Não, Balotelli não morreu.

Não foi preso.

Nem parou de jogar.

Balotelli ainda tem 21 anos. E não é por isso que você deve deixar de conhecê-lo.

Quem desligou-se do futebol nas últimas semanas, especialmente durante o período da Eurocopa 2012, perdeu a oportunidade de ver o brilho mais efusivo de um jogador que há um bom tempo demonstrava ter potencial para estrela. Mário Balotelli, italiano filho de ganeses, 21 anos e decisivo. Não foi craque porque está longe de ser craque. Mas apresentou-se como um jogador que fazia falta no futebol atual.

Um jogador que manda o fair play pra puta que o pariu.

Não cale a boca, Balotelli

A infância do jogador não se enquadra no clichê do atleta humilde e sem chances que viu na bola uma oportunidade de sustentar a família. Seu maior trauma foi ser abandonado pelos pais, dois imigrantes ganeses, na porta de um hospital da cidade de Bagnolo Mella, na província de Brescia. Mario Barwuah Balotelli foi encontrado e criado por um casal de médicos até os dois anos de idade.

Em 1993, o tribunal de menores entregou-o para adoção e ele passou a viver com a rica família Balotelli de Concesio. Cresceu junto de  outros filhos do casal, dois homens e uma mulher. Os dois irmãos maiores, Giovanni e Corrado, ajudaram os pais a cuidar de Mario. Inclusive, ajudam até hoje. São os procuradores do atacante desde o início da carreira.

Ou seja: nunca faltou nada para Balotelli. Nada além de identificação com o redor. Afinal, a boa situação financeira possibilitou que o jogador aproveitasse o melhor da vida. Conheceu na adolescência as baladas mais ricas e badaladas da Europa. Sempre acompanhado de gente rica e popular. Rotina boa, mas com uma característica que sempre o incomodou e moldou seu  caráter: ser o único negro rico entre essas pessoas.

Essa diferença foi sentida nas várias vezes que sofreu preconceito. Balotelli não se sentia parte daquilo. O modo como era tratado por alguns fez com que o jogador se envolve-se em diversas confusões quando ainda não era jogador. A entrada para o time do AC Lumezzane, modesto clube da cidade de Lumezzane que joga a terceira divisão italiana, foi com a proposta de refletir e encontrar a verdadeira pessoa.

Mas ele foi bem além disso.

Início na Inter resumiu o resto da carreira: gols e polêmicas

Balotelli teve boas atuações no Lumezzane. E a Inter o contratou em  2006.

Como tinha 16 anos, foi inicialmente integrado às categorias de base do clube de Milão. Mostrou realmente a que veio após marcar dois gols contra a Juventus no jogo de volta das quartas-de-final da Coppa Itália, sendo fundamental para a nerazzurri na vitória por 3 a 2. Após essa partida, adquiriu a confiança do então técnico Roberto Mancini, ganhando chances na equipe titular ao lado do sueco Zlatan Ibrahimović. Seu primeiro gol pela Serie A veio logo em seguida, em abril de 2008, numa vitória por 2 a 0  sobre Atalanta em pleno Estádio Atleti Azzurri d’Italia.

Na temporada 2008-09, marcou seu primeiro gol na UEFA Champions League num empate em 3 a 3 contra o Anorthosis Famagusta, do Chipre. O gol tornou Balotelli o jogador mais jovem na história da Internazionale (então com 18 anos e 85 dias) a marcar na Champions League.

Uma temporada promissora estava por vir. Eis que surgiram as primeiras polêmicas com treinadores. José Mourinho foi o primeiro a acusar Balotelli de fazer corpo mole nos treinos. Foi afastado do time pelo português, para a ira da torcida que pedia a cabeça do treinador e a volta da promessa. Surgiu aí a primeira demonstração do incrível carisma do atacante. Mesmo Mourinho, o campeão de tudo Mourinho, não tinha a moral de deixar o jogador de fora.

