contextos isso fica mais claro do que na ascensão, agora nos últimos anos, dos chamados “tribunais da Internet”.

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O processo você conhece, é claro. Alguma coisa acontece, em algum lugar, que pode ou não ser errada, e é registrada, seja visualmente ou em texto, por uma das partes – ou mesmo um terceiro. É um flagra de uma injustiça na rua, é um relato de violência, é talvez até mesmo um problema de uma pessoa com uma marca. Rapidamente o tópico é compartilhado em alguma rede social, rapidamente as pessoas assumem posições, rapidamente começamos a ter conflitos entre simpatizantes e antipatizantes,  rapidamente tudo assume aquelas proporções meio “aquelas cenas de conflito em Game of Thrones que eles não mostram porque são grandes demais e eles não tem dinheiro pra filmar”.

E não que não seja algo genuíno e válido expor essas questões nas redes sociais num mundo em que muitas vezes os canais legais não são capazes de oferecer a assistência que precisamos. Certos crimes só recebem atenção das autoridades depois de receber atenção da mídia, certos grupos são tão marginalizados que a única saída se quiserem ter seus problemas ouvidos é se expondo em redes sociais, certas situações são claramente erradas mas só geram alguma indignação quando são esfregadas na nossa cara no mesmo espaço onde costumamos ver apenas fotos de balada e vídeos engraçados de cachorrinhos.

Mas, ao mesmo tempo que a possibilidade de receber essas informações diretamente das fontes abre um canal de comunicação para que muitas coisas que antes seriam abafadas venham a tona, ela também exige de nós certos níveis de discernimento que, sejamos sinceros, não estamos exatamente acostumados a demonstrar.

Primeiro porque sofremos, ainda mais na era da Internet, de uma certa ansiedade por julgamentos rápidos e intensos. Num mundo com tantas zonas de cinza, tantas questões complexas, existe certo alívio em ver algo tão errado que possamos apenas apontar e dizer “isso não é certo” e definir claramente papeis de vítima e vilão, o que é apenas potencializado quando as informações chegam por meio de uma fonte conhecida, como um amigo – boa parte de ter alguém como amigo é presumir que essa pessoa é, em algum grau, mais confiável do que um desconhecido, ainda que sempre chegue meia hora atrasada nos compromissos.

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Além disso, com o processo de cada vez mais definirmos a nossa identidade pela imagem que projetamos nas redes sociais, o compartilhamento ou não de conteúdos se torna também uma forma de marcar posição diante do mundo em que vivemos, fazendo com que situações que reforçam a nossa visão de mundo ou as nossas posições políticas sejam compartilhadas, enquanto informações que vão contra aquilo em que acreditamos precisem passar por um crivo bem mais apurado para que mereçam um compartilhamento ou apenas não sejam compartilhadas como um todo.

Isso acaba nos levando a alguns julgamentos que podem ser rápidos demais – “se meus amigos me repassaram deve ser verdade” – e intensos demais – “se é verdade eu preciso compartilhar com o máximo de pessoas possível pressionando para que uma atitude drástica seja tomada” – sem um nível um pouco mais proporcional de reflexão. Nível esse que deveria ser essencial para qualquer informação que a gente recebe dentro ou fora da Internet, seja ela a denúncia de um crime, a crítica a uma marca, uma história particulamente curiosa sobre uma criança precocemente de esquerda ou uma figura história que não sabíamos que tinha posições de direita.

É boa a sensação de estar certo e melhor ainda a sensação de ajudar alguém que precisa ou corrigir uma injustiça, colaborar com uma causa (ou apenas estar, sei lá, muito certo mesmo)? Claro que sim. Mas diante do quão injusto pode ser disseminar contra alguém uma história que não seja verdadeira e do prejuízo que causa quando informações erradas são disseminadas em massa por aí, vale a pena para cada um de nós conviver um pouco mais com sensações como “preciso esperar mais para opinar” ou “isso realmente foi errado mas não acho que seja o caso de sugerir que matem essa pessoa”. Imagino que seja isso que os gatinhos fofos iam querer que a gente fizesse se pudessem falar.

João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (<a>www.justwrapped.me/</a>) e discute diariamente os grandes temas - pagode