Quando criarem um vestibular do mundo esportivo, a vida de Kobe Bryant certamente estará entre as leituras obrigatórias. Uma lenda do basquete, mas muito mais do que isso: um atleta que extrapolou a linha das quadras para alcançar níveis de popularidade outrora exclusivos dos jogadores de futebol.
Kobe Bean Bryant nasceu no dia 23 de agosto de 1978, na Philadelphia, e a história desse homem é diferente já na origem de seu nome. ‘Kobe’ é o nome de uma cidade do Japão e, apesar de seus pais nunca terem pisado lá, batizaram o filho desse jeito porque adoravam o ‘bife à la Kobe’. Já ‘Bean’ é uma referência ao apelido de infância do pai do garoto: ‘Jellybean’ (do inglês, Jujuba). Dessa forma, estamos aqui falando de um homem meio bife, meio jujuba, que comandou o basquetebol mundial durante quase duas décadas.
Zero pontos
O pai de Kobe, Joe ‘Jujuba’ Bryant, também era um jogador de basquete. Ele atuou na NBA, mas durante quase toda a infância de seu filho, jogou mesmo na Itália. Foi lá que Kobe conheceu um atleta da equipe de Juvecaserta que se tornou uma grande inspiração em sua carreira: o brasileiro Oscar Schimidt.
Mesmo morando no velho continente, durante as férias de verão a família Bryant voltava para os EUA, onde Kobe participava da liga de desenvolvimento do ex-atleta Sonny Hill. Durante uma dessas férias, Kobe considerou desistir do basquete.
“Quando eu tinha doze anos, eu não anotei nenhum ponto na liga de verão. Não pontuei. Nenhum lance livre, nenhuma bandeja acidental, nenhuma daquelas bolas que você joga pra cima e que caem sem querer. Zero pontos. Meu pai, Joe, e meu tio John, eram lendas na liga de desenvolvimento do Sonny Hill. Eu havia envergonhado minha família! Eu considerei desistir do basquete e me dedicar ao futebol.”
Kobe só não largou o basquetebol porque descobriu sua maior inspiração.
“Foi neste momento que meu respeito e minha admiração pelo Michael Jordan surgiram. Eu descobri que ele havia sido cortado do seu time do ensino médio quando ele era um calouro; eu descobri que ele sabia como era se sentir envergonhado, se sentir um fracasso. Mas ele usou essas emoções para alimentá-lo, para fazê-lo mais forte. Ele não desistiu. Então eu decidi que eu iria encarar o desafio da mesma maneira que ele fez. Eu iria usar o meu fracasso para me motivar. Eu me tornei obcecado em provar para minha família – e, mais importante, para mim mesmo – que eu conseguiria.
Eu aprendi tudo sobre o jogo: a história, os jogadores, os fundamentos. Eu não estava só determinado a nunca mais ter zero pontos, eu queria ser o responsável por fazer com que meus adversários sentissem o mesmo sentimento de fracasso que um dia eu senti. E foi então que me dei conta de que meu instinto assassino de pontuar havia nascido.”
Black Mamba
A ‘mamba negra’ mede entre 2 e 4 metros e é uma das espécies de cobra mais velozes do mundo, capaz de se mover a 11 km/h. Seu veneno é altamente tóxico e sua mordida causa o colapso de um ser humano em menos de 45 minutos. A morte ocorre entre 7 e 15 horas após a mordida que te faz agonizar.
Não à toa, esse é o apelido de Kobe Bryant.
O instinto assassino surgiu no garoto aos doze anos e, desde então, Kobe causa estrago por onde passa. No Ensino Médio, por exemplo, sua presença no time da ‘Lower Merion’ garantiu que a escola passasse de ruim para campeã estadual, contando com médias de 31 pontos, 12 rebotes, 6 assistências, 4 roubadas de bolas e 4 tocos por jogo do jovem Kobe. Se você não conhece basquete, preciso te contar: esses números são bastante impressionantes.
O cara jogava em qualquer posição. Fazia de tudo um pouco e, não por acaso, com apenas dezessete anos, Kobe Bryant – já conhecido nacionalmente – tomou a rara decisão de ir direto do Ensino Médio pra NBA.
