De quatro em quatro anos o mundo para por um instante e esfrega as mãos na expectativa dos Jogos Olímpicos. O Brasil, país que diz-se do futebol, também abre espaço para outros esportes e nós nos acostumamos a acompanhar atletas que pouco aparecem no dia a dia mais que naquele período viram nossos grandes representantes, nossos heróis.

O futebol, que nunca conquistou uma medalha de ouro e que não tem na Olimpíada seu grande campeonato, fica de lado para ver o sucesso da natação, da vela, do judô e, principalmente, do vôlei.

Mas quem só torce de quatro em quatro anos por essas modalidades não faz ideia do trabalho que há por trás de centenas, talvez milhares de pessoas, em busca da consagração naquele momento único tão esperado.

Pois bem, agora não há mais motivos para desconhecer a trajetória de pelo menos um dos potenciais heróis dessa Olimpíada que estamos às vésperas de acompanhar aqui no Rio de Janeiro. Alguém que, independente do resultado desse ano, já tem título que ninguém poderá tirar: o primeiro brasileiro tricampeão olímpico da história.

O menino e a bola

José Roberto Lages Guimarães nasceu em Quintana, no interior de São Paulo, há 62 anos e três dias, e o pequeno Zé Roberto gostava mesmo era da bola de futebol. Segundo o próprio admitiu, uma de suas lembranças de infância mais presentes é dele chutando uma bola pelos corredores de casa com seus cinco ou seis anos de idade.

Alguns anos depois, já na adolescência, a família de Zé Roberto se mudou para Santo André, no A do ABC palista, e calhou do professor de educação física da nova escola ter outros planos para o garoto. Avesso ao futebol, o professor queria saber mesmo era de vôlei e foi com a bola nas mãos que Zé Roberto descobriu um novo talento.

Um mês depois, o garoto já estava disputando o Campeonato Paulista pelo time juvenil da cidade na mesma posição que ficou durante toda a carreira, levantador, sem nunca alcançar o mesmo sucesso que teve na beira da quadra, como treinador.

Mas Zé não era um jogador de se jogar fora. Como atleta atuou por diversas equipes no Brasil, defendeu a seleção brasileira na Olimpíada de Montreal, em 1976, e chegou a jogar dois anos no badalado voleibol italiano antes de se aposentar em 1988. Ciente da curta extensão de carreiras esportivas, Zé Roberto estudou educação física e se graduou ainda enquanto jogava.

E o plano deu certo. No mesmo ano que parou de jogar, Zé recebeu uma ligação do então treinador da seleção brasileira masculina de vôlei e também ex-jogador, Bebeto de Freitas. Pelo telefone, além do convite para ser assistente técnico do Brasil, ele ouviu um dos conselhos que guardou para toda a carreira:

“Crie, inove, invente. Nunca copie os outros treinadores.”

Uma nova carreira

Mas Bebeto de Freitas não ficou muito mais tempo no comando da seleção e em 1990 decidiu se aventurar no voleibol da Itália, o melhor do mundo na época. Zé Roberto, um de seus auxiliares, também saiu da seleção e acumulou experiência em seleções nacionais femininas e masculinas de outros países.

Porém, pouco tempo depois, no final de 1991, o então presidente da Confederação Brasileira de Vôlei (CVB), Carlos Arthur Nuzman, atual presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (CVB), convida o ex-auxiliar técnico, agora com experiência internacional em seleções, para assumir o Brasil às vésperas da Olimpíada de Barcelona de 1992.

Zé Roberto prontamente aceitou o convite e resolveu encarar a difícil de missão de, aos 38 anos, comandar a geração de Maurício, Marcelo Negrão, Tande, Amauri, Giovane, Carlão (capitão), entre outros. Ele admite: a ampla experiência dos jogadores era um desafio a mais para um treinador tão novo quanto ele e a desconfiança em relação ao técnico dominava o elenco. Mas pouco a pouco, Zé Roberto não só conseguiu ganhar os jogadores, como fez mais.

A primeira medalha

Até a Olimpíada de 1992 o Brasil nunca tinha conquistado uma medalha de ouro em esportes coletivos e a seleção brasileira de vôlei estava longe de ser uma favorita ao título. Após a geração de prata de Los Angeles, em 1984, muito pouco se esperava do time brasileiro frente a seleções pujantes como a italiana.

