Girando na roleta assustadora de aleatoriedades que é o noticiário nacional, o escândalo da última semana envolveu as condições da carne que é consumida no Brasil. Situações como alimento com validade vencida, uso abusivo de conservantes e até mesmo a inserção de elementos estranhos como papelão nos produtos comercializados deixaram o brasileiro confuso, preocupado e possivelmente muito mais hesitante na hora de ir numa churrascaria rodízio.
Mas como se tornou hábito em nossa sociedade – e na nossa Internet – uma questão que era a mesmo tempo de saúde pública e política, já que envolve perigo para o consumidor e recebimento de propina destinado a partidos políticos, acabou servindo mais uma vez para gerar polarização de opiniões, hostilidade entre pessoas de posições contrárias, o famoso clima de fla x flu cognitivo com o qual praticamente já nos acostumamos.
De um lado um confronto entre pessoas que não comem carne e pessoas que comem carne, com argumentos que variavam de “viram, vocês tão comendo carne envenenada” até “sim, mas vocês tão comendo vegetais envenenados”, e então chegavam ao “mas os animais também tão comendo vegetais envenenados” e que no final deixava no ar apenas a conclusão de que, bem, obviamente todos nós vamos morrer, vai ser logo, vai ser terrível, ainda vamos ter que acompanhar em tempo real na função stories.
Por outro lado, o já clássico conflito direita e esquerda com variados níveis de responsabilidade atribuídos ao atual governo, ao governo anterior, ao governo americano, e algumas outras teorias que se tornavam progressivamente mais complexas de acompanhar mas que culpavam as violações das normas de fiscalização tanto à interferência estatal quanto ao livre mercado, deixando o cardápio de possíveis razões bem amplo para quem quisesse escolher.
E conflitos como esse só ressaltam uma tendência que sempre existiu, mas vem se evidenciando cada vez mais nas nossas conversas: a tendência de se preocupar mais em "vencer a discussão" do que em realmente levar a conversa em alguma direção produtiva. Diante de uma questão grave e que afeta a todos nós, acabamos mais consumidos pela necessidade de mostrar que o nosso lado tinha razão ou assumir alguma superioridade moral temporária do que realmente perceber a gravidade do problema, pensar em quem são os responsáveis, imaginar quais seriam as soluções.
Se uma ponte cai, chegamos num ponto que a primeira reação é menos ligada a preocupação sobre quem essa queda possa ter afetado e mais a dizer que a culpa da queda é do “outro lado” ou que você “sempre soube” que aquela ponte ia cair. Diante daquele velho clichê entre preferir “ser feliz ou ter razão” ficou claro que a opção escolhida foi “razão, razão, razão, se possível num diplominha em 3 vias”.
Claro que temos as nossas posições e óbvio que quando sentimos que temos razão vamos querer argumentar para defender nossas convicções, mas existe um ponto em que a necessidade de ter razão apenas zera qualquer possibilidade de diálogo e te fecha num circuito em que você vai se preocupar apenas em estar certo e mostrar pro máximo de pessoas o quão certo você está, independente se isso está ajudando alguém ou gerando algum tipo de progresso.
Como aquela pessoa que vê o seu post do Facebook sobre ter sido roubado e responde com “ah, mas deu mole passando por aquela rua também”, o tipo de resposta dita apenas pra ressaltar algum tipo de superioridade e que não serve pra nada além de te lembrar que talvez seja hora de sair do Facebook.
Então, talvez em situações desse tipo, nos falte muitas vezes tirar um pouco o foco da preocupação de nós mesmos, o quão certos estamos, o quanto precisamos aproveitar a ocasião pra reforçar nossos pontos de vista, o quanto já “cantamos essa pedra”, e pensa mais no problema em si, no quanto ele afeta, no quanto ele representa, no que podemos fazer como solução.
E esse é o tipo de lógica que possivelmente vale quer você seja de direita, esquerda, vegano, não-vegano, destro ou canhoto.
* * *
Nota: o Terceiro Olhar é uma coluna com o olhar voltado para comportamentos na Internet escrita pelo João Baldi, publicada quinzenalmente às quintas-feiras.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.