Balotelli percebeu esse poder. E, de certo modo, exagerou. Faltou treinos, discutiu com a comissão técnica e viu toda aquela imagem bem construída no clube ir por terra. Foi flagrado, possivelmente para arrumar briga com a direção da Inter, assistindo jogos do Milan com a camisa do alvi-negro. Essa treta com a torcida cresceu ao ponto do jogador receber ofensas racistas durante  jogos no próprio Giuseppe Meazza.

Em 20 de abril de 2010, após o jogo contra o Barcelona pela Champions League, jogou a camisa da Internazionale no gramado após o final da partida e saiu de campo gritando com os torcedores.

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Detalhe: a Inter havia vencido o jogo por 3-1.

Foi o fim de um ciclo.

Já no City, Balotelli joga bermuda em torcedor

O melhor que poderia acontecer para Balotelli surgiu em agosto de 2010. Foi transferido para o Manchester City por 24 milhões de libras, a mais cara transferência daquela janela.

Foi no Manchester City que Balotelli teve a oportunidade que sempre quis: ser o dono do time. As boas atuações no segundo semestre daquele ano renderam ao italiano o prêmio Golden Boy. Na entrega do prêmio, a singela declaração:

Bem, só há um jogador ligeiramente mais forte que eu: Messi. Todos os outros estão atrás de mim.

Messi, como você deve saber, era escolhido o Melhor Jogador do Mundo daquele ano. E a declaração de Balotelli, mesmo que para alguns tenha sido apenas uma jogada de marketing, deu certo. Primeiro porque realmente era uma jogada de marketing. Segundo – e mais importante – porque ele tinha bola pra isso. Assim, mesclando o carisma do vilão com a idolatria do herói, virou o principal alvo dos enfadonhos tabloides ingleses.

Tem mais.

Balotelli comandou o Manchester City no título da Premier League depois de 44 anos.

Balotelli fez um dos gols mais bonitos da Eurocopa 2012.

Balotelli destruiu a melhor seleção alemã dos últimos 20 anos em 45 minutos.

Qual a diferença entre Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar quando comparados com Balotelli (além do futebol superior dos três primeiros, claro)? Simples. Os primeiros, quando elogiados, agradecem com um tímido “obrigado”. Balotelli responde: “eu sei”.

Isso quando não te deixa falando sozinho.

Ainda bem que é sempre ele

Essa marra não faz de Balotelli melhor que os outros. É claro que não. Faz melhor o futebol.

Os maiores esportistas são aqueles que, além da efetividade na prática, vendem uma cena de empolgação. O que diferencia um grande jogador de futebol para um craque é muito mais do que se mostra nos 90 minutos de jogo. A essência das estrelas está fora do campo, quando, cada um do seu modo, eles transformam e geram expectativa sobre os jogos.

Na Eurocopa não foi diferente. Balotelli mal pegou na bola durante a final contra a Espanha. Ainda assim, foi o nome mais comentado do jogo e razão para muita gente acompanhar a decisão. O motivo desse fenômeno é simples: não há na Europa e nem na América do Sul um jogador que, hoje, venda um jogo e uma competição melhor que Balotelli.

Não porque ele é um gênio. Mas porque o futebol politicamente correto de Messi, dos comerciais de shampoo de Cristiano Ronaldo e do sertanejo universitário de Neymar está enchendo o saco.

Andava tudo meio fresco. Anda tudo meio vôlei. Andava tudo meio Pro Evolution Soccer.

O futebol sentiu falta desse brio. Temos um novo anti-herói.

Dá neles, Balotelli.

Fred Fagundes

Fred Fagundes é gremista, gaúcho e bagual reprodutor. Já foi office boy, operador de CPD e diagramador de jornal. Considera futebol cultura. É maragato, jornalista e dono das melhores vagas em estacionamentos. Autor do <a>"Top10Basf"</a>. Twitter: <a href="http://twitter.com/fagundes">@fagundes</a>."