Primeiros passos
Em 1996, o Charlotte Hornets trouxe Kobe Bryant para a melhor liga de basquete do mundo e, de imediato, o enviou para o Los Angeles Lakers em troca do pivô Vlade Divac. O rapaz, novinho de tudo, não teve vida fácil na sua primeira temporada. De fato, os seus três primeiros anos foram de crescimento e maturação. Depois de um ano como reserva, ele conquistou a vaga de titular e acabou selecionado para dois jogos das estrelas. Os analistas esportivos começaram a compará-lo com Michael Jordan e Magic Johnson, mas foi na sua quarta temporada que ele alcançou um novo patamar. E isso tem muito a ver com um tal de Phil Jackson.
Phil Jackson foi técnico do Chicago Bulls entre 1989 e 1998. O que significa dizer que ele foi técnico do hexa-campeão e melhor jogador de todos os tempos: Michael Jordan. Phil Jackson é, portanto, um cara que tem moral.
Em 1999, o vitorioso treinador foi contratado pelo Los Angeles Lakers e isso mudou tudo. Acontece que o pivô do Lakers na época era ninguém menos que Shaquille O’Neal. Um atleta sensacional, mas que precisava de um técnico que inspirasse respeito. Shaq era incapaz de se dedicar sob o comando de alguém em quem ele não confiava. Mas se o Lakers fosse mal com Phil Jackson controlando o time, ele não poderia dizer que a culpa era do técnico (como já havia feito outras vezes) e, consequentemente, a chegada de Jackson fez com que Shaq treinasse como nunca.
Então, meio que de repente, o Lakers reuniu um treinador hexa-campeão da NBA, um pivô consagrado determinado a treinar muito e um tal de Kobe Bryant (obcecado em melhorar desde os 12 anos de idade) cada vez melhor e entrando no seu quarto ano de NBA. Não podia ser diferente: o resultado veio e veio legal. O Lakers venceu três campeonatos seguidos (2000-2002) e a dupla Shaq/Kobe tornou-se a mais escolhida nos jogos de vídeo game mundo afora.
O sucesso foi absoluto, mas durou pouco. Os dois maiores responsáveis pela superioridade do Lakers, Bryant e O’Neal, deixaram de se gostar e isso abalou a estrutura do time. Nos dois anos seguintes, os títulos cessaram. A equipe até chegou nas finais de 2004, mas perdeu a melhor de sete enfaticamente: 4 a 1 contra o bom time do Detroit, o que só fez piorar a situação entre Shaq e Kobe.
Não teve jeito, O’Neal foi embora de Los Angeles e o técnico Phil Jackson acabou pegando a mesma barca. Como consequência, o Lakers deixou de ir pros playoffs pela primeira vez em mais de dez anos. Depois de uma ascensão fulminante, Kobe estava sozinho e com sua reputação em baixa.
A lenda
A temporada de 2005-06 veio e tudo mudou. É ela, inclusive, uma das grandes responsáveis por você estar lendo este texto. Foi nesse ano que Kobe passou de um ‘grande jogador’ para um homem que você deveria conhecer. Phil Jackson voltou aos Lakers e Bryant passou a jogar como nunca antes. Até que no dia 20 de dezembro de 2005, numa partida contra o Dallas Mavericks, o Mamba deu um dos seus mais impressionante botes: fez 62 pontos… em três quartos.
Quando o último quarto começou, o time adversário tinha 61 pontos. Um ponto a menos que Kobe sozinho. Uma performance que assombrou o mundo. Um mês depois, no dia 22 de janeiro, Bryant mostrou que tinha mais fome (e mais bola) do que isso e cravou a maior performance individual do basquete moderno: 81 pontos numa única partida, contra o Toronto Raptors. Naquela temporada, ele sustentou uma média de 35 pontos por jogo (a maior pontuação média desde Michael Jordan, 37 ppg, em 1987).
No ano seguinte, o Mamba resolveu trocar o número de sua camisa de #8 para o atual #24. Num caso raro da história mundial, ele mexeu no que estava ganhando e ficou melhor. No dia 16 de março de 2007, Kobe anotou 65 pontos contra o time de Portland. No jogo seguinte, fez 50 pontos no Minnesota. No próximo, 60 pontos no Memphis. Depois, outros 50 contra o New Orleans Pelicans. Uma sequência de 4 partidas com 50 pontos ou mais. Os números eram impressionantes. A camisa de Kobe passou a ser a mais vendida no mundo e o atleta virou febre até no outro lado do planeta. Se Michael Jordan foi o responsável por levar o basquetebol pra fora dos EUA, Kobe foi um dos culpados pela popularização do esporte no Oriente.