O resultado, porém, foi bem diferente e Zé Roberto conduziu a equipe até a medalha de ouro inédita com uma vitória por 3 a 0 sobre a Holanda na final coroando uma campanha onde o Brasil só perdeu 3 sets em toda a competição, numa época onde os sets de vôlei ainda tinham apenas 15 pontos.

Ali começava a saga de Zé Roberto como treinador: quebrar recordes.

O trabalho obviamente foi muita aprovado e Zé Roberto seguiu como técnico da seleção. Mas no ciclo seguinte a seleção brasileira não conseguiu o mesmo sucesso e terminou com um modesto quinto lugar nos Jogos Olímpicos de Atlanta-1996.

Encerrada a campanha nas Olimpíadas, encerrou-se também a participação de Zé Roberto no comando da equipe. Além da medalha de ouro em Barcelona, ele se despediu com títulos da Liga Mundial, do Sul-Americano e da Copa do Mundo de Vôlei.

Desiludido com o vôlei, Zé Roberto aceitou o convite de uma empresa e achou que era hora de realizar seu sonho de infância no futebol, não como jogador, é claro, mas como dirigente. E foi então que em 1997, Zé Roberto se tornou gerente de futebol do Corinthians.

A experiência, porém, não deu certo. A vida tinha outros planos para Zé. Depois de desentender com o atacante Luisão, o ex-levantador se desligou do time do Parque São Jorge e abandonou o futebol definitivamente dois anos depois, em 1999. No ano seguinte, já estava de volta ao vôlei dessa vez como técnico da equipe feminina de Osasco, onde novamente foi muito bem sucedido.

No comando do time, Zé Roberto foi bicampeão paulista (2001 e 2002) e tricampeão consecutivo da Superliga (entre 2002 e 2005). Os resultados novamente lhe alçaram o patamar dos melhores técnicos do Brasil e a seleção brasileira foi novamente surgindo no horizonte. Depois de conquistar o primeiro título nacional, no final da temproada 2002/2003, o treinador também foi eleito o melhor treinador do Brasil e pouco depois recebeu um convite para assumir a seleção brasileira feminina.

Nos dois primeiros anos, Zé Roberto conciliou as ocupações, mas logo depois passou a se dedicar exclusivamente à seleção. Talvez por conta do fracasso na Olimpíada de Atenas, em 2004.

A grande decepção

Após ser convidado para a seleção feminina, Zé Roberto iniciou uma grande renovação na equipe convocando atletas como Mari, Sheilla, Paula Pequeno, Sassá, Carol Gattaz, Fabi, Valeskinha, Jaqueline e mantendo algumas mais experientes como Fernanda Venturini, Virna e Elisângela. Assim conquistou diversos os principais títulos do mundo durante os primeiros anos de trabalho: Grand Prix, Sul-americano, Montreux Volley Masters, Copa dos Campeões. Mas faltava a coroação com a medalha de ouro olímpica. E ela não veio de forma dramática.

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Depois de uma boa campanha na fase de grupos e de uma vitória sofrida contra os Estados Unidos nas quartas de final, o Brasil encarou a Rússia na semifinal. Na partida, o Brasil abriu 2 sets a 1 e colocou 24 a 19 a favor no placar no quarto set, mas mesmo com cinco match points seguidos, a equipe não conseguiu fechar o jogo. Pior. Viu a Rússia virar, ir pra final e acabou perdendo também a partida seguinte contra Cuba por 3 a 1, terminando em quarto lugar.

“Quando a última bola que nós atacamos caiu fora da quadra da Rússia, minha vida caiu com ela. Eu queria realmente desaparecer.”

O resultado realmente parece ter pesado nas costas do treinador e da equipe que não conseguiu repetir boas atuações nos anos seguintes. As campanhas no Campeonato Mundial de 2006 e nos Jogos Pan-americanos de 2007 acabaram da mesma forma: frustrantes. No Rio-2007, inclusive, a equipe foi derrotada por Cuba após desperdiçar novamente seis match points.

Link Youtube – Sente o drama, amigo

Mas teve um torneio no qual o Brasil conseguia se manter bem. Os títulos do Grand Prix de 2005 e 2006 eram os único em todo o ciclo olímpico até que Zé Roberto conduziu novamente a seleção à conquista em 2008, algumas semanas antes dos Jogos Olímpicos de Pequim. Dessa forma, a seleção brasileira entrou novamente como uma das favoritas ao ouro olímpico.

