Foram 7 meses de preparação para o Desafio de Baterias do InterUNESP – Araraquara, campeonato esportivo universitário de todos os campi da UNESP – Universidade Estadual Paulista, realizado anualmente em outubro (nesse, foi de 9 a 12).

No entanto, a coisa toda vai muito além do esporte. O InterUNESP é esbónia sem tamanho e interação entre as unidades da UNESP, espalhadas por todo o Estado de São Paulo. O lema é: “A distância nos separa, o esporte nos une”. Não é bem o esporte que une, mas vamos seguindo.

Um dos pontos altos é o Desafio das Baterias, que ocorre para decidir, com jurados especializados e participantes de escolas de samba, qual é a bateria com maior nível técnico, levando em conta diversos critérios que nem cabem aqui nesse relato.

A trupe percussiva de Botucatu.

Os ensaios da Bombateria

Participo da Bombateria, a bateria de Botucatu, desde março desse ano, com ensaios todas as terças e quartas-feiras. É um grupo de estudantes de diferentes cursos de graduação e pós-graduação. Como em todo grupo, existem dificuldades. Durante os ensaios ocorreram problemas como falta recorrente de alguns integrantes e desistência por parte de outros. Em alguns ensaios apareciam apenas 10 pessoas em uma bateria que já teve pico de participação de 35 pessoas. As dificuldades estão aí para serem enfrentadas e tocamos o barco para frente.

Definimos os ritmos, os breaks e a finalização. Ensaiamos muito. A cada ensaio saíamos com muitas dores no braço mas com o coração aquecido pelo ritmo. A energia que ficava no corpo após cada ensaio era surreal.

Os dias foram passando e nem percebíamos. Os últimos ensaios foram um pouco desesperadores. A coreografia não se encaixava direito, faltava sincronismo no tamborim, os surdos erravam elementos básicos e as caixas passavam direto na hora de parar. O nervosismo estava começando a chegar. Nos dois últimos ensaios o clima estava até um pouco tenso, com alguns integrantes perdendo a paciência com os erros de outros, algo natural de ocorrer em um grupo que está próximo de uma avaliação.

Finalmente chegou o dia, já era hora de arrumar as malas e partir para o InterUNESP.

Quatro dias praticamente sem dormir

Após ficar horas esperando o ônibus chegar devido a problemas técnicos de organização da comissão do InterUNESP, partimos de Botucatu às 5h30 no dia 9. Chegamos em Araraquara, mal deu tempo de colocar as malas no alojamento e já saímos para tocar no primeiro jogo de Botucatu. Primeiro dia sem dormir nada.

É possível dormir no meio disso?

Tocamos em vários jogos durante esses 4 dias. Como os jogos eram pela manhã, quase não dormíamos, já que as festas nunca acabavam antes das 6. Somando as pequenas sonecas que eu consegui dar, acho que dormi umas 8 horas, 10 horas no máximo, em 4 dias.

No domingo, segundo dia, foi o tão esperado Desafio das Baterias. Era o evento para mostrar todo o nosso trabalho nos ensaios e também para orgulhar o Negão, nosso professor que nos ensinou tudo o que sabemos hoje sobre batucada.

Sabíamos, desde o princípio, que o primeiro lugar não seria nosso. O campus de Bauru tinha a maior tradição com a sua bateria, que é a mais velha de todas e ensaiava todos os dias (diz a lenda). Muitos já falavam que esse ano eles estavam excepcionais. E o Negão nos dizia:

“Eu não quero o primeiro lugar. Mas eu sei que vocês estão bons o suficiente para me trazer a medalha de prata! O ouro a gente deixa para o ano que vem.”

Portanto, já estávamos preparados para o segundo lugar.

Os momentos antecedentes e a preparação foram animais. O ginásio já estava lotado com as torcidas de todos os campi. Na concentração, onde reunimos os instrumentos, checamos a afinação de cada um e nos preparamos psicologicamente.

Houve também uma integração muito boa com as baterias dos outros campus. O clima do InterUNESP é de muita união, na verdade. É só começar a cantar um dos hinos que todos já abrem um sorriso no rosto e se tornam mais receptivos ao mais desconhecido e estranho ser que estiver no recinto.

Pra quem não sabe o significado de integração.

Comunicação sem facilitador

Pausa no relato: é um traço marcante da minha personalidade ser um pouco fechado às outras pessoas. Não tenho o costume ter longas conversas com pessoas desconhecidas. Isso não quer dizer que pessoas desconhecidas não são interessantes, mas sinto falta de um facilitador para iniciar um diálogo. Defeito besta esse meu – e acredito que seja de muita gente também.

Se uma simples “musiquinha” cantada por todo mundo, como no caso do InterUNESP, pode derrubar qualquer barreira de comunicação, por que não começar a conversar com pessoas desconhecidas no dia a dia sem precisar de um empurrão? Foi uma das principais lições que aprendi nesse evento.

Nossa apresentação no desafio de baterias

Continuando com o desafio das baterias. Algumas apresentações foram boas, outras nem tanto assim. Umas quase derrubavam o ginásio de tanto que a torcida gritava, outras apenas tiravam aplausos educados. Apresentação atrás de apresentação, o tempo passava e a angústia ficava cada vez maior. As últimas apresentações foram das baterias que ficaram nos primeiros lugares no ano passado, logo o melhor estava por vir no final.

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Encara fácil esse mundo de gente te olhando tocar?

Chegou a nossa apresentação. Estávamos na concentração. Nosso mestre de bateria, Fábio Fima, nos disse umas palavras sobre determinação, esforço dedicado todo esse tempo nos ensaios, o comprometimento de cada um, a concentração que deveríamos ter no momento de tocar, a calma e o sorriso no rosto que deveríamos manter.

Na hora tudo parecia fazer sentido, mas foi difícil considerar tudo isso quando entramos na quadra. Um ginásio de esportes lotado tira a atenção de qualquer um, ainda mais quando você é o centro das atenções. Nessa hora precisamos manter o foco. O racional deve falar mais alto que o emocional, no entanto, devemos manter a emoção ao tocar os instrumentos, pois música e ritmo não é uma coisa mecânica. Tem de vir do coração.

Tocamos. Os juízes ficaram como abutres em volta do nosso grupo, avaliando e procurando erros. Não os julgo mal, eles estavam lá para fazer isso. Nossa apresentação, que durou 9 minutos e 40 segundos parecia ter durado 2 minutos na minha cabeça. Tocamos direitinho, sem erros graves. Acertamos todas as coreografias e ninguém atravessou a música em nenhum momento.

Experiência única. Saímos muito felizes pois não deixamos o ritmo cair, como estava acontecendo em alguns ensaios e poderia significar grande perda de pontos. Estávamos energizados e nos sentíamos plenos. Que vida maluca essa que nos recompensa por fazer algo e não simplesmente pelo resultado que isso possa dar. Para mim, já tinha vencido o desafio só por ter chegado lá e participado.

Uma vista de dentro da caldeira.

“Por diferença de meio ponto, quem fica em segundo lugar é…”

Corremos para as arquibancadas para ver as apresentações restantes. Foram muito boas, especialmente Bauru. Eles possuíam até líderes de torcida que pareciam ter saído de filmes americanos, com danças sincronizadas, pirâmides humanas e outras traquinagens. A nossa apresentação foi muito mais humilde, sem dúvida nenhuma.

Após Bauru se apresentar, houve a apuração dos pontos. Os jurados saíram das quadras e, enquanto isso, a torcida de Bauru já comemorava uma vitória antecipada. Houve uma “guerra” de torcidas onde todos os outros campi se reuniram para torcer contra Bauru.

O campus de Bauru sempre ostentou uma arrogância que eu espero ser de brincadeira, por ser o campus que mais levou títulos até hoje. Em função disso, um dos gritos oficiais do InterUNESP, todos os anos, é “Ei, Bauru, vai tomá no cú!” e, nesse momento antes do resultado, foi o grito principal.

O resultado saiu, com o nome dos piores colocados sendo anunciados primeiramente. A cada nome que saía, o estômago gelava. Queríamos o segundo lugar. Quando houve a anúncio do quinto lugar e vimos que não foi nosso nome, já sentíamos o dever como quase cumprido: tínhamos ganhado pelo menos uma posição em relação ao ano anterior. Saiu o quarto colocado, não éramos nós. Saiu o terceiro colocado, não éramos nós.

O locutor anunciou: agora só falta Botucatu e Bauru. Silêncio por alguns instantes. E vem a fala:

“Por diferença de meio ponto, com 148 pontos, quem fica em segundo lugar é… BAURU!”

Perdi minha voz nesse momento.

Olhei para os lados, só via meus companheiros pulando e gritando feito loucos! Eu junto, abraçando todos que apareciam na minha frente. O pessoal das outras baterias veio nos cumprimentar: “Parabéns, vocês foram muito bons!”, “Não tem nada melhor do que ver Bauru perder”, e assim por diante.

Eu sou esse barbudo tocando caixa à esquerda.

Não tive tempo e lucidez pra ver se a torcida de Bauru estava gritando; acho que não estava. A comemoração durou uns 15 minutos sem parar. Teve um momento que a minha pressão caiu de tanto esforço que fiz. A emoção era muito grande.

Voltamos correndo para o alojamento, demos a notícia para os demais estudantes de Botucatu e tocamos mais uma vez para consolidar a vitória. Vencemos. Com muito trabalho em grupo e humildade.

Quais foram os maiores ganhos dessa experiência? Não foi o troféu, muito menos os parabéns recebidos. Foram as amizades e esse vínculo foda que formamos entre os integrantes da Bombateria. Saímos de lá com os corações aquecidos e com uma história muito bonita para inspirar os netos.

Bombateria: campeã do desafio das baterias – InterUNESP 2010.
Danilo Scorzoni Ré

Engenheiro Florestal, amante da natureza e de ecoturismo. Apesar de ambientalista, não gosta de eco-chato e ainda acredita na capacidade do ser humano em promover um futuro melhor. É <a>@dscorzoni</a> no Twitter."