Na temporada de 2007-08, ele foi eleito o melhor jogador da liga (MVP) pela primeira (e única) vez em sua carreira. Com o auxílio do espanhol Pau Gasol, voltou a levar o time pras finais da NBA, onde perderia pro histórico time que o Boston Celtics montou naquele ano.
Pouco tempo depois da derrota, no entanto, Kobe garantiu uma medalha de ouro nas Olimpíadas de Pequim e impressionou o colega de seleção, Dwyane Wade:
“O Kobe é o maior jogador da nossa era. Eu me lembro do verão de 2008. A seleção tinha acabado de ser convocada para os treinos das Olimpíadas de Pequim. Nós estávamos em Las Vegas e todos fomos tomar café antes do treino. O Kobe apareceu com gelo nos joelhos. Ele estava todo suado com roupa de treino e eu pensei ‘são oito da manhã, de onde esse cara tá vindo?’ Todo mundo tinha acabado de acordar e o Kobe estava treinando há umas três horas. E isso aconteceu dez dias depois dele ter perdido para o Boston nas finais! Aquilo marcou todos nós. Não existem mais pessoas como o Kobe Bryant. Existem bons novos jogadores, mas nunca mais haverá um outro Kobe.”
Dwyane Wade, tri-campeão da NBA
Em 2009, o Lakers chegou nas finais novamente. Desta vez, contra o Orlando Magic e com um resultado diferente. Campeão. No caso de Kobe, tetracampeão e com direito ao troféu de MVP das Finais (nos três títulos anteriores, foi Shaquille O’Neal quem ganhou).
Em 2010, novamente nas finais e novamente contra o Celtics, a vingança veio: pentacampeão e MVP das finais (de novo).
Era, oficialmente, o auge.
Jordan e Kobe
Como vimos, Michael Jordan é um personagem importante na vida de Kobe desde os 12 anos. Mas Jordan é mais do que só ‘importante’. Ele é um desafio constante. Para Kobe, nunca bastaram as comparações com Jordan. Por mais inconcebível que isso possa parecer, ele aspirava ser superior.
Existe uma história de que, no fim dos anos 90, Phil Jackson orquestrou um encontro entre Kobe e o recém-aposentado Jordan. O objetivo do técnico era que Michael explicasse a Bryant quais as qualidades necessárias para ser um campeão na NBA. O que você imagina que tenha acontecido nesse encontro? Você acha que Kobe admitiu sua admiração por Michael? Você acha que ele escutou atentamente tudo o que melhor de todos tinha a dizer? Nada disso, o rapaz — do alto de seus três anos de experiência de NBA — olhou nos olhos da lenda e disse: aconteceu? Assim que o jovem Kobe encontrou com Michael, ele disse: “Você sabe que eu sou muito melhor que você no um contra um, né?”
Então Kobe agora era pentacampeão da NBA, mas é claro que isso não bastava. Michael Jordan, afinal de contas, é hexa. Kobe precisava de mais um título, mas não dava. Ele sempre exigiu demais de seu corpo. Mais cedo ou mais tarde, as consequências de ter começado a jogar profissionalmente com tão pouca idade chegariam. E elas chegaram.
As lesões foram várias: seu joelho não aguentava mais, o tendão de Aquiles se rompeu, seu ombro e seu punho estavam frágeis. Os poucos momentos nos quais ele permaneceu saudável nos últimos anos, mostravam um relance de quem ele havia sido. Sem que eu me desse conta, comecei a ver os jogos do Lakers com certa nostalgia e o Mamba, que sempre gostou do papel de vilão, que queria ser temido e odiado, tornou-se um cara querido por todo mundo.
Querido porque tão de repente surgiu um entendimento de que o cara já estava em quadra há quase vinte anos. E depois de quase vinte anos não há mais nada a se provar. Cinco vezes campeão da NBA, bi-campeão olímpico (ele foi campeão de novo em 2012), terceiro maior cestinha da história com mais de 33 mil pontos… provar o quê? Provar? Por quê?
O brilho nos olhos
No começo desta temporada, Kobe Bean Bryant anunciou sua aposentadoria. E quando fez isso, Kobe resolveu escrever uma carta aberta ao basquete que emocionou os fãs do mundo inteiro:
“Querido Basquetebol,
A partir do momento em que eu comecei a fazer bolas de meia com os meiões do meu pai e a chutar chutes imaginários que ganhavam os jogos do Grande Western Forum, eu soube que uma coisa era real: eu me apaixonei por você.
