Descobrimos que minha mãe tinha um câncer maligno no cérebro.

Daqueles que só de falar parece já ser uma sentença de morte.

Vem um médico e diz: “ela tem três meses de vida.”  Isso aconteceu há três anos. O doutor se recusou a falar isso na frente dela e deixa a bomba para a gente. Não sabendo que podia viver mais do que a previsão, minha mãe hoje leva uma vida normal.

Eu, minha mãe e minha irmã

Ela sempre foi uma pessoa muito ativa e independente. Trabalhou desde os 16 anos de idade como professora e assim continuou até seus 52 anos, quando se aposentou. Finalmente ela teve a oportunidade de cuidar de si e foi sempre uma pessoa preocupada em ajudar os outros. Cuidava da minha avó, de mim e da minha irmã, da casa, participava da Pastoral da Criança; enfim, dedicou sua vida ao próximo. Católica fervorosa, ir à missa era seu maior prazer.

A vida seguia como tinha que ser. Minha avó faleceu e, com muita dor, continuamos o nosso caminho. Em julho de 2009, começamos a perceber uns comportamentos estranhos da minha mãe. Ela parecia estar em um outro mundo, longe. Eu perguntava algumas coisas e, às vezes, ela respondia algo sem nexo. No meu aniversário, no final de agosto, a gente começou a realmente se preocupar por ela passar a ter dificuldades para se movimentar. Em duas semanas, ela sofria para se levantar da cama, caía quando tentava pegar algo do chão e não conseguia se segurar até ir ao banheiro. Foi aí que decidimos levá-la a um neurologista, achando que ela estava com algum tipo de depressão profunda em decorrência da morte da minha avó.

O médico olhou os exames e soltou a bomba. Era um tumor malígno conhecido como Gliobastoma Multiforme e que não havia muito o que fazer. Ela só tinha três meses de vida pela frente.

Não foi fácil. Eu morava em outra cidade, estava para terminar a faculdade e só faltava a entrega do TCC quando minha irmã me ligou chorando, pedindo para eu voltar para casa, pois tínhamos que curtir os últimos momentos da minha mãe. Aí o seu chão some, você culpa Deus e até se revolta contra Ele ou seja lá quem for a força divina que perambula pelo mundo. Liguei para o meu pai, que estava super abalado e pedi pra falar com ela. Pela primeira vez eu disse “eu te amo”. Não me joguem pedras, não é que eu não a amava. Nunca tive liberdade ou coragem de falar. No outro dia fui para a cidade onde meus pais moravam e, como é um lugar pequeno no interior do Paraná, a notícia correu rápido. Aparecia gente desconhecida, gente conhecida e uma mulher que até fez praticamente uma unção de enfermo terminal. Nessa hora apareceu até deputado querendo mostrar compaixão.

Fomos buscar uma segunda opinião. O médico disse que era necessária uma cirurgia para avaliar o tipo das células para iniciar um tratamento. Como se não bastasse, o plano de saúde se negou a cobrir o procedimento, mas nada como um bom advogado para dar um jeito nisso. Duas semana depois, cirurgia feita, sucesso total e nem foi preciso cortar o cebelinho dela.

(Mas o cabelo não resistiu às sessões de radioterapia e também, depois, as de quimioterapia. Mas não tinha importância: mandamos fazer uma peruca super estilosa e ela ficava “toda toda” quando alguém desconhecido perguntava onde ela pintava o cabelo. E como a gente se divertia colocando a peruca e tirando fotos. Mas ela deu várias gargalhadas gostosas. Ah, se deu…)

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Foram muitos quiilômetros percorridos entre Jandaia do Sul, nossa cidade natal, e Curitiba. Muitas horas de espera nas sessões de quimio, nos exames de rotina e e nas consultas. Eu me dediquei totalmente a ela, mas não me orgulho de dizer isso, pois era o mínimo que eu devia e devo fazer. Tentamos três tipos de quimioterapia e as duas últimas surtiram um efeito quase que milagroso. Seu tumor praticamente sumiu, mas toda a ingestão de remédios custou sua perda de memória recente. Ela perde as chaves todos os dias, não se lembra o que comeu no almoço, repete várias vezes um determinado assunto… Mas o que é isso em comparação de não tê-la mais por perto?

Espero poder realizar uma das vontades que ela me disse ter quando eu deitei ao seu lado na cama do  hospital, no pós-operatório.“Eu ainda quero te ver brilhar”, disse. Pode ser uma frase até comum de se ouvir da sua mãe, mas não no meu caso. Meu pai sempre foi mais passional que ela. Minha mãe ficava sempre na retaguarda, fazendo eu ver o mundo de frente e me virar com os meus problemas. Nunca foi aquela mãe coruja que defende a cria a qualquer custo. Não fui mimada e, hoje, agradeço muito ela por isso.

Eu não acredito mais nessas sentenças de morte. É esta a lição que tiro. Somos um nada e não sabemos absolutamente nada sobre a vida. Claro, a medicina é fundamental, mas ao mesmo tempo que ela acerta, ela também erra. E erra feio. O primeiro médico acreditou, por um momento, ser Deus e dar um prazo de vida a ela. Mas o que ela fez e vai continuar fazendo é provar que não temos direito de determinar coisa alguma nesta vida. A gente pode andar na rua amanhã e ser atingido por uma bola metálica que caiu do céu de alguma sonda espacial. Improvável? Não diria. Foi a sua hora. Vai chegar a hora da minha mãe. A da sua mãe. A minha. A de todos. Mas quem a gente é pra saber quando isso vai acontecer?

Passei a não ter medo da morte quando percebi a nossa fragilidade. Aprendi a olhar as coisas que antes eram insignificantes e não dar mais valor ao que eu achava importante. Como o dinheiro que, aliás, é o “câncer do mundo”. Pode soar piegas, mas é verdade: a saúde é o bem mais precioso que a gente tem. O negócio é viver um dia após o outro e parar de reclamar à toa. Para o mundo, podemos ser um nada; para algumas poucas pessoas, somos tudo. A única coisa que vai ficar neste mundo quando você dele partir será o que você foi para elas. Valorize-as. Valorize os momentos. O resto não vai fazer a mínima importância.

Lili Dans

Jornalista, 24 anos, capaz de enfrentar sozinha um mundo hostil, desbravar o último pedaço virgem da Amazônia e procurar pela última espécie de arara azul só para provar que existe. Não é a Luiza, mas mora no Canadá e tem dois blogs, o <a>Vancoolver Blog</a> e o <a href="http://eueminhamae.wordpress.com/">Eu e minha mãe</a>."