O Irineu mais rico do Império. Dono de um patrimônio equivalente a 20% do PIB brasileiro, é o cara por trás da primeira ferrovia, do primeiro banco privado e da primeira siderúrgica do Brasil.
A vida empresarial de Irineu Evangelista de Souza é uma sucessão de novidades, coisa rara no país em que ele viveu, um parente distante do Brasil atual, recheado de empreendedores turbinados por Sebraes, Fiesps e assemelhados.
Irineu é um legítimo filho do único Império da história das Américas. Tanto que hoje ele é mais conhecido por um de seus vários títulos nobiliárquicos: Barão de Mauá.
De que planeta era Irineu?
O Brasil do século XIX era muito diferente do de agora. Muito mesmo. Graças ao esforço da coroa portuguesa, a sua colônia sul-americana era o pedaço mais atrasado do continente. Todo o trabalho era feito por escravos, todas as indústrias eram proibidas, não se fazia estradas para não incentivar o contrabando e – pasmem! – até 1808 praticamente inexistia meio circulante, obrigando a minúscula população livre a fazer escambo (troca sem dinheiro).
Isso começou a mudar em 1808 com a chegada da família real. Cinco anos depois, em 1813, nasce Irineu em Arroio Grande, no extremo sul do RS, quase no Uruguai. O local era meio que um velho oeste, tanto que o pai do guri foi assassinado quando ele tinha 5 anos. Sua mãe, obrigada a se casar, seguiu a ordem do novo marido e enviou Irineu para viver com seu tio marinheiro.
Como na época a coisa era um pouco diferente, o tio pega o guri e o deixa num armazém para trabalhar de caixeiro em troca de moradia e comida na capital federal, Rio de Janeiro. Ele começou a trabalhar com 9 anos.
Alguns anos mais tarde, após negociar a falência de seu antigo patrão, foi trabalhar com o escocês Richard Carruthers. Cá entre nós, é aqui que competência encontra a oportunidade. Certamente Irineu não foi o único brasileiro a trabalhar com o sujeito, mas foi ele quem ganhou a confiança do ricaço e, com isso, “herdou” a filial brasileira anos depois.
Nasce o revolucionário
Em 1839, Irineu estava bem de vida. Tinha uma empresa de comércio internacional na mão, acesso a capital estrangeiro e chamou sua mãe e irmã para morar com ele.
Nesta ocasião ele poderia fazer o que toda a família de bem brasileira fazia: investir seu excedente em escravos. Mas não. Preferiu ajudar os revolucionários malucos do sul que queriam criar o “Pampa meu país” (um erro, do ponto de vista político) e comprar uma passagem para conhecer o berço da Revolução Industrial, o Reino Unido.
Na Inglaterra, conheceu o poder alucinante das máquinas. Ferrovias transportavam bens e pessoas de um lado para outro com velocidade e um sistema bancário sólido provia crédito para pessoas interessadas em fazer a economia crescer. Tanto melhor se no caminho estas mesmas pessoas ficassem acidentalmente ricas.
Na volta ao Brasil, percebe que uma mudança na tarifação de importação acabaria com seu negócio de comércio internacional, decide liquidar o negócio de Carruthers e comprar um estaleiro. Ali ele monta sua primeira indústria, a Pontal de Areia. Dela sairia boa parte da frota naval imperial daquela época, além de badulaques fundidos de todo o tipo como postes, engenhos e ferramentas. No entanto, ela não era algo que nós seres do XXI século reconheceríamos como uma fábrica, mas sim uma série de oficinas mais dependentes da habilidade dos trabalhadores, em boa parte escravos, do que da eficiência de máquinas.
Vale lembrar que Irineu era um negociante, não um engenheiro. Por ser bem relacionado, conseguiu algumas vantagens imperiais, o que não quer dizer muito, já que na época quem não tivesse algum favor imperial ia à falência mais rápido do que se diz “Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga”.
O que sabemos é que o patrimônio do rapaz multiplicou-se rapidamente. Alguns anos depois Irineu começou a se aventurar em empreendimentos cada vez mais audaciosos, como a instalação de iluminação pública no Rio de Janeiro, a primeira companhia de navegação do Amazonas e a primeira estrada de ferro do Brasil, entre o porto de Mauá, na Baía de Guanabara, e o pé da serra de Petrópolis. Esta última proeza lhe rendeu o título de Barão.
Aliás, diziam as más línguas que “onde está o Barão, mal há”.