Um amor tão profundo que eu dei-me por inteiro – da minha mente e meu corpo até o meu espírito e minha alma.
Como um garoto de seis anos profundamente apaixonado por você, eu nunca avistei o fim do túnel. Eu apenas me via saindo dos túneis dos vestiários.
E então eu corri. Eu corri pra cima e pra baixo das quadras – atrás de todas as bolas perdidas – por você. Você me pediu garra e eu te dei meu coração porque ele veio com muito mais pra oferecer.
Eu superei o suor e a dor não porque o desafio me convidava a fazê-lo, mas porque VOCÊ me convidava. Eu fiz tudo isso por VOCÊ. Porque é isso o que se faz quando alguém te faz se sentir tão vivo quanto você me fez.
Você deu a um garoto de seis anos o seu sonho de ser um Laker, e eu sempre te amarei por isso. Mas eu não posso te amar obsessivamente por muito mais tempo. Esta temporada é tudo o que me restou para oferecer. Meu coração aguenta bater, minha mente aguenta a pressão, mas meu corpo sabe que é hora de dizer adeus.
E tudo bem. Eu estou pronto para te deixar ir. Eu quero que você saiba disso para que a gente possa saborear cada momento que ainda temos juntos. Os bons e os ruins. Nós nos demos tudo o que tínhamos.
E nós dois sabemos – não importa o que eu faça a seguir – que eu sempre serei aquela criança com as bolas de meia e a lata de lixo no canto. 5 segundos no relógio, a bola nas minhas mãos. 5 … 4 … 3 … 2 … 1
Te amo sempre,
Kobe.”
A verdade é que nesta geração, não haverá aposentadoria mais importante. Foi esse o cara quem carregou a NBA neste milênio. Ele transcendeu o mundo do basquete e invadiu outros continentes. Assista a um vídeo de quando ele vai à China. É uma comoção nacional. As pessoas choram ao vê-lo.
Daqui a alguns anos, aquela sua prima que nunca viu basquete na vida tentará puxar papo com o sobrinho basqueteiro e falará pra ele “Kobe Bryant!” Porque é esse o nome que estará na boca dos desentendidos contemporâneos. ‘Kobe’ é o nome famoso. E é esse poder de extrapolar o mundo do basquete que carrega a NBA. É ele que faz o interesse pelo basquete subir.
Depois que Jordan se aposentou, foi Kobe quem deu esperanças aos seus órfãos. Era dele o brilho nos olhos dos garotos dos anos 2000. No rachão do parque, era o nome de Kobe que o menino invocava antes de chutar a bola decisiva. Sem dúvida, o nome ‘Kobe’ alcançou patamares nunca antes imaginados pelos menus de restaurantes japoneses.
Nunca mais haverá um outro Kobe, um competidor tão obcecado quanto talentoso. Um homem bife, jujuba e gênio que recebe a recompensa de sua obsessão. E hoje, 13 de abril de 2016, a lenda vai parar. Sai das quadras para ficar de vez no imaginário popular. “Basquete? Kobe Bryant!”
***
A ‘Homens que você deveria conhecer’ é uma série colaborativa do PapodeHomem. A ideia por trás dessa coletânea que já tem mais de 50 textos é montar um conjunto representativo de homens vivos ou mortos que são dignos de notoriedade e que podem, através de suas histórias de vida, nos ensinar algo de positivo.
Para que essa série se torne cada vez mais representativa dos bons exemplos que nossa comunidade – autores e leitores – cultiva, dependemos da sua colaboração e estamos abertos para recebê-las. Através do meu email breno@papodehomem.com.br estamos recebendo sugestões e artigos de pessoas que você gostaria que conhecessem.
Para acertar a mão e emplacar um texto na série basta se atentar a algumas instruções: (1) os artigos são quase biográficos por isso eles podem obedecer a uma ordem cronológica dos fatos, mas (2) eles devem conter detalhes pouco conhecidos sobre a vida do personagem que justifique sua escolha. Além disso, (3) é importante que o texto não foque apenas no aspecto profissional da vida do personagem, queremos ‘Homens que você deveria conhecer’, não apenas empresários, engenheiros, artistas etc. Por último, (4) você pode visitar os outros 50 artigos da coleção para ter inspiração. Os outros parâmetros mais subjetivos, batemos individualmente por email quando você tomar tempo e coragem pra nos recomendar alguém. Até lá.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.