Bem aventurados são os jovens e suas tardes. Depois do episódio que aconteceu comigo e com o amigo Fred Fagundes, meus olhos nunca mais foram os mesmos para esse período do dia da molecada.

Juntos, estávamos indo ver um apartamento que ele — ainda residente em São Paulo — queria ver para alugar. O cara que ia mostrar o imóvel se demorou e então ficamos esperando na portaria do edifício. Do outro lado da rua, um prédio bonito, cheio dos vidros e dos luxos, porteiro na porta, sacadas enormes, pastilhas brancas e limpas. Lindo, assim, asséptico.

Lá, em uma das varandas, um casal de idade universitária apareceu. Era mais um menos duas da tarde, pouco mais que isso quando eles despontaram em um dos balcões rindo e conversando. Sentaram-se em umas cadeiras de madeira e trocavam ideias. Lá embaixo, debaixo de sol, com trabalho atrasado e esperando o cara que iria mostrar o apartamento pro amigo Fred Fagundes, estávamos nós só a observar.

Aquele pedaço de área construída sobressalente à estrutura da construção era que nem  um oásis que nunca alcançaríamos. Dava para escutar uma música tocando lá dentro, o casal batendo papo despretensiosamente lá fora, a garota entrou e voltou com dois copos na mão, sentados em cadeiras e completamente despreocupados. Um gole de bebida aqui, uma risadinha acolá e eles se aproximaram. E quem poderia impedir?

Um beijo, mais um aconchego, outras bitocas, bebericadas nos copos e acenderam um cigarrinho de artista.

BUM!

Estouraram. O cheiro tardava, mas chegava até nossas narinas. O bálsamo da vagabundice. Era uma delícia de ver, assistíamos com olhos prósperos. As risadas aumentavam, os toques também e os beijos idem. Duas e meia da tarde. Já em pé, entraram. Foi só depois de alguns segundos de certeza de que não haveria retorno e muito menos um bis, eu olhei pro Fred e ele olhou pra mim. Conjecturamos:

— Bah — esse era o Fred falando, por supuesto — olha isso. Agora eles entraram, vão ver Quero ser Grande na Sessão da Tarde, dar umazinha, comer um lanche que a mãe dela vai fazer enquanto assistem Malhação. E daí ele ou ela vai embora e tudo mais.

uma-tarde-qualquer
 

Criamos, nesse dia, um padrão.

De lá para cá — isso já faz uns três anos — pessoas relataram-me ter visto a mesma cena em outras circunstâncias, o mesmo paradigma envolvendo outros lugares, pessoas diferentes, contextos apartados. Mas, no final das contas, o script se repetia: jovens, situações gostosas em horários em que muita gente está voltando do almoço e entrando em alguma reunião de arrancar cabelos e a inveja latente.

Ai, como a inveja bate.

Minha invídia pela meninada livre para voar me intriga até os dias de hoje. Como eles podem ir e vir, sentar no quintal e estourar um baseado sem pressa alguma, ter como meta se manter acordado até o final do dia, receber a namoradinha com a casa vazia e a despensa cheia.

Dia desses, o Eduardo Amuri veio ter comigo. Queria uma conversa mais intimista, me chamou num canto:

— Cara, ontem eu estava trabalhando em um Starbucks, cheio de coisas para resolver, queria um lugar que não me atrapalhassem, e-mails caindo pelas tabelas com caráter de urgência distintos, uma loucura. Na mesa ao lado da minha, tinha um casal — desses de cursinho — fazendo exercícios juntos.

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O Amuri é um cara muito concentrado e lúcido.

— Eles ficavam ali, rabiscavam metade de um exercício e se pegavam. "Não, não, a gente tem que fazer esse exercício", ela dizia e rabiscavam mais um pouco. Riam e se atracavam. Aquele barulho de beijo, aquela coisa apetitosa e ridícula.

Eu sei bem qual é a ambientação da cena. E você também.

— E, sabe, eu tava lá e esses dois estavam lá. Cara, eu fiquei com uma inveja danada.

Claro que ficou. Todos ficamos.

Bem aventuradas as cabeças presentes juvenis. Não há real preocupação como as que temos, não há planos complexos como os que costuramos com o nosso cotidiano atribulado. Eles não são, só estão. E, por essa mazela da língua portuguesa, eles apenas aproveitam o estar com amassos e maconha e as tramas rocambolescas da Malhação.

Eu tenho uma inveja genuína de vocês, jovens despreocupados. Aproveitem bem por vocês e por mim, antes que venha a próxima página. A vida despreocupada do jovem começa a acabar quando chega em casa a primeira conta de celular em seu nome. Ora, em algum instante, por alguma cagada, o pai dessa galera vai mandar tudo às favas e trocar o nomezinho que vem na conta do plano de celular. Com isso, o jovem vai ter de começar a se virar e rebolar para bancar os minutos que perdura convidando a menininha pra fumar unzinho ou pra ver qual bróder tá afim de fazer aquele rolê no começo da noite.

Celular, a gasolina do carro, o primeiro emprego, pegar busão para chegar de terno mal cortado no estágio, tomar esporro do chefe, molhar os sapatos na chuva, não conseguir bancar a viagem com os amigos no feriado, a namoradinha vai com a molecada pra praia e, lá, pega outro cara, aluguel do apartamento, a diarista pra limpar a lambança que os amigos escrotos fazem quando vão lá encher a cara e jogar videogame, planejamento financeiro, brochar diversas vezes, comprar os presentes de dia das mães e de dia dos pais, pagar a fiança do amigo bêbado cagado, chorar sozinho em casa que é, de fato, lugar quente.

Cacete, se essa molecada conseguisse imaginar o quão fodidas elas estarão em breve, a quantidade de sofrimento que elas enfrentarão e que moldarão seus próximos atos, a descida vertiginosa de suas expectativas…

Aproveitem a liberdade. Aproveitem a mamata.

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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados