“Minha namorada disse que tinha HPV, mas que já tratou”, me contou um amigo certa vez. “Ela fez um exame de rotina, deu que ela tinha HPV, ela tratou, repetiu os exames e viu que tava curada. Queria saber se eu preciso fazer alguma coisa”.
Embora a crista de galo (um nome popular para o condiloma acuminado) não seja novidade para muitos homens, o HPV tem ganhado destaque mais recentemente devido ao surgimento da vacina e à popularização de alguns exames ginecológicos.
Vamos entender melhor o que isso tem a ver com a gente, falando um pouco sobre como pode afetar ainda mais nossas mães, irmãs, filhas e parceiras.
O que é? Quais as consequências?
HPV é a sigla de Vírus do Papiloma Humano, nome de um grupo de vírus extremamente comum no mundo todo e que tem mais de 150 tipos, numerados HPV-1, HPV-2 etc. A doença mais importante causada pelo HPV é certamente o câncer de colo de útero, que matou quase seis mil mulheres no Brasil em 2016, de acordo com dados do DATASUS/TABNET. O HPV está presente em quase todos os casos dessa neoplasia. Quinze tipos de HPV estão relacionados a câncer genital em homens e mulheres, e oito deles respondem por mais de 90% dos casos de câncer de colo do útero. Os tipos 16, 18, 31 e 45 são de mais alto risco, e apenas os dois primeiros estão presentes em 70% dos casos.
O vírus também pode causar câncer na vulva, vagina, ânus e pênis. Ainda de acordo com o DATASUS/TABNET, em 2016, 408 homens morreram de câncer de pênis e 140, de câncer do ânus e canal anal; além disso, mais de mil homens têm o pênis amputado a cada ano no país por conta da neoplasia.
Outros tipos de HPV causam verrugas genitais (os condilomas) ou papilomas orais e laríngeos, destacando-se os tipos 6 e 11. Outros ainda, como 1, 2 e 3, causam verrugas simples nas mãos (como aquelas que sua mãe dizia que você teria se ficasse apontando coisas), plantas dos pés (o popular e doloroso olho de peixe) e no corpo.
Finalmente, há HPVs como o 5, que podem persistir com a pessoa pelo resto da vida, sem manifestar qualquer sintoma.
Como é transmitido?
O HPV é transmitido através de contato sexual, é altamente contagioso e não se restringe ao contato entre mucosas. Isso significa que o preservativo vai ajudá-lo a não se infectar, mas você ainda pode pegar o vírus pelo contato com a pele ou praticando sexo oral (daí a existência dos papilomas orais e laríngeos). Isso não indica abandonar a camisinha, mas entender que a transmissão pode acontecer mesmo tomando esse cuidado.
Os homens devem buscar ajuda ao perceberem verrugas no pênis, região genital ou ânus (também chamadas condiloma acuminado) – lembrando que não é necessário haver penetração anal para que haja infecção da região. Aliás, os homens deveriam buscar ajuda para quaisquer lesões anais ou genitais. Também convém procurar um médico ao perceber verrugas na pele – mesmo não sendo condiloma acuminado ou câncer, elas podem incomodar e são facilmente tratáveis.
Como é o tratamento?
Ao diagnosticar lesões decorrentes do HPV, o profissional de saúde deverá oferecer o tratamento adequado (que pode incluir “queimar” a lesão com ácido ou nitrogênio líquido, tratá-la com uma pomada ou retirá-la cirurgicamente), e solicitar exames para outras doenças sexualmente transmissíveis (HIV, sífilis e hepatites B e C). Aliás, se você tem relações sexuais desprotegidas, já deveria fazer esses exames regularmente.
Uma questão importante é que, ao invés de apenas realizarem o Papanicolaou a cada três anos – suficiente para identificar lesões pré-cancerígenas e oferecer tratamento oportuno – muitas mulheres têm realizado anualmente exames como a captura híbrida de HPV, que identifica a presença de alguns tipos virais no colo do útero e vagina.
No entanto, a maioria das infecções por HPV se curam sozinhas em alguns meses, e cerca de 90% dos HPVs “somem” em até dois anos – inclusive aqueles de maior risco para câncer. Assim, muitas mulheres vêm tratando HPVs que não precisariam ser tratados, preocupando a si mesmas e a seus parceiros.
Quem passou para quem?
Essa é uma pergunta que quase todos as pessoas fazem e sempre arrepia os médicos: convocados a opinar sobre questões muito íntimas, eles devem responder de forma honesta, porém não culpabilizadora e cientificamente embasada.
Sem analisar a história de cada relacionamento, podemos apenas lembrar o seguinte: como o HPV pode permanecer assintomático no corpo por meses e anos, sua parceira ou parceiro pode muito bem ter trazido essa lembrança desagradável de um relacionamento anterior e não merecer dormir no sofá.
Ademais, não custa mencionar a importância de estar junto com a parceira ou parceiro no diagnóstico de HPV ou câncer. Ele ou ela precisará muito de ajuda, e pode ser necessário que você também faça algum exame ou tratamento.
Como se prevenir? E essa vacina que todo mundo fala?
No momento, há duas vacinas contra HPV no mercado: a Cervarix®, da GlaxoSmithKline, que protege contra os tipos 16 e 18, e a Gardasil®, da Merck & Co, que protege contra os mesmos e, adicionalmente, contra os tipos 6 e 11, que causam verrugas genitais.
Essa última é a vacina usada pelo Ministério da Saúde, que a indica para meninas e adolescentes de nove a 14 anos, 11 meses e 29 dias e, mais recentemente, para meninos e adolescentes de onze a 14 anos, 11 meses e 29 dias. O Ministério da Saúde também recomenda a vacina para mulheres e homens de nove a 26 anos de idade vivendo com HIV/Aids e os indivíduos submetidos a transplantes de órgãos sólidos, de medula óssea e em tratamento de câncer.
Aos pais que acompanham a vacinação das filhas e filhos, é importante lembrar que há também relatos de efeitos colaterais da vacina, como desmaios e febre, e ela é muitas vezes aplicada incorretamente, pois seu melhor efeito é quando a pessoa ainda não teve contato com o HPV – ou seja, quando não teve nenhuma relação sexual, mesmo sem penetração.
Além disso, há um receio de que a vacinação transmita uma falsa sensação de segurança às mulheres (afinal, os tipos 16 e 18 são responsáveis por 70%, e não 100%, dos casos de câncer de colo uterino), o que pode leva-las a abandonar um exame abrangente e eficiente, porém incômodo: o Papanicolaou. Finalmente, a maioria (se não todas) as pesquisas sobre a vacina são financiadas pelas próprias fabricantes ou têm o envolvimento de pessoas ligadas à indústria farmacêutica, o que inevitavelmente traz desconfiança sobre seus resultados.
Para meu amigo, a resposta foi semelhante aos conselhos que dei nesse texto: use camisinha, faça exames de doenças sexualmente transmissíveis regularmente e procure um médico se tiver alguma lesão.
E lave o pinto: má-higiene aumenta o risco de câncer de pênis.
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Nota do editor: pessoal, deem as boas vindas ao Antônio Modesto! Ele vai seguir com a gente mantendo a coluna Consultório que vai ser o nosso espaço pra falar sobre questões relativas à saúde do homem e incentivar essas conversas que a gente evita ao máximo. Quaisquer dúvidas ou sugestões, vocês já sabem, é só colocar aqui na caixa de comentários que o Antônio vai tentar atacar da melhor forma possível.
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