Girando na roleta assustadora de aleatoriedades que é o noticiário nacional, o escândalo da última semana envolveu as condições da carne que é consumida no Brasil. Situações como alimento com validade vencida, uso abusivo de conservantes e até mesmo a inserção de elementos estranhos como papelão nos produtos comercializados deixaram o brasileiro confuso, preocupado e possivelmente muito mais hesitante na hora de ir numa churrascaria rodízio.

Menos pra ele. Pra ele, tá tudo bem (a montagem é do @andrepaste)

Mas como se tornou hábito em nossa sociedade – e na nossa Internet – uma questão que era a mesmo tempo de saúde pública e política, já que envolve perigo para o consumidor e recebimento de propina destinado a partidos políticos, acabou servindo mais uma vez para gerar polarização de opiniões, hostilidade entre pessoas de posições contrárias, o famoso clima de fla x flu cognitivo com o qual praticamente já nos acostumamos.

De um lado um confronto entre pessoas que não comem carne e pessoas que comem carne, com argumentos que variavam de “viram, vocês tão comendo carne envenenada” até “sim, mas vocês tão comendo vegetais envenenados”, e então chegavam ao “mas os animais também tão comendo vegetais envenenados” e que no final deixava no ar apenas a conclusão de que, bem, obviamente todos nós vamos morrer, vai ser logo, vai ser terrível, ainda vamos ter que acompanhar em tempo real na função stories.

Por outro lado, o já clássico conflito direita e esquerda com variados níveis de responsabilidade atribuídos ao atual governo, ao governo anterior, ao governo americano, e algumas outras teorias que se tornavam progressivamente mais complexas de acompanhar mas que culpavam as violações das normas de fiscalização tanto à interferência estatal quanto ao livre mercado, deixando o cardápio de possíveis razões bem amplo para quem quisesse escolher.

E conflitos como esse só ressaltam uma tendência que sempre existiu, mas vem se evidenciando cada vez mais nas nossas conversas: a tendência de se preocupar mais em "vencer a discussão" do que em realmente levar a conversa em alguma direção produtiva. Diante de uma questão grave e que afeta a todos nós, acabamos mais consumidos pela necessidade de mostrar que o nosso lado tinha razão ou assumir alguma superioridade moral temporária do que realmente perceber a gravidade do problema, pensar em quem são os responsáveis, imaginar quais seriam as soluções.

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Se uma ponte cai, chegamos num ponto que a primeira reação é menos ligada a preocupação sobre quem essa queda possa ter afetado e mais a dizer que a culpa da queda é do “outro lado” ou que você “sempre soube” que aquela ponte ia cair. Diante daquele velho clichê entre preferir “ser feliz ou ter razão” ficou claro que a opção escolhida foi “razão, razão, razão, se possível num diplominha em 3 vias”.

Enquanto isso…

Claro que temos as nossas posições e óbvio que quando sentimos que temos razão vamos querer argumentar para defender nossas convicções, mas existe um ponto em que a necessidade de ter razão apenas zera qualquer possibilidade de diálogo e te fecha num circuito em que você vai se preocupar apenas em estar certo e mostrar pro máximo de pessoas o quão certo você está, independente se isso está ajudando alguém ou gerando algum tipo de progresso.

Como aquela pessoa que vê o seu post do Facebook sobre ter sido roubado e responde com “ah, mas deu mole passando por aquela rua também”, o tipo de resposta dita apenas pra ressaltar algum tipo de superioridade e que não serve pra nada além de te lembrar que talvez seja hora de sair do Facebook.

Então, talvez em situações desse tipo, nos falte muitas vezes tirar um pouco o foco da preocupação de nós mesmos, o quão certos estamos, o quanto precisamos aproveitar a ocasião pra reforçar nossos pontos de vista, o quanto já “cantamos essa pedra”, e pensa mais no problema em si, no quanto ele afeta, no quanto ele representa, no que podemos fazer como solução.

E esse é o tipo de lógica que possivelmente vale quer você seja de direita, esquerda, vegano, não-vegano, destro ou canhoto.

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Nota: o Terceiro Olhar é uma coluna com o olhar voltado para comportamentos na Internet escrita pelo João Baldi, publicada quinzenalmente às quintas-feiras.

João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (<a>www.justwrapped.me/</a>) e discute diariamente os grandes temas - pagode