Filósofo brasileiro, nasceu em Tietê, São Paulo, em 1907.
Na primeira vez que ouvi esse nome, eu pensei comigo mesmo: “Mais um brasileiro”. Ignorante, permeado pelo vitimismo típico de brasileiro, imaginava que filósofos eram só estrangeiros.
Curioso como sou, não resisti e decidi investigar a respeito, ao ler sobre a vida deste autor fiquei assustado. Não no aspecto negativo, mas no positivo, do tipo de susto que resulta em admiração. Dividirei com vocês as minhas impressões.
Antes do perfil, porém, uma pequena história.
Como fortalecer o inimigo antes de meter porrada
Mário Ferreira dos Santos demoliu com maestria vários modismos intelectuais da época, com destaque ao vexame imposto a Caio Prado Júnior, um intelectual comunista muito prestigiado. Na ocasião, foi convidado para um debate, onde estariam figuras conhecidas como Luis Carlos Prestes. Após Caio Prado terminar sua apresentação, Mário se levantou e disse mais ou menos o seguinte:
“Me desculpe, mas creio que o comunismo tem elementos mais fortes que esses que expôs. Vou refazer sua exposição e assim depois farei a minha. Aqui está presente o secretário do partido comunista, e ele poderá averiguar se errarei em algo.”
Mário então refez a exposição de Caio de tal modo que alguns de seus amigos presentes, espantados, colocavam a mão na cabeça dizendo: “Meu Deus! O professor virou comunista!”. Depois que terminou a apresentação, Mário começou a sua própria exposição e refutou a si mesmo.
Tais demonstrações de força intelectual não eram raras na vida do filósofo.
Uma obra que nós levaríamos 500 anos para produzir
Quantidade nunca foi um critério bom para se avaliar a qualidade de um autor. Tratando-se de Mário Ferreira dos Santos, o volume de suas publicações – não só físico, mas também intelectual – é impressionante: cerca de 50 publicações formaram sua coleção Enciclopédia de Ciências Filosóficas. Sem contar outros ensaios e traduções diretas do grego, latim, alemão e francês.
É o único filosofo brasileiro a ter um verbete de uma página inteira numa enciclopédia de filosofia europeia, no caso a italiana, que o define como um filósofo de pensamento universal.
Ele trouxe Nietzsche para o idioma português, traduziu diretamente do alemão as obras Vontade de Potência (Der Wille zur Macht), Além do Bem e do Mal (Jenseits von Gut und Bose), Aurora (Morgenröthe) e o clássico Assim falava Zaratrusta (Also sprach Zarathustra).
Pensador fértil, em seus escritos ia de Nietzsche a São Tomas de Aquino, de Pitágoras a Proudhon. Ler Mário Ferreira é ao mesmo tempo entrar nas portas que ele abre para dezenas de outros pensadores. Como todo homem sábio, foi um tipo inclassificável, meio gnóstico pitagórico ou cristão tomista – no campo econômico era anarquista proudhoniano. Seu primeiro ensaio filosófico foi Se a Esfinge falasse, usando o pseudônimo de Dan Andersen, também usado na tradução do fabuloso Saudação ao Mundo, de Walt Whitman.
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Ele é um dos raros bons introdutores de Nietzsche. Na sua obra As Filosofias da Afirmação e da Negação, Mário Ferreira diagnostica o fenômeno do niilismo moderno profetizado por Nietzsche, contudo um pensador de envergadura de Mário Ferreira nunca se limita a somente a problematizar. Ele aponta a cura e a solução. Na obra A Invasão Vertical dos Bárbaros, denuncia a decadência cultural brasileira, outra análise com o mesmo teor de denúncia encontramos em A Filosofia da Crise.
A universalidade de seu pensamento não se limita somente à filosofia em si. Escreveu também Análise de Temas Sociais (3 volumes), Tratado de Psicologia e Tradado de Economia (2 Volumes). O auge do seu pensamento é a majestosa Filosofia Concreta, que utiliza um método criado pelo próprio Mário Ferreira: a decadialética.
Deixou para quem desejar iniciar nos estudos filosóficos: História da Filosofia e da Cultura (3 volumes), o fantástico Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. Uma lida em alguns verbetes deste dicionário como (“Homem”, por exemplo) é o suficiente para perceber ai distância gritante entre Mário Ferreira e os pensadores da moda.
Filósofo e empreendedor
Mário era filho de um cineasta, sua juventude e infância decorreram no Rio Grande do Sul, onde se formou em Direito e Ciências Sociais. Depois, com cerca de 30 anos, retornou a São Paulo para ajudar o pai nas suas indústrias de filmagens. Antes, em Porto Alegre, ainda fez vários trabalhos como comentarista político e escrevendo artigos para jornais e revistas.
Era um tipo empreendedor, contrariando a imagem clichê que os brasileiros atuais têm de que filósofos são monges intelectualizados longe da vida prática. Com dificuldades em publicar seus livros, fundou suas próprias editoras, a Logos S.A. e a Matese S.A. Como todo bom brasileiro, não perdia uma partida de futebol. E às vezes colocava suas filhas para ajudá-lo nas suas traduções.
Foi pioneiro no sistema de venda de livro a crédito, vendidos de porta em porta. Ainda arranjava tempo para responder cartas de pessoas com problemas que procuravam sua sabedoria. Aliás, foi com o intuito de ajudar as pessoas que ele escreveu os ensaios de auto-ajuda Curso de Oratória e Retórica, Curso de Integração Pessoal e Convite a Psicologia Prática, todos tiveram sucesso entre empresários e outras pessoas notáveis da época.
Segundo suas diversas biografias, ele nunca foi à universidade para ensinar, exceto no seu último ano de vida, convidado por um amigo e admirador, justo na época em que seu problema cardíaco avançava – daí a curta duração das aulas.
Ele faleceu em casa, com os familiares presentes, seus únicos e verdadeiros aliados. Ao sentir que o suspiro final estava próximo, pediu para que fosse colocado de pé, pois considerava indigno que um homem morresse deitado. Sua luz se encerrou com ele pé rezando o “Pai Nosso”.
Um legado para as traças?
A Filosofia Concreta não deixou escolas ou discípulos. Não sei os motivos certos, mas é fato que a maioria dos brasileiros desconhece Mário Ferreira dos Santos (pois é, os leitores PapodeHomem são privilegiados). Seus livros ainda estão entregues as traças em sebos, apesar de serem de fácil leitura devido à didática de Mário e estarem sendo relançados por iniciativa dos familiares.
A tragédia cultural brasileira só não é pior graças à Internet. Atualmente leitores de Mário Ferreira se reúnem numa simplória comunidade do Orkut, onde trocam ideias a respeito de suas obras.
Mário Ferreira deixa aos brasileiros uma grande lição de vida. Em seu livro Filosofia Concreta, exorta os brasileiros a terem coragem de ousar. Poderíamos começar, no mínimo, ousando ler um de seus escritos, não?
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