Primeiro bilionário do Brasil
Em 1851 Irineu encabeçou um dos movimentos mais interessantes do império, que lhe provocaria as maiores dores de cabeças. Em parceria com outros empresários, ressuscita o Banco do Brasil com a proposta de oferecer juros baixos para todos que pudessem comprovar o crédito.
Vale lembrar que o Banco do Brasil original faliu por obra do digníssimo avô de D. Pedro II que, num golpe de dar inveja aos piores congressistas, levou todo o dinheiro do banco quando retornou a Portugal, em 1819.
Em apenas dois anos o conservadorismo do império falou mais alto. “Juros baixos provocam inflação”, diziam os escravocratas. Outros nobres horrorizavam-se quando funcionários do banco iam até suas mansões cobrar suas dívidas. No Brasil pré-Serasa da época, só os pobres pagavam suas dívidas. Talvez por isso que eram pobres. Ou porque não tinham escravos o bastante, vai saber…
“Não queremos mais esta instabilidade!”, disse o grupo liderado pelo primeiro-ministro visconde de Itaboraí, logo antes de privatizar o banco que, a partir daí, serviria apenas aos propósitos do governo de ocasião. Exatamente como ocorre até hoje.
Apesar do contratempo, os outros negócios iam de vento em popa. Ainda na década de 1850 ele inaugura uma casa de câmbio com agências em várias capitais brasileiras, Paris, Nova York e Londres. E o que seria o maior banco do Uruguai. Depois abre mais um banco no Brasil, um pouco menor do que o anterior, aproveitando uma brecha maluca na lei.
Na década de 1860, Irineu era “o cara”. O homem mais rico do país, mais até que o imperador, tinha tudo nas mãos exceto a boa vontade imperial.
Concorrência imperial
Aparentemente, D. Pedro II não era uma má pessoa ou retrógrada, como a história às vezes o faz parecer. É preciso entender que o sujeito foi criado em berço de ouro, literalmente, para ser o manda-chuva. O Brasil era um reinado absolutista com regras tão imbecis quanto a que obrigava a infalibilidade do rei.
Digamos que D. Pedro II sugerisse a Dunga que colocasse Neymar na seleção. Dunga vai e coloca, porque ele não é louco (ou é, sei lá…), e Neymar não joga nada, ainda é expulso no início de uma quarta-de-final com a França. A culpa, nos dias de hoje, seria de quem mandou levar um sujeito tão instável quanto Neymar. Ou seja, do rei.
O problema é que, legalmente, o rei nunca pode “falhar”, portanto Dunga teria de admitir publicamente inúmeras vezes que jamais deveria ter passado pela cabeça dele levar Neymar ao invés de Josué. “Como eu fui burro!”, diria Dunga ali por 1860, caso não quisesse ser julgado por lesa-majestade.
Como dono do campinho, D. Pedro II começou a se ver interessado pelas maravilhas do mundo moderno. Entre outras coisas, decidiu que iria fazer uma estrada de ferro paralela à do Barão de Mauá com fretes mais baratos. Decidiu que o Banco do Brasil não iria mais conceder empréstimos para as empresas do Barão. E também decidiu que mudaria paulatinamente as regras de todo e qualquer negócio no império simplesmente porque ele podia.
“Sabe por que cachorro lambe o próprio saco? Porque ele pode”, exatamente como D. Pedro II, que ficou conhecido por revezar seu apoio a liberais e conservadores com frequência estonteante durante seu reinado.
Em 1875, após anos de ataques, a situação se complica. O Barão de Mauá declara moratória e começa a liquidar todas suas empresas e bens pessoais para pagar suas dívidas. Homem honrado, não queria deixar ninguém no prejuízo.
O detalhe peculiar é que, de acordo com os registros contábeis, a moratória do Barão se deveu a pesadas dívidas por parte de empresas estatais e estrangeiras. Entre elas, a São Paulo Railway, que questionou uma dívida gigantesca absolutamente válida durante anos com o argumento de que “como era estrangeira, não poderia ser julgada em corte brasileira”.
Wonderful.
Ao invés de sair por aí esbravejando contra o Imperador (com razão), Irineu preferiu se retirar à sua casa em Petrópolis, pagar suas dívidas e tocar sua vida vendendo café.
Morreu em 21 de outubro de 1889, três semanas antes do seu império também vir a falecer.
Link YouTube | Trailer do filme “Mauá – O Imperador e o Rei” (1999)
Referências:
- Mauá: Empresário do Império, de Jorge Caldeira.
- “Mauá por trás do mito”, de Carlos Gabriel Guimarães, Revista de História da Biblioteca Nacional.
- Wikipedia.
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