A segunda medalha

A derrota amarga em Atenas-2004 foi o estopim para Zé Roberto começar uma revolução no Brasil. Procurando motivos para a derrota contra a Rússia, o treinador chegou à conclusão de que era necessário mudar a forma de preparação das mulheres no país. Foi então que ele resolveu estudar, ler, conversar com médicos, preparadores físicos, fisioterapeutas e até ginecologistas para tentar entender o universo feminino.

“Eu devo ter sido um monstro nas equipes femininas que treinei antigamente. Eu dizia: ‘dor nas costas? TPM? Tem que cair no chão, tem que rolar, tem que pegar a bola’.”

O resultado da revolução tardou, mas chegou e foi assim que Zé Roberto conduziu mais uma campanha brilhante nos Jogos Olímpicos. Se antes já tinha dado a primeira medalha de ouro da história dos esportes coletivos para o Brasil, agora tinha chegado a hora de conquistar a primeira medalha de ouro olímpica do voleibol feminino brasileiro.

Com uma geração muito parecida com a de 2004, o Brasil venceu a China na semifinal, os Estados Unidos na final, e conquistou a medalha de ouro. De quebra, Zé Roberto, o quebrador de recordes, se tornou o primeiro e único técnico no mundo campeão olímpico com seleções de ambos os sexos.

A terceira medalha

A volta por cima foi dada, a medalha finalmente conquistada, mas a vida ainda reservava mais para Zé Roberto.

Após a conquista olímpica, o treinador estava de frente com uma missão ainda mais difícil. Como diz o ditado, mais difícil do que chegar no topo é se manter no topo. E assim foi. Zé passou a ter que lidar com jogadoras-celebridades e com as atenções do mundo inteiro voltadas para a equipe campeã olímpica.

Assim, o Brasil não acumulou resultados tão bons nos anos seguintes à Pequim. Depois do título no Grand Prix de 2009, o Brasil não conquistou nada de tão relevante no ciclo olímpico, exceção feita ao título pan-americano de 2011, numa vingança contra Cuba.

Chegava Londres-2012 e muito pouca gente acreditava no bicampeonato. A equipe vinha de um vice campeonato no Grand Prix de algumas semanas antes e a seleção americana estava voando. E apesar da péssima campanha na primeira fase, o Brasil conseguiu a classificação e calhou de pegar justamente a Rússia, algoz na Olimpíada de 2004.

E nesse exato momento da carreira de Zé Roberto, a vida foi doce. Depois de perder cinco match points em 2004, o Brasil viu a Rússia desperdiçar seis em 2012 e acabar derrotada de virada por 3 sets a 2.

Com a vingança completa sobre as russas, a seleção chegou confiante na final quando encarou os Estados Unidos e só concedeu um set às americanas, fechando o jogo em 3 a 1 e conquistando o bicampeonato olímpico. Zé Roberto, mais uma vez, quebrava um recorde e se tornava o primeiro e único brasileiro tricampeão olímpico da história.

“Quando acabou aquele jogo, eu dei três peixinhos na quadra, porque era a vida nos dando outra chance.”

O futuro de José

Depois da vitória, parece não ter restado mais nenhuma ferida pra ser fechada, Zé é o profissional do esporte que foi mais longe na história do Brasil em alguns vários sentidos, mas decidiu continuar. Quando é perguntado sobre aposentadoria, costuma dizer que quem começa a pensar em parar já está morto e que passou a vida inteira fazendo isso, não sabe fazer outra coisa.

Neste ciclo olímpico, o Brasil acumulou títulos novamente. Foi campeão do Grand Prix em 2013, 2014 e, agora há pouco, em 2016. Chega ao Rio com grandes expectativas de um inédito tricampeonato olímpico:

“Agora, no Rio 2016, nós teremos a missão mais difícil de todas. O time é bicampeão olímpico e a expectativa é grande. E é isso que me preocupa.”

Supersticioso e religioso, Zé Roberto já rezou, prometeu e cumpriu muitas promessas principalmente depois da última medalha de ouro, mas agora, em entrevista recente, disse que está sem tempo para ouvir músicas, ler livros e até para praticar tênis – esporte que encontrou como opção para manter a forma física -, só pensa na preparação da equipe para este que, segundo ele, será o maior desafio de toda a carreira.

Link Youtube – José Roberto Guimarães conta o que viu da vida.

Se ganhar, Zé prometeu fazer o Caminho de Santiago de Compostela pela terceira vez, mas segundo ele, antes é preciso ganhar e:

“Como dizia Ayrton Senna: ‘nada melhor do que ganhar em casa’.”

Se depender da gente, não faltará torcida.

Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a <a>Jornalismo Júnior</a>